A sala é silenciosa, ornada por livros e papéis dispostos dentro da lógica de uma linha de produção. Neste ambiente, que é um mix de itens pedagógicos espalhados pelas mesas, trabalha Vera Valentim, 45 anos. Com dedos ágeis e muita atenção, ela realiza a leitura em braille e faz a revisão dos materiais didáticos feitos pelo Centro de Apoio Pedagógico (CAP-RS) para atendimento a pessoas com deficiência visual, no bairro Menino Deus, em Porto Alegre. Nesta espécie de oficina, são confeccionados os livros solicitados por docentes e que serão, posteriormente, usados e levados para casa por estudantes cegos e com baixa visão da rede estadual.
O departamento responsável por esta atividade é vinculado à Secretaria Estadual de Educação (Seduc) e, além da produção de livros e itens educativos como tabelas periódicas, promove a capacitação de professores para que eles estejam aptos a trabalharem com alunos com deficiência física ou cognitiva.
A enxuta equipe do único CAP-RS do Estado, de três funcionários em turno integral e um por meio período, é a responsável pela confecção dos 172 volumes, com média de 60 páginas, de obras didáticas para pessoas cegas e dos 252 volumes para pessoas com baixa visão ao longo deste ano de 2019.
Como não são todas as escolas públicas do Rio Grande do Sul que contam com uma impressora em braile ou com pessoas aptas a executarem sua tradução para esse sistema de leitura, o número de pedidos que chegam até o centro é expressivo. Afinal, são 120 estudantes cegos e 1.556 com baixa visão, segundo dados da Informatização da Secretaria da Educação (ISE). Por isso, a cada demanda nova, uma verdadeira força-tarefa é ativada para que o aluno tenha em mãos, o mais rápido possível, o material necessário que será usado para sua formação estudantil. Algumas produções chegam a ficar prontas para impressão em uma hora.
Quando o pedido de adaptação de um livro chega a uma das coordenadorias regionais de educação (CREs), ele precisa ter assinalado quais capítulos da obra precisam ser adaptados, já que ela não é traduzida integralmente. A coordenadora do CAP-RS, Cleusa Kegler, avalia a edição em questão.
Na sequência, o professor de Artes Plásticas – que atua há cinco anos no CAP-RS – Renato Sartori, 51 anos, adequa todo o conteúdo para o novo sistema de leitura, realiza a descrição de gravuras e fotografias para um programa específico e o formata dentro das diretrizes da Comissão Brasileira do Braille. Feito isso, o documento é impresso [em uma máquina especial] e levado para uma segunda sala, onde a revisão é feita por Vera.
Cleusa, que está à frente do centro desde a sua inauguração, em 1998, diz que a coletividade das ações é o que move o centro.
— A gente une forças, porque atuar na educação especial é estar em constante diálogo. Nosso propósito é acompanhar o desenvolvimento do aluno, saber se ele está sendo contemplado em sua plenitude e proporcionar a sua autonomia para que ele esteja apto a desafios maiores, como inserção no mercado de trabalho e a entrar na universidade — afirma Cleusa.
“A gente não podia nem levar as obras para casa”, diz a revisora
Vera, a revisora da mini editora de livros em braile, tem apenas percepção de luminosidade, vultos e cores fortes. Ela nasceu com glaucoma congênito (enfermidade que provoca o aumento da pressão intraocular e que danifica o nervo óptico). Formada em História e especialista em educação inclusiva, seu processo de alfabetização e conclusão do Ensino Médio foram em bancos de escolas da rede pública. Inclusive, foi quando estava prestes a concluir o terceiro ano, no Colégio Estadual Protásio Alves, em Porto Alegre, em 2000, que ela passou a fazer parte do CAP-RS como estagiária.
No ano seguinte, passou a integrar o time oficialmente. Aperfeiçoou o próprio trabalho ao realizar curso de revisora no Instituto Benjamin Constant, no Rio de Janeiro, e não parou de ler com atenção cada, linha, parágrafo e capítulo que chega a sua mesa.
Quando elas têm acesso a livros e materiais didáticos em braile, caminham em direção ao exercício pleno de sua cidadania
MÁRCIA GARCIA
Assistente técnica pedagógica da Seduc
Ela relembra que, antigamente, os livros eram amarrados por barbantes, ficavam guardados nas salas de recursos e era somente nestes espaços que eles podiam ser utilizados.
— A gente não podia nem levar as obras para casa, estudar era ainda mais difícil. Me aquece o coração saber que a criança recebe o livro impresso com capa, com espiral e que pode levá-lo para casa, como qualquer estudante — diz sorridente Vera.
Para a assistente técnica pedagógica da Seduc Márcia Garcia, a acessibilidade curricular é o grande objetivo deste grupo de trabalho.
— Primamos pela qualidade de aprendizagem destas pessoas que foram e são segregadas da sociedade e quando elas têm acesso a livros e materiais didáticos em braile, caminham em direção ao exercício pleno de sua cidadania — diz.