Desta vez, não havia como dar errado. Após três anos patinando atrás de clientes, a Inovadores — startup criada em Porto Alegre — havia vencido uma licitação para fornecer seu produto, uma rede social corporativa, a uma grande estatal brasileira. Os sócios estavam radiantes. Aquela venda multiplicaria por cinco o faturamento anual, sinal de que os tempos de contratos minguados com pequenos clubes e empresas familiares estavam ficando para trás.
O publicitário André Flores, então com 28 anos, olhou para o sócio: vamos fechar uma churrascaria e comemorar. Por um momento, recebeu de volta um olhar enviesado. Dois anos antes, um gordo contrato havia sido fechado com um clube, com direito a celebração na mesma churrascaria. Dois dias depois, no entanto, o clube pegou fogo e o acordo virou fumaça. Flores insistiu: o raio não cairia duas vezes no mesmo lugar.
— Juntamos funcionários, fornecedores e amigos para celebrar. Era um negócio para garantir a expansão da empresa — conta.
Dias depois, veio o inesperado. Um erro jurídico na licitação levou o contrato a ser revisado, iniciando uma angústia que levaria meses. A definição foi a pior possível: uma auditoria interna determinou que o pregão fosse cancelado devido a falhas no edital. Na Inovadores, a moral estava devastada.
— No início parecia só azar, mas depois percebemos todas as falhas ao longo do trajeto que nos colocaram naquela posição. Não prevíamos os riscos do negócio e tínhamos uma estrutura muito grande, com nove funcionários e um casarão alugado no Bom Fim — rememora o empresário.
Estávamos num mercado incerto com um custo enorme. O episódio da licitação foi o capítulo final da empresa. Em 2016, o projeto foi encerrado. Mas o tropeço não derrubou as pretensões de Flores em empreender. Nos meses que se seguiram ao naufrágio, ele passou a receber ligações e visitas de jovens que pediam dicas para erguer sua primeira startup — embora tivesse quebrado, a Inovadores havia colhido fama no mercado local de tecnologia. Ao natural, surgia ali uma pesquisa de mercado para seu próximo negócio.
— Assim como nós, muitos queriam ter uma startup mas não sabiam dos desafios a serem enfrentados — percebeu Flores, hoje com 32 anos.
Ele chamou um dos antigos sócios da Inovadores e apresentou a nova ideia: uma plataforma digital de conteúdo para quem sonha em empreender. Gravaria ou transmitiria ao vivo cursos para pessoas criativas das áreas de moda, cervejaria e arquitetura, alguns dos campos mais férteis para inovação.
Nasceu assim a Empreendedorismo para Arquitetos, uma empresa enxuta que Flores toca com seu notebook de qualquer cafeteria que tenha wi-fi – a venda e toda a burocracia de contabilidade são terceirizadas, bem diferente do paquiderme criado anos atrás. Em 2018, foram 30 cursos, inclusive presenciais. Um dos vídeos teve 15 mil acessos.
— Hoje, meu negócio é ajudar novos empreendedores a enfrentarem as dificuldades que senti — explica.
Oito em cada dez startups não dão certo
O caso da Inovadores mostra como o mundo das startups costuma ser cruel com marinheiros de primeira viagem. O Panorama das Startups no Brasil, realizado pela Startup Farm, uma das maiores aceleradoras no país, mostra que 85% das jovens empresas de tecnologia fecham as portas antes de completar cinco anos. Duas em cada 10 desistem no segundo ano, geralmente na fase de desenvolvimento do produto, sem que o software ou aplicativo seja lançado.
O assunto interessa muito ao Rio Grande do Sul. O Estado é o segundo maior em número de startups no Brasil, atrás apenas de São Paulo, mostra o banco de dados da Associação Brasileira de Startups (ABStartups). São 965 jovens empresas instaladas no Estado. Se a estatística da Startup Farm for aplicada ao contexto gaúcho, apenas 145 estarão intactas após meia década.
— O risco de startups não darem certo é grande, comparado a empresas convencionais, já que elas desenvolvem modelos de negócios inovadores, nunca testados — explica Débora Chagas, coordenadora de Startups do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas no Estado (Sebrae-RS), que ainda destaca:
— Muitos empreendedores também falham na gestão e na validação (etapa em que o empreendedor avalia se há interesse no mercado pelo seu produto ou serviço), um erro fatal para empresas de tecnologia.
Não é por acaso que mesmo gigantes do setor volta e meia lançam novidades que fracassam. O Google Glass, óculos inteligentes da Google, começou a ser vendido em 2014, e cerca de um ano depois o projeto foi suspenso. A empresa foi criticada por lançar um dispositivo com péssimo desempenho de bateria e ter começado a vendê-lo em escala comercial antes que todas as funcionalidades estivessem prontas. Além disso, o produto esbarrou em leis de proteção de dados e privacidade nos EUA.
O primeiro iPad, lançado em 2010 pela Apple, inaugurou a era moderna dos tablets, mas pagou um preço alto por ser inovador. Consumidores e a crítica especializada reclamaram do dispositivo, questionando a sua utilidade e ironizando as dimensões avantajadas e a ausência de uma câmera traseira. Um ano depois, o aparelho foi substituído por um novo modelo, muito melhor recebido.
O que difere empreendedores iniciantes das grandes corporações é que estas costumam amortecer falhas com grandes acertos e têm um colchão financeiro para reduzir o impacto do erro nas suas contas. No caso das startups, a história é outra. Muitas vezes, os empreendedores colocam todo o dinheiro, o tempo e a expectativa em um negócio arriscadíssimo. Como não é incomum que muitos jovens tenham na própria startup sua primeira experiência profissional, há dificuldades para lidar com busca por investidores, pesquisas de mercado e relação com sócios.
— Às vezes o empreendedor sai de uma startup quebrado, psicologicamente arrasado, então vai trabalhar em outras startups para ganhar algum dinheiro. Mas, quando volta a empreender, meses ou anos depois, vem com mais preparo, e isso pode aumentar suas chances de sucesso — constata o presidente da ABStartups, Amure Pinho.
Um tempo de maturação
Esse interlúdio foi essencial para Jonas Rodrigues da Luz, 33 anos, acertar o alvo na segunda tentativa de erguer um negócio inovador. Na primeira, em 2015, errou feio. Aborrecidos em perder tempo nas filas de pagamento em danceterias e bares, ele e um sócio criaram um aplicativo no qual clientes acertariam a conta pelo celular, nas suas mesas. A facilidade teria de estar conectada à contabilidade dos estabelecimentos – e aí residiu o problema.
— Os bares não enxergavam a fila como um problema deles. Chegamos a oferecer o aplicativo de graça para testes, mas nem assim conseguimos emplacar — conta Jonas.
Ele e o sócio abandonaram o projeto. Avisaram a um investidor que devolveriam parte do valor antes que o prejuízo aumentasse. Jonas voltou a se dedicar à labuta como desenvolvedor de sistemas em uma multinacional. Em 2017, começou a receber de amigos e colegas pedido de ajuda para investir em moedas virtuais – algo que já fazia para si como hobby. Criou um site simples, que mostrava o preço das principais criptomoedas, fazia o cálculo de conversão e fechava o negócio.
A novidade viralizou, e em poucas semanas dezenas de pessoas usaram o site para investir e acompanhar seus rendimentos em tempo real. Farejando oportunidade, ele decidiu elaborar melhor a plataforma. Passou a se dedicar integralmente ao projeto, abandonando, depois de 13 anos, a vida de empregado. Com a primeira clientela já garantida, nascia a Satoshi Investimentos.
— A experiência passada foi fundamental para evitar os mesmos erros. Validei a ideia antes de criar uma versão aprimorada e me dediquei full time ao projeto. Só agora, depois de estabelecido o serviço, parti atrás de investidores, que serão importantes para ampliar a plataforma — explica Jonas.
No ano passado, a empresa foi apontada pelo Sebrae-RS como principal destaque do Programa Startup RS Digital, entre 17 negócios inovadores selecionados para participar de cursos, mentorias e preparação para o mercado. Com uma base financeira sólida, a Satoshi contratou um programador e um profissional de marketing. O negócio adentrou 2019 com 80 clientes ativos e projeta fisgar seus primeiros usuários estrangeiros ainda neste ano. Sinal de que, no mundo das startups, tentar outra vez pode ser uma decisão sábia.