De família gaúcha, Marcia Barbosa nasceu no Rio de Janeiro e se mudou para Canoas, na Região Metropolitana, aos quatro anos. Foi lá que cresceu e nutriu o interesse pela ciência. Hoje, aos 60 anos, a professora de Física da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) faz parte de uma seleta lista da Organização das Nações Unidas (ONU) Mulheres, que elencou no início deste mês de fevereiro as cientistas que impactaram o mundo com seus trabalhos.
Ao lado de nomes como Marie Curie - duplamente vencedora do Prêmio Nobel - e Katherine Johnson, Marcia é destaque por seus estudos sobre as estruturas complexas da molécula de água.
— Estar em uma lista internacional como a da ONU é uma honra. Isto só foi possível, pois recebi uma educação pública de qualidade. Devo ao povo deste país esta educação. Devo aos colaboradores, funcionários públicos de universidades federais, estaduais, institutos de pesquisa a possibilidade de estar aqui. A ciência feita no Brasil gera desenvolvimento.
O interesse pela ciência veio de casa, diz. Filha de um eletricista da Aeronáutica, ela aprendia as lições dadas pelo pai enquanto ele consertava as coisas em casa. O empurrãozinho veio na escola.
— Na escola pública, tive professores dedicados que sempre tinham respostas para as minhas constantes perguntas. Estudei no Colégio Estadual Marechal Rondon, em Canoas. Lá, ajudava no laboratório quando tinha folga. No científico, descobri a Física e como ela explica o mundo onde vivemos. O meu professor Milton Zaro nos estimulava. Chegamos a soltar foguetes na escola — relembra.
Além do trabalho como pesquisadora, Marcia é uma ativista das mulheres na ciência. Ela defende que a diversidade gera uma ciência melhor, no entanto, para se chegar mais perto da igualdade é preciso trilhar um longo caminho.
— Hoje, já somos (as mulheres) a metade das estudantes universitárias, mas não estamos nem no topo da carreira nem nas posições de poder. Nas áreas das exatas e tecnológicas, o problema é ainda pior. Sequer estamos na universidade. Precisamos mudar isto, mostrando que ciência e tecnologia são coisas de mulher. Precisamos acabar com a discriminação, com o assédio e precisamos encarar a maternidade como uma questão de estados. Ter filhos não pode ser uma barreira para subir na carreira. Em um país onde mulheres são assassinadas por seus parceiros, assediadas por seus chefes, isto é um problema.
O estudo
Dedicada ao estudo da água há anos, a física já disse que seus amigos e familiares estranham quando ela fala do seu objeto de pesquisa. "A gente já não sabe tudo sobre a água?", questionam. Em um texto publicado em 2015 na revista New Scientist, ela escreveu que é um erro subestimar o líquido. "Quando mais você olha para ela, menos comum ela parece", defendeu.
— Água é um líquido cheio de comportamentos fora do comum. Estes comportamentos diferem dos outros materiais. Explico: a fase sólida de um material é em geral mais densa e, por isso, afunda no material líquido. Parafina sólida afunda em parafina derretida (dá para fazer o experimento em casa). O gelo, no entanto, flutua em água líquida. Esta propriedade do gelo flutuar em água permite que a vida sobreviva em lagos e rios no inverno no Hemisfério Norte ou no período glacial da Terra.
O fenômeno, explica a professora, acontece porque a molécula de água faz ligações de hidrogênio com outras moléculas de água.
— Quando a temperatura baixa, forma todas as ligações possíveis. Essas ligações exigem uma distância entre as moléculas, o que faz com que o volume aumente. Este comportamento de fazer conexões ajuda a compreender as mais de 70 anomalias da água. Eu estudo como a água, ao entrar em buracos bem pequenos (nano), pode andar muito rápido. Empurro água salgada para um filtro nano e observo que a água passa e o sal não passa, criando assim um filtro de dessalinização nanométrico que promete ser mais eficiente que os atuais filtros. O trabalho é teórico, mas conto atualmente com o apoio do professor Gabriel Soares, que está produzindo experimentalmente o material do filtro. Quem sabe no futuro teremos água dessalinizada por nanofiltros? — provoca.
Em 2013, Marcia ganhou o Prêmio L’Oréal-Unesco para Mulheres na Ciência. Em 2017, a cientista foi finalista do 1º Prêmio Donna – Mulheres que Inspiram (no vídeo abaixo, veja a entrevista em vídeo produzida com Marcia na ocasião). A lista da ONU Mulheres completa pode ser conferida aqui.