As lágrimas de Evelyn Vitória da Silva Barbosa, 13 anos, durante o que deveria ser apenas uma aula especial do segundo ano para celebrar o Dia da Consciência Negra de 2017, fizeram a professora Franciele Vanzella da Silva, 24 anos, da Escola Municipal de Ensino Fundamental Professora Nancy Ferreira Pansera, de Canoas, transformar a dor da menina num movimento que hoje ultrapassa os portões da instituição.
O projeto desenvolvido por Franciele conquistou menção honrosa na categoria Raça na sexta edição do Prêmio RBS de Educação — Para Entender o Mundo. Idealizado pela Fundação Maurício Sirotsky Sobrinho e pelo Grupo RBS, o prêmio destaca projetos de incentivo à leitura desenvolvidos nas escolas públicas e privadas do Estado. As inscrições para a sétima edição da premiação encerram-se em 12 de setembro.
Ao perguntar para Evelyn, então com 11 anos, o que ela entendia sobre racismo, Franciele surpreendeu-se com o relato pessoal de quem sofrera diferentes formas de agressão no ambiente escolar. A menina, conhecida pela timidez, contou que quando estudava numa escola municipal de Sapucaia do Sul, frequentemente, era ofendida pelos colegas por conta de sua cor e raça. Em nenhuma das vezes ela procurou a direção da instituição para pedir ajuda, pois temia que as ofensas só aumentassem.
— Diziam que eu tinha cabelo ruim, que não gostavam da minha cor. Fizeram eu deixar de aceitar a minha cor e passei a odiar o meu cabelo. Sai daquela escola, mas nunca esqueci. Quando a professora Franciele perguntou, acabei desabafando aquilo que ainda sentia dentro de mim — recorda Evelyn, emocionada.
No embalo da menina, outras crianças da turma começaram a contar situações de racismo vividas por elas ou familiares. Mesmo sem jamais ter trabalhado a temática em sala de aula antes daquela tarde, Franciele, docente desde 2014, percebeu que era hora de agir.
— Fui para casa e comecei a pesquisar diferentes formas de resgatar a autoestima daquelas crianças. Separei vídeos com entrevistas da MC Sofia (uma cantora e compositora brasileira de 15 anos conhecida pelas letras de suas canções que falam sobre preconceito e racismo) e os apresentei em sala de aula. Também levei histórias literárias que apresentassem negros e negras como heróis e heroínas. A intenção foi dar a oportunidade para as crianças se sentirem representadas, lendo e ouvindo histórias em que o protagonista tem a mesma cor de pele e o cabelo parecido com o seu — relata a professora.
A primeira ação foi colocar um espelho na sala de aula para que os estudantes pudessem se observar. Inicialmente, os que haviam sofrido algum tipo de preconceito rejeitaram a proposta. Evelyn foi um deles. Nas semanas seguintes, a docente selecionou quatro obras infantis, entre elas Obax, de André Neves, a história de uma menina africana que tem poucos amigos, e Cabelo de Lelê, de Valéria Belém, que mostra a tristeza e os questionamentos de uma garotinha em relação aos seus cabelo crespos. Estes dois livros acabaram se transformando em peças teatrais produzidas pela turma da professora. Evelyn foi escolhida para ser Obax.
— Mesmo com vergonha, consegui me tornar a personagem e os colegas gostaram da minha interpretação. Conhecer a Obax me fez começar a gostar de mim pela primeira vez. Me sinto mais forte _ comenta, orgulhosa, a jovem, que agora está no quarto ano na escola — ela havia repetido séries na instituição anterior.
Com o objetivo de valorizar a beleza negra, elevar a autoestima das crianças e diminuir o número de agressões verbais e apelidos em razão da aparência, o projeto Empoderando Crianças Negras através da Literatura acabou expandido para as turmas dos terceiros, quartos e quintos anos da escola.
Diziam que eu tinha cabelo ruim, que não gostavam da minha cor. Fizeram eu deixar de aceitar a minha cor e passei a odiar o meu cabelo. Sai daquela escola, mas nunca esqueci. Quando a professora Franciele perguntou, acabei desabafando aquilo que ainda sentia dentro de mim.
EVELYN VITÓRIA DA SILVA BARBOSA, 13 ANOS
Foi quando surgiu Isadora Conceição de Souza, atualmente com dez anos e aluna do quinto ano. Ao ver a apresentação teatral, ela pediu para fazer parte do grupo porque enfrentava o racismo desde muito pequena. A angústia por ter cabelos crespos, por exemplo, a fez pedir à mãe para passar pela primeira progressiva aos oito anos de idade.
— Achava que se tivesse cabelos lisos parariam de me incomodar. Quando li a história da Lelê vi que não precisava ter vergonha do meu cabelo. Me senti melhor. Hoje, faço o que a minha mãe diz: "a ofensa entre por um ouvido e sai como elogio pelo outro ouvido". Depois da peça, comecei a soltar os meus cabelos e outras meninas negras da escola também estão fazendo o mesmo — comemora a atual intérprete de Lelê.
Inspirar outros docentes e multiplicar boas práticas
Neste mês, as peças adaptadas dos livros foram apresentadas para cerca de cem alunos de uma escola da cidade. A história de como foi realizado o projeto na escola de Canoas pode ser encontrada nos Cadernos de Replicação, um compilado com os 20 trabalhos finalistas da edição passada mostrando o passo a passo das ações desenvolvidas em sala de aula. As cartilhas estão disponíveis neste site.
De acordo com a consultora de Comunicação e Projetos Sociais da Fundação Maurício Sirotsky Sobrinho, Amaralina Xavier, o prêmio tem como meta inspirar outros docentes e multiplicar as práticas vencedoras. Nesta edição, os projetos inscritos serão avaliados em duas etapas. A primeira, feita pelo Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária (Cenpec). Serão levados em consideração quesitos como contexto, inteligibilidade, pertinência, organização, profundidade, multiletramento, adequação, linguagem e resultados. Os 40 projetos mais bem pontuados passarão para a segunda etapa, quando serão selecionados os 10 finalistas de cada categoria, os vencedores e as menções honrosas.
Cada um dos 20 finalistas será presenteado com um kindle e os vencedores do voto popular receberão premiação em dinheiro. Uma nova parceria com a Feira do Livro de Porto Alegre e, em conjunto com a editora LPM, dará 200 livros para cada uma das duas escolas que conquistarem o primeiro lugar nas categorias pública e privada.
Como participar
7ª Edição do Prêmio RBS de Educação
- Inscrições: até 12 de setembro, pelo site oficial, neste link.
- Categorias: Escola Pública e Escola Privada
- Menções honrosas para projetos que, por meio da leitura, debatam temas como Meio Ambiente, Cidadania, Gênero, Raça e Inclusão (Acessibilidade)
- O site do prêmio também tem uma linha formativa, que oferece gratuitamente um curso online sobre Mediação de Leitura, destinado a profissionais que queiram aperfeiçoar suas práticas em sala de aula ou pessoas que queiram aprender sobre a prática.
- A ferramenta traz informações sobre leitura e sobre o papel do mediador, apresentando estratégias de mediação para que todos os interessados possam refletir sobre as ações que desenvolvem, tendo subsídio para aprimorá-las.
A premiação
Escola pública
- 1º lugar: R$ 5 mil + 200 livros
- 2º lugar: R$ 3 mil
- 3º lugar: R$ 2 mil
- Finalistas: R$ 1 mil
- Voto popular: R$ 1 mil + entrada no Fronteiras do Pensamento
Escola privada
- 1º lugar: R$ 5 mil + 200 livros
- 2º lugar: R$ 3 mil
- 3º lugar: R$ 2 mil
- Finalistas: R$ 1 mil
- Voto popular: R$ 1 mil + entrada no Fronteiras do Pensamento
As cinco menções honrosas escolhidas pelo júri técnico receberão, cada, R$ 1 mil. Cada um dos 20 finalistas será presenteado com um kindle.
Como acessar os Cadernos de Replicação
Os Cadernos de Replicação podem ser acessados gratuitamente no site do Prêmio RBS de Educação, neste link. É possível baixar o compilado sobre os 20 projetos finalistas da edição de 2018 do prêmio e conferir o caderno específico de cada iniciativa. Qualquer pessoa pode ter acesso ao conteúdo, basta inserir o nome completo e um e-mail de identificação antes de baixar o material.