Professores e funcionários de escolas estaduais com contratos temporários que foram afastados de suas funções por problemas de saúde estão sendo demitidos no Rio Grande do Sul. A medida, que afeta profissionais com atestado médico superior a 15 dias, tem causado surpresa e discussão entre a categoria.
Há cerca de duas semanas, a Secretaria Estadual da Educação emitiu a orientação de dispensa dos profissionais às coordenadorias regionais e aos diretores das escolas gaúchas com base em um parecer da Procuradoria-Geral do Estado (PGE) que segue os termos de legislação de 1981. Pela norma, uma pessoa que tem contrato temporário e entra em atestado por até 15 dias continua sendo remunerado pelo Estado. Após o 16º dia de laudo, o profissional passa a ter direito ao auxílio-doença do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e pode ser dispensado.
O Cpers-Sindicato tem recebido, nos últimos meses, inúmeros relatos de professores temporários que foram dispensados em meio a tratamento de saúde. A área jurídica do sindicato tem atuado para tentar reverter as demissões, apesar de a recomendação ser antiga. Segundo a presidente do Cpers, Helenir Aguiar Schürer, dispensas de temporários nesse formato não aconteciam desde o governo de Yeda Crusius.
— Agora, da forma como está hoje, é terrível. São muitos servidores que estão sendo demitidos estando doentes. Nós temos pessoas, principalmente funcionários, que, quando fizeram o exame de admissão, não tinham problema nenhum, e que hoje estão com desgaste de joelho, de bacia e de coluna, exatamente pelo trabalho exercido. Eles estão simplesmente sendo descartados. É esse o sentimento — relata a presidente.
Em nota, a Secretaria Estadual da Educação (Seduc) afirmou que as dispensas são realizadas para que ocorra substituição do profissional sem prejuízos aos alunos em sala de aula. A pasta também disse que a medida não afeta profissionais afastados por licença-maternidade ou acidente de trabalho. Ainda de acordo com a Seduc, a contratação temporária é realizada para suprir, com urgência, determinadas necessidades do serviço público e não garante ao servidor estabilidade.
Questionada por GaúchaZH sobre o número de dispensas de temporários na área da educação em 2019, a secretaria disse que não tinha dados fechados.
Segundo a Sinopse Estatística da Educação Básica, levantamento feito pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), 39% dos professores da rede estadual do Rio Grande do Sul possuíam, em 2018, um contrato temporário de trabalho, o que corresponde a 16.376 profissionais.
Dispensa em meio ao tratamento contra um câncer
Em meio à campanha do Outubro Rosa no ano passado, uma professora de Canoas recebeu o diagnóstico de câncer de mama e acabou afastada da sala de aula para fazer sessões de quimioterapia. A docente possuía dois contratos temporários – em escolas daquele município e de São Leopoldo.
Com licença do INSS até 31 de dezembro de 2019, a profissional, de 42 anos, foi informada no final de abril pela direção do colégio sobre sua dispensa do trabalho em Canoas. Apesar de, nos próximos dias, estar começando sessões de radioterapia, a educadora está disposta a retornar ao trabalho em meio ao tratamento para não perder também o contrato ainda existente.
— Para eu manter esse vínculo com o IPE saúde, eu vou retornar ao trabalho e fazer essas 25 sessões de radioterapia diariamente até eu encerrar esse ciclo — desabafa a professora, que não quer ter o nome divulgado.
Para retornar ao trabalho em Canoas, ela teria de fazer um novo contrato temporário com tempo determinado de permanência na escola. Essa é uma nova modalidade de contratação estipulada pelo governo estadual, na qual o docente trabalha e recebe pelos dias do ano letivo. Na forma antiga, o contrato vale durante o ano todo, inclusive no período das férias, e o professor possui a garantia de voltar a lecionar na mesma escola. Para as profissionais, a mudança no contrato é considerada uma perda de direitos.
Mesma situação vive uma professora de 34 anos que mora em Porto Alegre. Com contrato temporário há nove anos, a docente, que prefere não se identificar, descobriu câncer nas mamas em março deste ano. Após o oncologista atestar que ela não poderia trabalhar por conta da doença, a educadora ganhou licença de um ano do INSS.
No dia 21 de maio, sua dispensa do cargo de professora de séries iniciais de uma escola da zona leste da Capital saiu no Diário Oficial do Estado.
— Eu nem tinha ideia que o Estado fosse me demitir, me mandar embora, me desligar, eu estando com câncer, uma doença que é grave. Eu não pedi para ficar doente, eu fiquei. Volto no ano que vem a trabalhar e não sei para onde vou, e querem me obrigar a ficar em um contrato de tempo fechado. Eu sempre tive o contrato normal, quase nunca precisei faltar, não tenho grandes atestados, nada — desabafa.
Desempregada após quebrar o pé
Professora de séries iniciais em uma escola da zona sul de Porto Alegre, Débora Barbosa Flores pediu sua primeira licença-saúde em sete anos de contrato temporário após quebrar o tornozelo, em abril deste ano. No dia 21 de maio, foi comunicada da demissão. A partir de agosto, quando termina a licença do INSS, a professora terá de procurar outro emprego.
Eu nem tinha ideia que o Estado fosse me demitir, me mandar embora, me desligar, eu estando com câncer, uma doença que é grave.Eu não pedi para ficar doente, eu fiquei.
PROFESSORA DE PORTO ALEGRE
— Me surpreendi. Eu sempre me dediquei com muito carinho e amor à profissão. Eu acredito que o professor não tem que ser tratado como um objeto, nós somos pessoas, temos sentimentos, gostamos muito da profissão e trabalhamos com empenho, dedicação e amor — diz a professora, de 41 anos.
Outros funcionários também são atingidos
Além de professores, as dispensas no setor da educação aos temporários com mais de 15 dias de atestado médico atingem também outros profissionais. Merendeira há 20 anos, Márcia dos Santos Gonçalves teve o contrato de quase 11 anos com o Estado interrompido após tirar licença-médica para fazer duas cirurgias na coluna no ano passado.
Antes de ser dispensada, Márcia trabalhava há quatro anos e meio em um colégio da zona sul de Porto Alegre. Indignada, a profissional, de 50 anos, conta que teve que fazer os procedimentos médicos após, segundo ela, fazer esforço na cozinha das escolas.
— Por carregar panelas, fazer força, eu fiquei mal da coluna e precisei fazer a cirurgia. Aí, de repente tu não prestas mais para as atividades, simplesmente te mandam embora. Infelizmente, não temos muitos direitos, eles podem nos mandar embora a qualquer momento. Eu fiquei apavorada, porque pegam a gente cheio de conta, gastando com remédios — afirma Márcia.
Especialista contesta demissões
O advogado especialista em Direito do Trabalho Denis Einloft contesta a posição da Seduc e da PGE sobre a demissão de funcionários temporários em meio ao auxílio-doença. Segundo o especialista, a mesma lei do setor privado vale para o setor público. Conforme a legislação, trabalhadores que possuem contratos com tempo determinado podem ser dispensados somente ao término do vínculo ou do benefício do INSS.
Quem possui contratos de tempo indeterminado, como é o caso das professoras e da funcionária citadas na reportagem, o entendimento do advogado é de que a dispensa só poderia ser realizada após o fim do auxílio-doença do INSS, quando os trabalhadores estiverem bem de saúde e aptos para voltar a lecionar.
— Tu podes até admitir que o Estado desligue esses funcionários no momento em que eles tiverem alta do INSS. Porque daí tu não vais ter a estabilidade. Mas a pessoa vai estar apta, vai estar com saúde. Agora desligar no curso do auxílio-doença me parece equivocado — explica o advogado.
Einloft afirma que, em uma primeira percepção, o ato de desligar esses funcionários é discriminatório, pois não se sabe se o Estado está seguindo um critério específico para dispensar os trabalhadores temporários em tratamento de saúde.
— A diferença que tem desse ato que o Estado está praticando é que me parece discriminatório, no sentido que eles estão demitindo a pessoa no curso do auxílio-doença, ou antecipando até o término do contrato, e isso não pode. Tem que esperar a pessoa ter aptidão, ficar bem de saúde, para depois desligar — afirma.
Confira a íntegra da nota da Seduc-RS
"A Secretaria de Educação informa que, quando um contratado temporário entra em laudo médico pelo período de até 15 dias, ele continua sendo remunerado pelo Estado. Após o 16º dia, ele passa a ter direito ao auxílio-doença pelo INSS, nesse caso, ele pode ser dispensado a fim de que o contratado seja substituído para que não prejudique o aluno em sala de aula. A dispensa não é válida para licenças gestante ou acidentes de trabalho. Lembrando que este tipo de contratação temporária se destina a suprir, com urgência certa e determinada necessidade do serviço público e não garante ao servidor estabilidade. A orientação da PGE/RS segue os termos do artigo 59, da lei n. 3213/81 e artigo 25, inciso I, alínea "e" do Decreto n. 3.048."