O Dia Internacional da Mulher, celebrado nesta sexta-feira (8), traz à tona, todos os anos, a discussão sobre disparidades entre os gêneros. Um dos campos onde essas diferenças entre homens e mulheres ficam mais evidentes é no Prêmio Nobel, uma das mais importantes condecorações a múltiplas áreas do conhecimento. De 1901 a 2018, dos 904 indivíduos que foram agraciados, apenas 52 eram do gênero feminino, o que corresponde a singelos 5,7% do total.
Se esse índice já é pequeno, ele fica ainda mais desanimador quando filtradas as distinções voltadas especificamente para o nicho da Física e da Química: foram apenas sete mulheres reconhecidas.
– Ao entrar em uma loja de brinquedos, tente achar os laboratórios de Química na parte das meninas. Não tem, pois, todos os passatempos de aventuras e desafios são dos meninos. A sociedade carrega isso em mente – provoca a diretora da Academia Brasileira de Ciências (ABC), Marcia Barbosa, professora de Física da UFRGS.
Ela cita uma pesquisa feita por universidades norte-americanas, publicada em 2017 no periódico Science, que avaliou a percepção dos estereótipos de pessoas ditas brilhantes entre as crianças. Aos pequenos, contou-se uma história sobre indivíduos muito inteligentes. Depois, foi pedido que eles identificassem o gênero desses indivíduos. Meninos e meninas de cinco anos reconheceram positivamente seus próprios gêneros. Aos sete anos, as meninas tiveram menor probabilidade de associar o brilhantismo com seu gênero.
– Essa diferença se deve à exposição social imensa das crianças à ideia de que meninos são inteligentes e meninas esforçadas. Escola e família vão reforçando isso – justifica a pesquisadora.
Para além dos estereótipos, ainda há de ponderar a tendência humana de preferir seus semelhantes. É o que Marcia define como efeito de clonagem: homens vão pensar em indicar pessoas parecidas com eles mesmos:
– Só vamos acabar com isso quando pensarmos nas minorias: mulheres, negros, latinos.
A mestre em Gênero, Mídia e Cultura Joanna Burigo aponta que a academia é majoritariamente formada por homens brancos, que vão escolher outros homens brancos:
– Quem compõe os quadros de votação? Não sei a resposta. Mas, em todas as instituições, a maioria dos corpos assentados nessas cadeiras de poder são homens brancos. Esse conjunto contribui para esta disparidade.
Para ela, a diferença exorbitante entre os premiados do Nobel no que diz respeito a gênero não surpreende. Isso porque, diz Joanna, mesmo em locais onde a presença física feminina é maior, os salários masculinos também são maiores. E pior: no Brasil, quanto mais qualificada, mais títulos, mais recursos intelectuais, maior a disparidade, diz a especialista.
Essa diferença se deve à exposição social imensa das crianças à ideia de que meninos são inteligentes e meninas esforçadas.
MARCIA BARBOSA
Professora de Física da UFRGS
Em seu trabalho, ela tenta disseminar o empoderamento intelectual feminino a fim de romper esses rótulos e caminhar para uma sociedade mais igualitária:
– As pessoas têm dificuldade de entender que o patriarcado não é um castelo na Escócia com um monte de velhos. É uma rede de relações que mantêm o poder na mão dos homens brancos. Além de conhecer esse mecanismo, é fundamental as alianças entre as mulheres. E isso não é levar chazinho para as amigas. É colocar o gênero feminino no eixo central das articulações políticas.
Avanço a caminho
Embora sutil, a participação feminina da ciência tem avançado em algumas frentes. Há uma série de mobilizações que levam o tema às escolas e universidades com foco nas meninas, como Meninas na Ciência, da UFRGS, e Meninas Olímpicas, da Universidade Federal de Santa Maria de Frederico Westphalen. Ambas visam estimular e aumentar a participação das mulheres nesse segmento. Além disso já há grupos de mulheres na ABC e está se discutindo a maternidade na comunidade científica. A ideia é acrescentar o nascimento dos filhos no currículo feminino.
– Quando for analisar, o avaliador vai entender o buraco no currículo – explica Marcia.
Nesse sentido, também há universidades oferecendo bolsas de iniciação científica para mulheres com filhos.
Quem são as Nobel?
Física
Marie Curie (1903)
Além da distinção de física, por seus estudos sobre radiação, descobriu dois elementos químicos: o rádio e o polônio, que lhe renderam o prêmio de Química em 1911.
Maria Goeppert Mayer (1963)
Recebeu o prêmio por suas descobertas sobre as estruturas do átomo e seu núcleo.
Donna Strickland (2018)
Premiada pelas invenções no campo da física a laser.
Química
Marie Curie (1911)
Em reconhecimento às descobertas do rádio e do polônio.
Irène Joliot-Curie (1935)
Prêmio em reconhecimento de sua síntese de novos elementos radioativos.
Dorothy Crowfoot Hodgkin (1964)
Por suas determinações, usando técnicas de difração de raio x, das estruturas de importantes substâncias bioquímicas
Frances H. Arnold (2018)
Por conduzir a primeira evolução dirigida de enzimas
Ada E. Yonath (2009)
Pelos estudos da estrutura e função dos ribossomo