Citado no ranking Highly Cited Researchers, que elenca os pesquisadores cujos artigos científicos figuram entre os mais citados por colegas, a pneumologista Ana Baptista Menezes, 65 anos, da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), foi apanhada de surpresa pelo aparecimento do seu nome no rol dos cientistas mais relevantes do mundo. Ela não tinha ideia de que estava entre os campeões de citações. No ano passado, havia considerado um grande reconhecimento ser eleita para a Academia Sul-Rio-Grande de Medicina — tornando-se a sexta mulher a entrar.
— Eu me senti muito realizada, por ser do Interior e por ser mulher — revela.
Há um mês, viveu outra experiência que a encheu de "orgulho e satisfação". Em comemoração ao Dia da Mulher, o jornal pelotense Diário de Pelotas publicou entrevistas com uma série de mulheres, incluindo Ana. Uma professora de Português da cidade pediu aos seus alunos que escrevessem redações sobre as entrevistadas, e a cientista recebeu uma carta dos alunos.
— Foi gratificante ver estudantes de sétima série dizendo que sirvo como exemplo de que eles também podem ser cientistas, médicos e professores — comenta.
Dessas homenagens locais, a epidemiologista descobriu-se de repente no topo da ciência internacional.
— Eu não imaginava. Como pesquisadora, estava preocupada em publicar e em transmitir o conhecimento à comunidade — diz.
Médica nascida em Pelotas, com mestrado em pneumologia na Inglaterra, ela doutorou-se na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) justamente sob orientação de Cesar Victora, que no final convidou-a a dar início a coorte de nascidos em 1993 em Pelotas, que ela coordena até hoje.O acompanhamento desse grupo — a visita mais recente foi em 2015, quando os participantes chegaram a 22 anos — deu origem a muitos dos artigos mais citados da pesquisadora.
Um dos achados do trabalho foi a alta prevalência do uso de tabaco entre jovens, o que colaborou para que Pelotas aprovasse em 2010 uma lei antifumo pioneira.
— O acompanhamento dessa coorte, desde que nasceram, vem colaborando com muito conhecimento e permitindo a adoção de políticas e medidas de saúde — avalia Ana.
Estudo pioneiro entre o fumo e o surgimento de tumores
Entre os trabalhos mais importantes da pelotense, estão pesquisas sobre a relação do tabagismo com o câncer e doenças pulmonares. Por causa da experiência com epidemiologia, a pesquisadora foi convidada pela Agência Internacional de Pesquisa em Câncer para realizar em Pelotas parte de uma pesquisa multicêntrica sobre o papel do tabaco no câncer de cabeça e pescoço. Pioneiro, o estudo revelou uma forte relação entre o fumo e o surgimento dos tumores e teve muito impacto no meio científico.
Outra destaque foi a coordenação feita por Ana de um levantamento populacional sobre a incidência da Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (bronquite crônica e enfisema) na América Latina. O estudo, batizado de Platino, envolveu 5 mil pessoas com mais de 40 anos residentes em Brasil, México, Chile, Uruguai e Venezuela. Descobriu-se que havia mais prevalência da doença, diretamente associada ao fumo, do que se pensava.
— Mesmo sendo mulher a gente consegue, talvez com um pouco mais de dificuldade, chegar aonde quer — afirma a pesquisadora.