É enganosa uma publicação feita nas redes sociais que associa fotografias de pichações e entulhos de lixo em frente a um prédio da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) a baderna na universidade pública. O lixo foi acumulado em frente ao prédio após um mutirão de limpeza feito por estudantes em greve na universidade. Alguns dias depois, o lixo foi retirado do local.
As pichações também são verdadeiras, porém o Comprova não conseguiu identificar quando foram feitas. O registro mais antigo das pichações no prédio é de novembro de 2012, segundo um artigo no site oficial da Universidade.
Conforme mostra reportagem do telejornal produzido por alunos de Jornalismo da UFSC, a limpeza foi realizada no dia 11 de setembro por estudantes que ocuparam o prédio e decidiram concentrar ali atividades da greve estudantil, iniciada no dia 10. A mobilização é contra os cortes orçamentários do governo federal nas universidades públicas.
A informação de que os entulhos foram resultado do mutirão de limpeza feito após o início da greve foi repassada por três estudantes entrevistados pelo Comprova e confirmada pela UFSC no Twitter. O lixo foi retirado da entrada do prédio no dia 20, segundo estudantes ouvidos pelo Comprova, o que pode ser atestado em imagens enviadas por eles (veja a seguir).
A pedido do Comprova, o estudante de Jornalismo da UFSC Gabriel Vieira foi ao prédio onde estavam os entulhos e fez um vídeo, às 7h53 do dia 20, do lado de fora do edifício, que mostra o lixo sendo removido por uma empresa de limpeza não identificada. Ele também fez uma fotografia do lugar no mesmo dia, mas no final da tarde, apontando que o prédio estava limpo de novo. A informação da data, associada ao local, está nos metadados dos arquivos checados pelo Comprova.
A fotografia dos entulhos viralizou ao lado de outras imagens que mostram pichações nas paredes do centro de convivência, prédio da UFSC que abriga o Diretório Central dos Estudantes (DCE) e uma agência dos Correios, mas antes acomodava também uma livraria e outras áreas de lazer. Ao menos desde 2010, o centro está abandonado, segundo a UFSC, por falta de recursos para infraestrutura. O Comprova não encontrou o autor das imagens das pichações, mas fotos no Google Maps e no Instagram e outras imagens feitas no local para o Comprova confirmam que o prédio está depredado pelo menos há quatro anos.
O Comprova verificou o conteúdo de um tuíte publicado pelo empresário Luciano Hang no Twitter e de um post da página República de Curitiba no Facebook.
Procurada, a assessoria de imprensa do empresário afirmou por e-mail que as fotos foram recebidas de “um aluno que não quer se identificar para não sofrer represália”.
Enganoso para o Comprova é o conteúdo que confunde ou que seja divulgado para confundir, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.
Como verificamos
Para esta verificação, o Comprova entrou em contato com o estudante de História Marco Antonio Marcon Pinheiro Machado, representante do DCE da universidade, e os alunos de jornalismo Luiza Morfim e Gabriel Vieira, além das assessorias de imprensa da UFSC e de Luciano Hang. Também usamos a busca reversa de imagens do Google, que permite encontrar imagens semelhantes que já tenham sido publicadas na internet, e pesquisamos fotos do centro de convivência no Google Street View e na ferramenta de localização do Instagram, fazendo uma busca com os termos “centro de convivência UFSC” na rede social.
Você pode refazer o caminho da verificação do Comprova usando os links para consultar as fontes originais ou visualizar a documentação que reunimos.
O que há no centro de convivência
Construído em 1970, o centro de convivência é um dos prédios mais antigos da universidade, que foi fundada em 1960. De acordo com a UFSC, os espaços foram desativados aos poucos desde o início dos anos 2000: o restaurante, por exemplo, fechou em 2006 e a galeria de arte deixou de abrigar exposições em 2015. Hoje, apenas o DCE e os Correios funcionam no prédio.
Uma publicação na conta oficial da instituição no Twitter foi feita no dia 19 de setembro, após a viralização das fotos da pichação. O texto informa que o acesso ao prédio foi bloqueado devido à necessidade de obras estruturais. “Como estamos enfrentando uma escassez de recursos, especialmente para obras, não foi possível reformá-lo. Uma parte do prédio, no térreo, é liberada para uso”, explicava o tuíte. “Como toda estrutura sem uso em qualquer cidade do Brasil, o prédio sofreu invasões e foi vandalizado ao longo dos anos, tendo suas paredes pichadas, janelas quebradas e estruturas de metal furtadas”.
A página República de Curitiba diz que R$ 1,7 bilhão são pagos por ano “para sustentar esta corja”. O valor se aproxima, mas não corresponde ao último orçamento da UFSC. Em 2019, é de R$ 1,5 bilhão e o bloqueio foi de R$ 60 milhões. O orçamento deste ano está dividido em: R$ 1,3 bilhão para pessoal e encargos sociais, mais R$ 227 milhões para outras despesas correntes e R$ 25 milhões para investimentos.
O orçamento executado em 2018 foi de R$ 1,67 bilhão e em 2017 foi de R$ 1,58 bilhão. Os números referentes a todos os anos desde 2008 estão no site da própria universidade.
A administração da universidade confirma na postagem que o lixo visto na imagem era resultado do mutirão de limpeza feito pelos estudantes. Os alunos que estão em greve ocuparam o prédio “para concentrar as atividades da greve estudantil”.
O centro de convivência passou por reformas pontuais. Como mostram textos publicados no site da UFSC, em 2012, foram investidos R$ 90 mil em uma revitalização do prédio para que a 11ª Semana de Pesquisa e Extensão (Sepex) pudesse ser realizada no espaço. Naquele momento, a maior parte do centro já havia sido desativada para uma reforma no telhado, iniciada em abril de 2010 e concluída em fevereiro de 2011, com um custo de R$ 374,6 mil.
A ex-reitora Roselane Neckel negou, em 2014, que o prédio estivesse abandonado, mas reconheceu que faltavam projetos complementares para a reforma do prédio. Há cinco anos, ela previa lançar uma licitação para a obra, o que nunca foi feito.
A mesma entrevista mostra que os problemas do lixo e das pichações são antigos. Segundo ela, em junho de 2012, quando assumiu a gestão da universidade, foram retiradas 12 caçambas de lixo. “Sobre a pichação é uma coisa complicada. Há um grupo de estudantes em trabalho de oficinas, que fazem grafitagem. Pediram para usar o espaço que estava aberto. Não foi invadido. Está ocupado por estas oficinas”, disse.
Em 2016, a universidade fez uma investigação sobre “manifestações nazistas de cunho racista em pichações” encontradas em uma das salas do centro de convivência.
Pichações são anteriores à greve e o lixo é proveniente de um mutirão de limpeza
Pelo Google Maps, é possível ver o prédio por fora. Na foto tirada em janeiro de 2019, o prédio realmente está pichado e com papéis colados nas paredes. Parece abandonado.
No registro mais antigo do local, datado em julho de 2017, as pichações já haviam sido feitas e os vidros já estavam quebrados.
No entanto, por meio do aplicativo, não é possível ver os sacos de lixo e a sujeira acumulada em nenhuma das fotos. Pela posição da banca de jornais, é provável que a foto compartilhada por Luciano Hang tenha sido tirada do outro lado do prédio.
No mapa da universidade, o centro de convivência é o que aparece com o número 10, onde ficam os Correios e o DCE.
O Comprova também pesquisou no Instagram as fotos que haviam sido publicadas no centro de convivência. Uma foto de 2015 já mostrava a mesma pichação em uma das paredes do prédio retratada em uma das imagens da publicação da página República de Curitiba.
Numa busca de imagem reversa no Google, enquanto procurávamos imagens semelhantes àquelas do tuíte de Hang, encontramos um artigo do jornal local ND Florianópolis de 2014, que já mostrava pichações no prédio do Centro de Convivência da universidade. A equipe do Comprova entrou em contato com a redação do site em busca de mais informações e eles nos passaram contatos de alunos do DCE.
O aluno de História e membro do DCE Marco Antonio Marcon Pinheiro Machado confirma que as pichações nas paredes são mesmo antigas e podem ter sido feitas por qualquer um, já que o campus é aberto ao público. Marco ainda reitera que os estudantes realizaram o mutirão de limpeza iniciado no dia 11 de setembro e que o lixo mostrado nas fotos estava sendo removido do local no dia 19 de setembro.
A equipe do Comprova entrou em contato com Luiza Morfim, estudante de Jornalismo da UFSC, que também confirma que o mutirão de limpeza ocorreu durante a greve na universidade e que o prédio está abandonado e com pichações há pelo menos cinco anos. Luiza passou o contato de Gabriel Vieira, aluno de Jornalismo, que fez um vídeo da limpeza na manhã do dia 20 de setembro e, no fim da tarde do mesmo dia, um colega dele fez uma imagem mostrando que todo o lixo havia sido removido pelos funcionários da limpeza.
Qual o desempenho da UFSC
Na sua publicação no Twitter, Luciano Hang afirma que “enquanto a maioria dos brasileiros paga seus estudos com dificuldade, quem tem a oportunidade de estudar em uma federal faz esta baderna”. Diferentemente do que o tuíte sugere, a UFSC é bem avaliada em diferentes rankings.
No ranking mundial da revista britânica Times Higher Education, divulgado em setembro de 2019, a universidade é a quinta brasileira mais bem colocada.
Além disso, a UFSC tem nota máxima (5) no Índice Geral de Cursos (IGC), medido pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), órgão ligado ao Ministério da Educação (MEC).
Neste link, é possível acessar o Conceito Enade (baseado no Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes) dos cursos da universidade, cujas notas também vão até 5.
A instituição é a sexta colocada no Ranking Universitário da Folha, com nota final 92.3 (de 100). Nessa classificação, é a 7ª em ensino e internacionalização, 8ª em pesquisa, 13ª em inovação e 26ª em mercado.
Contexto
As imagens do centro de convivência da UFSC viralizaram após o início de uma greve organizada por estudantes que protestam contra bloqueios no orçamento da universidade determinados pelo MEC. Eles estão parados desde o dia 10 e devem ficar assim por tempo indeterminado, segundo postagem do DCE no Facebook.
A UFSC está entre as universidades mais afetadas pelo contingenciamento de recursos
das instituições federais de ensino superior anunciado em abril pelo MEC. Os bloqueios, que atingem as chamadas despesas não obrigatórias, dependem da arrecadação do governo, que afirma não ter recursos para bancar os gastos previstos no orçamento de 2019. A medida é temporária, segundo o Planalto, mas já afeta as atividades universitárias.
Até setembro, houve corte de R$ 60,1 milhões (35%) dos recursos antes previstos para despesas não obrigatórias da UFSC. A medida atinge o custeio de água, energia, infraestrutura, contratação de serviços terceirizados, pesquisa e atividades de extensão, entre outros. Para o secretário de Planejamento e Orçamento da instituição, Vladimir Arthur Fey, se os valores não forem desbloqueados a UFSC não funcionará até o fim do ano.
Além de reivindicar o fim dos bloqueios, a greve estudantil na UFSC protesta contra o Future-se, projeto apresentado em julho pelo governo federal para incentivar as universidades a captar recursos privados, diante da crise no orçamento das instituições.
Repercussão nas redes
O Comprova verifica conteúdos duvidosos sobre políticas públicas do governo federal que tenham grande potencial de viralização.
As imagens do centro de convivência da UFSC foram publicadas por Luciano Hang no Twitter no dia 16 de setembro e, até o dia 23, acumulavam 1,3 mil retuítes e mais de 5,8 mil curtidas. A página República de Curitiba, no Facebook, publicou as fotografias da universidade no dia 18 de setembro. Até o dia 23, eles tinham 1,1 mil compartilhamentos.
Saiba mais
O que é um corte orçamentário e quando ele é usado (Nexo)
Qual o plano do MEC para as universidades federais captarem recursos privados (Nexo)
Bloqueio de verba afeta serviços oferecidos na Universidade Federal de Santa Catarina (G1)
UFSC tem site de checagem sobre notícias referentes à instituição (UFSC)
Projeto Comprova
A verificação exposta nesta reportagem foi conduzida pelo Projeto Comprova, uma coalizão formada por 24 veículos de mídia, incluindo GaúchaZH, para combater a desinformação sobre políticas públicas federais. A apuração deste texto foi feita por Nexo, Jornal do Commercio, Poder 360 e Band e verificada, por meio do processo de rechecagem, por outros veículos: GaúchaZH, Piauí, UOL, Correio da Bahia, Correio do Povo, Band e Folha de S.Paulo