Em sessão remota, o Senado aprovou, na noite desta terça-feira (19), o texto-base de um projeto que suspende instantaneamente a aplicação de provas e exames, como o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), em casos de calamidade pública decretada pelo Congresso Nacional. Agora, o texto deve seguir para votação na Câmara.
Apresentado pela senadora Daniella Ribeiro (PP-PB), a proposta foi votada nesta terça e recebeu 74 votos a favor e dois contrários — do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) e do líder do governo no Senado, Eduardo Braga (MDB-TO). Falta ainda a análise de um destaque do senador Romário (Podemos-RJ).
Diante do atraso no calendário escolar, provocado pela pandemia do coronavírus, especialistas aconselharam o Ministério da Educação de que o melhor seria deixar o Enem para o final do ano.
A medida foi aprovada no Senado poucas horas depois de o ministro da Educação, Abraham Weintraub — que vem resistindo à mudança de cronograma — anunciar a realização de uma consulta pública para ouvir estudantes sobre o possível adiamento. As novas datas já estariam contempladas nesse processo, previsto para junho.
O Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep) avalia novas datas para a realização do Enem. O governo já considera adiar a prova para dezembro ou janeiro.
A proposta aprovada pelo Senado foi protocolada no início de abril, e definida como prioritária pelos senadores nesta segunda-feira (18), após reunião de líderes partidários. Os senadores chegaram a pedir ao próprio ministro o adiamento do Enem, mas não obtiveram resposta positiva para a demanda.
O adiamento das provas tem sido defendido pelos senadores, com o apoio de secretários de Educação e especialistas por causa do risco de aumento de desigualdades com a interrupção de aulas provocada pela pandemia.
O presidente Jair Bolsonaro chegou a afirmar vque o exame poderia ser remarcado, mas não houve avanço na alteração. O edital em vigor prevê que as inscrições para as provas sejam realizadas entre os dias 11 e 22 de maio. As provas seriam aplicadas em domingos sucessivos dos dias 1º e 8 de novembro de 2020.
De acordo com a autora do projeto, o cancelamento das aulas devido à pandemia causada pelo novo coronavírus leva a uma disparidade entre os estudantes, especialmente quanto aos que estudam em escolas públicas, já que nem todos têm acesso ao ensino virtual, necessário para os estudos neste momento.
"O Enem 2020 digital confronta irremediavelmente a igualdade de oportunidades e concorrência entre os candidatos, principalmente se voltarmos nossas atenções às condições operacionais tão díspares entre alunos das instituições de ensino da rede pública em relação às oferecidas pela iniciativa privada", disse a senadora, na proposta.
Em seu relatório, Izalci Lucas defendeu que o adiamento das provas "encontra-se em sintonia com o conjunto de medidas adotadas pelo Poder Público" para reduzir os impactos causados pela pandemia de covid-19.
"A realidade educacional brasileira é muito desigual e soluções desse naipe apenas acentuam as diferenças existentes. Como se sabe, a esmagadora maioria dos estudantes brasileiros depende da escola pública, que, em geral, possui conhecidas deficiências", afirmou o relator.
Ainda na manhã desta terça-feira, Lucas conversou por telefone com o ministro da Educação, em uma tentativa de convencer Weintraub pelo adiamento.
Em resposta, recebeu o pedido para que o projeto fosse retirado de pauta. Sem recuar, o senador recebeu do ministro, então, o aviso que seria feita uma consulta pública com os estudantes para que eles decidissem sobre um possível adiamento. A consulta foi anunciada durante a tarde pelo ministro por meio de uma rede social.
"Ele (ministro) disse que o Congresso não pode atropelar o governo. Mas não é uma questão de atropelar, é de agir pelos estudantes que mais precisam", afirmou Lucas.
De acordo com relator, o ministro voltou a dizer na conversa que mantiveram pelo telefone que o Enem não é para compensar questões sociais. Há uma semana, o ministro já havia feito a afirmação em reunião com os líderes partidários do Senado.
"Isso é um absurdo, não vamos deixar que isso aconteça dessa forma."
O líder do PDT, Weverton Rocha (MA), criticou a posição do ministro.
"Infelizmente, diante de toda essa pandemia, ainda temos de ouvir as asneiras que o senhor (ministro) afirma nesta sua cadeira".
Um dos principais defensores do adiamento, o senador Dario Berger (MDB-SC), presidente da Comissão de Educação do Senado, chegou a encaminhar, há uma semana, pedido ao MEC para que houvesse maior diálogo com os secretários estaduais de Educação sobre a realidade do acesso à internet dos estudantes.
O MEC não respondeu ao pedido feito pelo presidente da comissão. Para o relator, seria inviável realizar as provas no prazo previsto, considerando que boa parte dos estudantes não está tendo condições de estudar para os exames.
"Lembremos, que nossos alunos das escolas públicos não tiveram sequer dois meses de aula completados neste ano letivo. Seria muito injusto submetê-los à já desigual concorrência que caracteriza os processos de acesso à educação superior. Quando não nos atemos a essas condições, podemos estar matando o sonho de que falamos, no mínimo pelo desestímulo a esses jovens, que podem se sentir não acolhidos, culpando-se pelo fracasso e desistindo. Dos sonhos", escreveu Izalci em seu relatório.
A proposta do Senado prevê que as provas só sejam realizadas após o fim do decreto de calamidade pública editado pelo governo por causa da pandemia. As datas, contudo, não foram determinadas.
O líder do governo no Senado, Fernando Bezerra (MDB-PE), afirmou que durante todo o dia desta terça-feira tentou, juntamente com os senadores e o ministro da Educação, construir um entendimento sobre a possibilidade de adiamento do Enem.
Uma ala do governo tenta deixar a discussão para agosto. Não apenas Weintraub já defendeu isso a congressistas mas uma parte do Palácio do Planalto também esperava postergar o debate.
A avaliação é a de que, no segundo semestre, haveria mais condições de avaliar a necessidade da medida. No Senado, contudo, Bezerra não conseguiu acordo antes que a proposta chegasse ao plenário virtual da Casa.
— A ideia é, tendo em vista que mais da metade dos que se inscrevem para as provas do Enem são de jovens que já concluíram o Ensino Médio, é que trabalhemos com uma data limite para o Enem para que possamos não prejudicar a o processo — disse.
Bezerra afirmou que, devido à falta de tempo, não conseguiu protocolar uma emenda que pedisse que fosse determinado um prazo para a realização das provas. A autora da proposta, Daniella Ribeiro (PP-PB), disse que 40% dos brasileiros não têm acesso à internet, o que dificulta a preparação dos estudantes para as provas.
— O que estamos fazendo não é prejudicando outros estudantes, estamos apenas reduzindo uma desigualdade que já existe — disse a senadora.
O presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), afirmou que desde que o projeto foi protocolado havia a discussão pelo adiamento. Segundo ele, o Senado tentou várias conversas com o governo pelo adiamento, mas sem sucesso.
— A gente não tinha como não tomar essa decisão, que foi praticamente por unanimidade dos líderes na última reunião. Por mais de 40 dias ficamos ouvindo, conversando, tentamos buscar uma conciliação, mas como presidente do Senado, como presidente do Senado, não podia deixar de pautar essa matéria no Senado federal — disse Alcolumbre.
O presidente da Casa reconheceu o que ele chamou de "esforço do líder do governo" pela tentativa de tentar acertar as intenções do governo.
"Infelizmente não tivemos, por parte do governo, no tempo hábil, essa conciliação", afirmou Alcolumbre.
Após a votação, no Twitter, Alcolumbre disse que o Congresso está "lado dos brasileiros que são mais atingidos" pelo vírus.
"O Senado aprovou o adiamento do Enem deste ano em nome de todos os estudantes brasileiros, principalmente da rede pública, que tiveram suas aulas e estudos interrompidos pela pandemia. O Congresso está ao lado dos brasileiros que são mais atingidos por este triste vírus #AdiaEnem", escreveu.
O líder da Rede, Randolfe Rodrigues (AP) retirou um destaque que pretendia incorporar ao texto a criação de uma comissão com entidades da sociedade para analisar a criação das novas datas das provas. Com o aval do líder do governo, ficou definido que o relator irá construir com o governo essa alternativa.
Aprovado no Senado, a proposta vai agora para análise da Câmara dos Deputados, onde o presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ) já se manifestou favorável à medida.
— A demanda do adiamento do Enem vem de todo o Brasil, vem de muitas famílias. Acho que é a decisão correta — disse Maia.
Além da perspectiva de derrota no Congresso, a posição do ministro sofre resistência dentro do próprio governo.
Maia disse que conversou com o ministro Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo), que também estaria trabalhando para conseguir postergar a data do exame.