As sextas-feiras de sala de aula vazia no Centro Municipal de Educação dos Trabalhadores (CMET) Paulo Freire, uma escola municipal de Educação de Jovens e Adultos (EJA) do bairro Santana, em Porto Alegre, não são mais as mesmas desde que a direção decidiu mexer na rotina. Uma parceria entre Senac-RS, Ministério Público do Trabalho, Ministério Público e Organização Internacional do Trabalho (OIT) criou oficinas e cursos profissionalizantes para tornar o último dia da semana mais atrativo.
Deu certo. Os alunos agora não fazem mais pouco caso da escola, pois tem uma dia diferenciado de atividades. Eles participam de cursos de corte masculino e barba, manicure e maquiagem, em níveis básicos e avançados. Todos ministrados por profissionais do Senac. O projeto começou a funcionar como piloto em outubro do ano passado, com duas turmas. Atualmente, são seis turmas, com 90 alunos no total.
Na sexta-feira, ocorreu a formatura das turmas deste primeiro semestre. Após 80 horas de aulas, eles receberam certificados e um kit com os utensílios necessários para exercer a profissão. As próximas turmas estão previstas para iniciar em setembro e vão contemplar mais 90 alunos, com cursos no segmento da beleza. Ao mesmo tempo, também nas sextas-feiras, a escola oferece oficinas de percussão, pintura, espaço verde, de pesquisa e iniciação científica.
Novo clima
A estratégia mudou o clima na escola. O diretor, Paulo Mattos, afirma que, no último dia da semana, turmas de 25 ou 30 alunos chegavam a ter apenas três estudantes na sala:
– Percebemos que melhorou o interesse dos alunos e o próprio relacionamento entre eles.
A maior parte dos estudantes que chega ao EJA já repetiu de ano de duas a três vezes. Por isso, estreitar a relação deles com a escola faz diferença. A coordenadora pedagógica do projeto, Cátia Ramos, afirma que, com a iniciativa, os alunos vão para a aula mesmo em dias de chuva e frio, porque querem estar naquele ambiente.
– Muitos jovens de EJA se sentem como aquele que fracassou nos estudos, que incomoda a família, que a sociedade discrimina. Eles têm uma carga negativa por não terem terminado a escola ainda – diz ela.
O objetivo do curso é mudar esta realidade e oferecer oportunidade para que eles tenham uma profissão ao fim das aulas.
– Essa é uma medida completa para evitar a exclusão e a violência. Todos querem ter um futuro – argumenta.
Seguir carreira está nos planos
Na turma de corte masculino e barba comandada pelo professor Henrique Badke, a maior parte dos alunos quer seguir a carreira de barbeiro. Empolgados, os jovens contam que já têm alguns clientes em suas comunidades, mas querem mais. Nas aulas, aprenderam como controlar insumos, tratar e fidelizar os clientes, estabelecer os preços e tudo o que cerca o universo do ofício.
Aluno do nono ano, João Luca dos Santos Araújo, 18 anos, conta que já tinha o desejo ser barbeiro, mas não possuía técnica. Agora, ele, que mora no Renascença, começa a praticar que o aprendeu em familiares e amigos e conta com o boca a boca para ganhar clientela:
– É algo que realmente já está me dando um resultado – avalia.
Andrya Panizzi, 18 anos, também do nono ano, decidiu ocupar um espaço que tradicionalmente é masculino. Ela diz que o curso a ensinou a tratar o cliente com gentileza. A jovem quer perseguir o objetivo de ter a própria barbearia para, no futuro, poder cursar faculdade de Educação Física.
Motivação
Rhafaela Padilha Alves, 15 anos, também sonha em ter seu espaço para corte de cabelo masculino. Até começar o curso, só tinha cortado o próprio cabelo. Hoje, a moradora da Restinga utiliza suas técnicas em moradores de rua:
– É muito legal ver que as pessoas têm confiança na gente e perceber que elas ficam satisfeitas. O curso me trouxe uma motivação muito grande, fez eu acreditar que posso e sei fazer – reconhece a garota.
No último dia de aula do semestre, na tarde de sexta-feira, Hyago Fernandes dos Santos, 15 anos, teve a oportunidade de cortar o cabelo do seu professor de História, Elmar Soeira, 50 anos:
– É muito legal ver que eles têm técnica e paciência para fazer um bom corte – disse o professor.
Líderes de suas vidas
Nas oficinas de maquiagem, a professora Josi Kauer ensinou a turma a maquiar pele negra, madura e a fazer pintura para festa. Ela conta que a gurizada chegou assustada e desconfiada:
– Hoje, eles estão aptos a começar a maquiar, já têm material, sabem quanto cobrar e a postura ética e profissional que devem ter.
Aluna do nono ano, Camila Gomes, 18 anos, conta que sempre gostou de se maquiar e percebia que apenas assistindo a vídeos de tutoriais não conseguiria avançar.
– Aqui, eu percebi que consigo fazer uma maquiagem boa, que é importante preparar bem a pele antes. Acho que preciso de mais confiança para fazer nos outros, mas já comecei a praticar na minha mãe – diz a jovem, que mora no Agronomia.
Especialização
Liara Shayane da Rosa Rodrigues, 18 anos, já sabia fazer unhas quando começou o curso de manicure. Agora, se especializou, tem novos clientes e planos traçados: com o dinheiro que ganhar na atividade, quer fazer faculdade na área da saúde, em um curso ainda não definido.
– A renda que eu ganho como manicure, no momento, tenho usado para comprar mais materiais para me qualificar – conta ela, que estuda à noite e trabalha durante o dia.
Para a diretora do Senac Centro Histórico, Daniela Favaretto, os cursos mexem com a autoestima dos jovens e fazem com que eles se sintam capazes:
– Eles se concentram, se sentem úteis e mostram que podem liderar suas próprias vidas.