A preocupação com a qualidade dos cursos de ensino a distância (EaD) é a grande questão que permeia o crescimento da modalidade no país. Os especialistas em educação consultados por GaúchaZH veem o fenômeno com bastante cautela. Pós-doutora em Educação, focada na formação de professores, a ex-reitora da Universidade Estadual do Rio Grande do Sul (Uergs) Arisa Araújo da Luz lembra que alguns conselhos profissionais seguem rejeitando a oferta de cursos EaD por entenderem que esse método não é o mais adequado para absorção de conteúdo.
– Alcançar a qualidade é difícil. Porque, quando falamos em formação de professores, nós estamos falando em atividades vivenciais. A atividade de professorar se pauta pelo contato, e isso nós não vamos ter em alguns cursos de EaD – pondera.
Para Arisa, um professor com formação a distância poderá não transmitir o conteúdo da melhor forma no momento em que estiver numa sala de aula.
– Onde fica a didática? Onde fica esse comprometimento com as questões sociais? Talvez tenhamos que encontrar uma forma híbrida. Mas, para mim, a formação de professores deve estar no contato, na presença – sustenta.
– O crescimento marcante do EaD não se dá em instituições de excelência – acrescenta o pedagogo e pós-doutor em Sociologia Gregório Grisa, professor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul (IFRS).
– Há uma lógica de redução de gastos, economia e certa otimização de processos por parte dessas instituições que vêm ofertando numa escala cada vez maior de cursos a distância. Infelizmente, a tendência para o futuro é termos registros de cursos um pouco mais precarizados e mais aligeirados. Isso acende uma luz amarela quando à qualidade do ensino.
De acordo com Grisa, cursos de formação de professores com incidência grande de EaD têm notas insatisfatórias. Os dados mais recentes do Ministério da Educação, relativos a 2017, mostram que quase dois terços dos novos universitários nesses cursos estudam a distância. Apenas 0,5% dos cursos têm nota máxima no indicador de qualidade do governo. Na modalidade presencial, esse percentual é de 2,5%.
O crescimento do ensino a distância vai na contramão daquilo que a gente precisaria fazer para enfrentar os desafios da formação de professores. E vai na contramão também daquilo que os países que têm as melhores estruturas de formação de professores fazem.
OLAVO NOGUEIRA FILHO
Diretor de políticas educacionais do Todos pela Educação
– Levando em conta o Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (Enade) e o Índice Geral de Cursos do Inep, quando avaliamos as licenciaturas, sistematicamente os estudantes que se formam a distância têm notas menores do que os estudantes que se formam presencialmente – comenta Grisa. – As notas dos cursos a distância também costumam ser menores do que as dos presenciais.
Um estudo da organização da sociedade civil Todos pela Educação divulgado em 2019 indica que seis em cada 10 alunos brasileiros que começaram cursos de graduação voltados à formação de professores em 2017 (Pedagogia e Licenciaturas) estavam no EaD. A quantidade é duas vezes maior do que nas demais áreas do Ensino Superior. O levantamento revela ainda que os futuros professores formados em EaD possuem desempenho acadêmico pior dos que os da modalidade presencial.
– O crescimento do ensino a distância vai na contramão daquilo que a gente precisaria fazer para enfrentar os desafios da formação de professores. E vai na contramão também daquilo que os países que têm as melhores estruturas de formação de professores fazem – destaca o diretor de políticas educacionais do Todos pela Educação, Olavo Nogueira Filho.
O especialista faz questão de ressaltar que os estudos feitos sobre o EaD “não têm por objetivo demonizar o ensino a distância”. Ele diz que a modalidade é uma ferramenta de “extrema importância” para o avanço da democratização do Ensino Superior e do aumento no número de vagas.
_ Nós estamos colocando nas costas da formação de professores um discurso de democratização do Ensino Superior que no nosso modo de ver é uma estratégia equivocada – diz o dirigente, destacando que os modelos híbridos podem ser uma alternativa para melhoria da qualidade de ensino. – Ninguém estaria confortável em ser atendido por um médico que passa os quatro anos da sua formação inicial fazendo curso online, atrás de um computador.
– O EaD tem espaço para crescer, entre outros motivos, porque atrai a população de baixa renda. Mas não vai substituir o presencial, nem abarcar todo o Ensino Superior – avalia Rodrigo Capelato, diretor-executivo do Semesp, entidade que reúne mantenedoras de universidades do Brasil.
Capelato acredita que sistemas mais consistentes de ensino a distância precisam ser elaborados, “mais pautados em interatividade e modelos tecnológicos atrativos, além de preservarem atividades presenciais que gerem convivência com o corpo acadêmico”. Com métodos rigorosos, alerta, os custos devem aumentar.
O que é preciso é aprimorar o modelo, com o aluno, por exemplo, cursando em EaD toda a parte teórica e fazendo presencialmente na instituição de ensino toda a parte prática.
SÓLON CALDAS
Diretor da Abmes
A Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior (Abmes) projeta que, em 2023, o número de matrículas na modalidade EaD vai superar o do ensino presencial no Brasil. Nesse cenário, só modelos híbridos podem garantir a qualidade do Ensino Superior, aposta o diretor da entidade, Sólon Caldas:
– O mundo todo está utilizando a tecnologia na formação de graduandos. E no Brasil não é diferente. É preciso aprimorar o modelo, com o aluno, por exemplo, cursando em EaD toda a parte teórica e fazendo presencialmente na instituição de ensino toda a parte prática.
O aperfeiçoamento também ajudaria os formandos em EaD a conquistarem mais e melhores espaços no mercado de trabalho. Uma das grandes preocupações dos estudantes é justamente a valorização dos cursos pós-estudos. Para Laira Correa Seus, consultora na área de recursos humanos e uma das diretoras da Associação Brasileira de Recursos Humanos no Estado (ABRH-RS), o diploma EaD já enfrentou mais preconceito “num passado não muito distante”.
– De fato, desconsideravam-se as pessoas quando apareciam com diploma de EaD, porque se tinha muita desconfiança de que não seriam cursos sérios, de que não teria toda aquela interação em sala de aula. Com o passar dos anos e a evolução dos cursos, o cenário mudou – diz.
O diploma EaD é igual ao do ensino presencial. Não há especificação sobre a modalidade na qual o curso foi feito. No momento de uma entrevista de emprego, porém, quem está fazendo a seleção poderá fazer essa pergunta ao candidato, caso a informação não conste no currículo.
– Não só as instituições de graduação e pós-graduação, mas inclusive a ABRH e outras entidades que realizam cursos profissionalizantes estão investindo no EaD – aponta Laira.
É um caminho, aparentemente, sem volta. Aperfeiçoá-lo se mostra fundamental.