Quatro das sete instituições federais de Ensino Superior do Rio Grande do Sul serão afetadas pela medida provisória (MP) que permite ao ministro da Educação, Abraham Weintraub, nomear livremente reitores durante a pandemia. Havia eleição prevista para os próximos meses nas universidades federais do Rio Grande do Sul (UFRGS), de Pelotas (UFPel), a de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA) e na Fundação Universidade do Rio Grande (Furg). Em todo o país, 18 instituições foram atingidas.
Editada nessa quarta-feira (10) pelo presidente Jair Bolsonaro, a MP causou polêmica ao ser interpretada como uma intervenção, ferindo a autonomia universitária. A nova regra já está em vigor, mas precisa ser chancelada em votação do Congresso Nacional em 120 dias para não perder a validade. Ainda nesta manhã, parlamentares do PDT anunciaram que pretendem questionar a legalidade da MP no Supremo Tribunal Federal. Nos bastidores, há uma mobilização das universidades para que o presidente do Congresso, senador Davi Alcolumbre (DEM), devolva à MP ao governo sob a justificativa de que o texto contraria a Constituição.
— A MP é flagrantemente inconstitucional. Estamos conversando para ver se o Congresso devolve. Se isso não ocorrer, a ideia é obter uma liminar no STF que suspenda sua eficácia. A autonomia das universidades está garantida na Constituição e todo o processo tem regramento em leis — afirma o reitor da UFRGS, Rui Oppermann.
Pelas normas estabelecidas, ficam suspensos todos os processos sucessórios, nos quais professores, estudantes e servidores escolhiam pelo voto a composição da lista tríplice com os candidatos à reitoria. "Não haverá processo de consulta à comunidade, escolar ou acadêmica, ou formação de lista tríplice para a escolha de dirigentes das instituições federais de ensino durante o período da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente da pandemia da Covid-19", determina o texto legal.
Na UFRGS, maior universidade federal gaúcha, a eleição está em pleno andamento no Conselho Universitário. Pela legislação atual, a escolha do novo reitor precisa ser feita até 20 de julho e já havia sido criada uma comissão especial para elaborar o calendário eleitoral. A previsão era de que a escolha ocorresse nas próximas semanas. Candidato à reeleição, Oppermann disse ter estudado o texto para ver se havia alguma brecha que permitisse à universidade prosseguir com o processo.
— Infelizmente, não conseguimos escapar. Se trata de uma clara intervenção que inclusive não estipula prazo para ter fim. O reitor temporário pode ir ficando, como aliás já acontece em algumas universidades onde esse expediente foi usado e o pro tempore está há mais de ano — comenta Oppermann.
A MP começou a circular entre os reitores ainda de madrugada, tão logo foi publicada a edição de hoje do Diário Oficial da União. Reitor da UFPel, Pedro Hallal foi avisado à 1h28min. Logo teve início uma discussão entre os gestores universitários e reitores. Para Hallal, cujo mandato vai até janeiro de 2021, trata-se de mais uma medida arbitrária do governo federal.
— Parece coisa daquele guri mimado que, por não gostar das regras do jogo, leva a bola para casa fazendo beicinho. A partir de agora, teremos reitores nomeados por um sujeito que deseja prender os ministros do Supremo Tribunal Federal. Essa é a realidade brasileira — protesta Hallal, que não disputará novo mandato.
Na UFPel, as eleições ocorreriam entre agosto e setembro, em votação eletrônica. A mesma situação se repete na Furg, onde a reitora Cleuza Dias conclui sua gestão em janeiro e estava prevendo realizar a consulta à comunidade acadêmica em setembro.
— O governo está aproveitando o momento de pandemia, quando as universidades estão atuando no combate à doença, para tentar interferir no processo democrático interno. Nunca vivi algo assim — protesta Cleuza, há oito anos no comando da Furg.
Das quatro instituições, a UFCSPA é a que tem o calendário menos apertado, com a eleição planejada para novembro. De acordo com a reitora Lúcia Pellanda, cujo mandato termina em março, as discussões internas sobre o processo eleitoral recém estavam começando. Lúcia considera grave a interferência do governo no direito de escolha de alunos, professores e servidores e lembra que Weintraub, reiteradas vezes, tem ignorado a preferência comunitária ao não nomear o mais votado nas listas tríplices encaminhadas à pasta.
— A universidade é um ambiente de pluralismo de ideias, onde se respeita a opinião alheia. Uma intervenção dessas influencia todo o tecido social e dificulta o próprio funcionamento interno, pois é muito difícil alguém que não tem apoio da comunidade conseguir gerir uma estrutura tão complexa — comenta.
Nas demais instituições gaúchas – a Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), o Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Sul-riograndense (IFSul) e a Universidade Federal do Pampa (Unipampa) – não há sucessão prevista em 2020. O status de emergência em saúde pública invocado como prazo para a suspensão das eleições se encerra em 31 de dezembro, caso não seja prorrogado. A MP não abrange instituições cujo processo eleitoral tenha sido concluído antes da suspensão das aulas presenciais.
À frente da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), o reitor da Universidade federal da Bahia, João Carlos Salles, disse que a Andifes já está tomando medidas para tentar sustar a MP, cujo teor ele considera “um atentado às universidades”.
- Essa MP é um absurdo. A autonomia está garantida na Constituição, inclusive a própria gestão é autônoma. Estamos agindo para que seja devolvida ou julgada inconstitucional. É até um paradoxo na medida em que proíbe eleições que estão sendo conduzidas com voto remoto, ao mesmo tempo em que o ministério pressiona para que as aulas sejam retomadas desse modo. É uma MP irrelevante e injustificada, por isso tem que ser derrubada – afirma Salles.
.