A pandemia do coronavírus que, além de tantos efeitos negativos na saúde global, atingiu em cheio também a economia, está afetando diretamente as instituições privadas de Ensino Superior no Brasil. Em universidades gaúchas, a necessidade de muitos alunos em cortar gastos levou a números expressivos de inadimplência: em comparação com o ano passado, o percentual de estudantes que não pagaram as mensalidades em dia chegou a aumentar 177% em uma instituição, representando um desafio mesmo para aquelas que são referência na área.
Em 2020, faculdades, centros universitários e universidades da rede particular devem enfrentar a maior taxa de inadimplência dos alunos desde, pelo menos, 2006 – quando o Semesp, entidade que representa as universidades privadas no país, começou a monitorar esse índice. A previsão é que este ano termine com, pelo menos, 11,3% do total de estudantes devendo ao menos uma parcela de mensalidade. O maior índice registrado até então foi no ano passado, com 9,5%.
Em maio, a taxa de inadimplência no Ensino Superior privado em todo o país ficou em 23,9%, percentual 51,7% maior que o registrado no mesmo período de 2019. As mensalidades em atraso referentes aos cursos presenciais tiveram aumento ainda maior no período (55,1%), e as de cursos de ensino a distância (EAD) subiram 8,6%.
Os dados fazem parte da 3ª Pesquisa Cenário Econômico das Instituições de Ensino Superior Privadas e foram divulgados no início da semana pelo Semesp. Segundo o economista Rodrigo Capelato, diretor-executivo do Semesp, os dados refletem duas das consequências da pandemia: aumento do número de desempregados e redução na renda dos trabalhadores.
— Com relação à queda de maio ante abril, muitos alunos que estavam inadimplentes renegociaram, não necessariamente pagaram, mas parcelaram para quitar no segundo semestre ou depois de formados. Outro aspecto é que vários alunos tinham brecado o pagamento por conta do choque inicial da pandemia, pensando que iam perder renda, emprego, teriam suspensão do contrato de trabalho, ou que não haveria aula. Com o passar do tempo, e as coisas entrando minimamente em uma normalidade, aulas acontecendo, e vendo que a renda vai se manter, retomaram o pagamento — explica Capelato.
Realidade no ensino gaúcho
A pesquisa nacional não contou com número suficiente de amostras do Rio Grande do Sul para traçar um panorama sobre a inadimplência no Estado. Porém, em consulta a algumas das maiores universidades particulares gaúchas, a reportagem constatou que o percentual de não pagamento de matrículas em dia quase triplicou em alguns casos. Em uma dessas instituições, a inadimplência nos meses de abril, maio e junho teve crescimento de 12%, 60% e 177% respectivamente, em comparação aos mesmos meses do ano passado.
Em outra universidade gaúcha, a inadimplência mensal manteve o mesmo patamar registrado em 2019, porém houve aumento do impacto negativo de 36% no trancamento de matrículas.
— A gente tem de ter um pouco de cuidado com os percentuais, porque isso tem de ser visto por outro prisma: a inadimplência atual é ainda suportável para a maioria das instituições. Houve muitas situações econômicas que levaram os alunos a terem dificuldades em honrar seus compromissos. As instituições têm feito um processo, em algumas mensalidades, que temos chamado de incentivo matrícula, para fazer com que os estudantes possam se rematricular para o segundo semestre — define Oto Moerschbaecher, pró-reitor de Administração da Univates, presidente do Sindicato das Entidades Mantenedoras de Instituições Comunitárias de Educação Superior no Estado do Rio Grande do Sul (Sindiman) e representante do Consórcio das Universidades Comunitárias Gaúchas (Comung).
Já para o presidente do Sindicato Privado do Rio Grande do Sul (Sinepe-RS), Bruno Eizerik, a inadimplência é um novo revés em uma crise que já vem se desenhando há alguns anos.
— Havia um expectativa de melhora a partir de 2020, de um reaquecimento de todo o setor, mas a pandemia prejudicou essa previsão. Com isso, as instituições de Ensino Superior têm de usar a criatividade, trabalhar com nichos, oferecer crédito universitário próprio, encontrar caminhos — sugere Eizerik.
As instituições de Ensino Superior têm de usar a criatividade, trabalhar com nichos, oferecer crédito universitário próprio, encontrar caminhos.
BRUNO EIZERIK
Presidente do Sinepe-RS
Diante da queda expressiva nos pagamentos em dia, as universidades vêm oferecendo uma série de flexibilizações e soluções para as famílias que sofrem efeitos da pandemia, de modo a viabilizar que os estudantes continuem sua formação apesar das dificuldades financeiras.
— Quem teve diminuição salarial ou perdeu o emprego, por exemplo, pode renegociar sua mensalidade. O pior, para o aluno e a instituição, é a evasão — define Eizerik.
Como aponta o presidente do Sinepe, outro efeito colateral da pandemia de coronavírus no Ensino Superior privado é a evasão escolar. O levantamento do Semesp mostra que o índice para alunos do EAD se manteve praticamente estável, com queda de 2,4% no trancamento de matrículas em maio comparado ao mesmo período de 2019.
Perspectivas para o segundo semestre
A pesquisa do Semesp mostrou também que houve crescimento de 14,2% no número de alunos que desistiram ou trancaram a matrícula no mês de maio.
— O nosso receio é na virada do semestre. Como o contrato no Ensino Superior é semestral, o aluno terá que se rematricular, e aí vários podem considerar que as aulas presenciais não serão retomadas neste ano, o que pode levá-los a trancar as matrículas para retomar no ano que vem. Por isso, nesta virada do semestre, podemos ter aumento da evasão mais significativo — afirma Capelato.
Como o contrato no Ensino Superior é semestral, o aluno terá que se rematricular, e aí vários podem considerar que as aulas presenciais não serão retomadas neste ano, o que pode levá-los a trancar as matrículas para retomar no ano que vem.
RODRIGO CAPELATO
Diretor-executivo do Semesp
O diretor-executivo do Semesp destaca que maio é um mês que normalmente tem índice de evasão maior do que o de abril, o que não quer dizer que o aumento registrado neste ano seja apenas culpa da pandemia.
— A maioria dos estudantes não quer perder o investimento, e vemos que o movimento neste ano concentra-se nos alunos do primeiro semestre, que começaram as aulas em março e, 15 dias depois, tiveram as atividades presenciais suspensas.
Diante de tantas dificuldades, Eizerik aponta que as expectativas para o Ensino Superior privado não são as melhores para este segundo semestre:
— Não é questão de não ter um público interessado, porque há muitos alunos em potencial. É questão de não se ter condições mesmo.
Eizerik lembra que o Ministério da Educação (MEC) estendeu a autorização de aulas a distância em instituições de Ensino Superior até 31 de dezembro de 2020, o que significa que, mesmo com o retorno das aulas presenciais – que ele espera que o Estado tenha a partir de meados de agosto –, a realidade no segundo semestre ainda será de ensino remoto em muitos casos.
Se porventura tivermos que manter as aulas remotas, não haverá maiores problemas com relação à disponibilidade para os alunos.
OTO MOERSCHBAECHER
Representante do Consórcio das Universidades Comunitárias Gaúchas (Comung)
Para Moerschbaecher, as universidades comunitárias têm conseguido encontrar soluções para oferecer ensino de qualidade mesmo em meio ao distanciamento social.
— Se porventura tivermos que manter as aulas remotas, não haverá maiores problemas com relação à disponibilidade para os alunos. A dificuldade será encontrar os mecanismos, com controles sanitários rígidos, para suprir a necessidade de aulas práticas em alguns cursos em que isso é necessário — define ele.
Já Capelato ressalta que a inadimplência, a evasão e a captação de novos alunos são fatores que influenciam na sustentabilidade das instituições, o que pode interferir na capacidade de as universidades manterem seus investimentos previstos, o cronograma dos cursos e até o corpo docente integralmente.
Segundo o representante do Semesp, porém, com o planejamento adequado, é possível ainda aumentar o número de estudantes, reduzir o valor das mensalidades e ter mais capacidade para atender os alunos quando eles estiverem nos campi.
— Isso pode inclusive implicar a volta da contratação de professores. Quando a universidade voltar a registrar crescimento no número de alunos, volta a crescer o número de professores. Esse modelo não é como o EAD, que tem as aulas prontas disponíveis. O professor continua interagindo com os alunos — finaliza.
* Com informações da Agência Brasil