As declarações da ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, defendendo o ensino domiciliar como alternativa a famílias com crianças autistas ou com deficiência em entrevista nesta sexta-feira (12) ao programa Gaúcha Atualidade, da Rádio Gaúcha, reacendeu o debate sobre esse método educacional. Damares afirmou que muitos pais entendem que os filhos não estão se adaptando às escolas, e que a melhor solução seria estudar em casa.
Na avaliação da assistente social Patrícia Bittencourt dos Santos, gestora do serviço social da Associação Canoense de Deficientes Físicos (Acadef), a presença das crianças com deficiência em escolas é uma conquista histórica em prol da inclusão, e elaborar políticas que as afastem dessas instituições poderá ser um retrocesso:
— Não podemos olhar a questão educacional apenas sob o ponto de vista da saúde, de que haverá dificuldade para deslocamento ou permanência na escola. As pessoas com deficiência têm direito ao aprendizado, ao lazer e à convivência, no que o ambiente escolar é essencial.
Na entrevista à Rádio Gaúcha, a ministra criticou o argumento de que a falta de socialização é um dos maiores problemas do ensino domiciliar. Para ela, essa socialização não ocorre apenas na escola, pode ser feita em cursinhos de inglês, em igrejas, no condomínio ou na rua onde a família mora, por exemplo.
Especialista em Educação Inclusiva e doutoranda em Educação pela Unisinos, Deise Andréia Enzweiler insiste que a falta da socialização é um problema grave na educação domiciliar para pessoas com deficiência:
— O ponto de vista da ministra tem alguns equívocos de compreensão da teoria educacional. É na escola onde a criança avança em sua formação humana. Se a convivência for feita apenas na família, na vizinhança ou na igreja, ela não vai aprender a lidar com as diferenças de opinião, de raça e de religião.
Deise concorda que as escolas carecem de melhor estrutura para atender pessoas com deficiência e avalia que faltam profissionais com qualificação para lidar com autistas. Mas, em comparação com o ensino em casa, ainda é a melhor alternativa, em razão da falta de tempo e preparo dos pais para repassarem o conteúdo escolar e pedagógico aos filhos.
Mãe de um menino autista de 10 anos, Sandra dos Santos Andrade, pós-doutora em educação e professora da Faculdade de Educação da UFRGS, avalia que o ensino domiciliar pode ser, sim, uma alternativa para casos de autismo. Menos por desejo dos pais e mais por necessidade. O filho dela hoje recebe educação domiciliar, com o suporte de profissionais de diversas áreas, como psicopedagogo, psiquiatra, neurologista, psicomotricista e professora. Eles avaliaram que a educação em casa é a melhor opção para o garoto.
— Nosso desejo era de que ele estivesse no ambiente escolar, com todas as outras crianças, até porque isso entraria na ordem da normalidade e da inclusão. Mas, de modo geral, não temos escolas efetivamente preparadas para darem conta do atendimento a jovens com autismo ou síndrome de Down, por exemplo, e isso agrava sua dificuldade de aprendizagem.
A favor de um caminho legal para o ensino domiciliar, ela pondera que uma mudança nessa direção precisaria ser muito bem estruturada. Caso contrário, só estaria ao alcance do público elitizado.
— Pais e mães trabalham muito, então, teriam de contratar profissionais para educar seus filhos. Em caso de famílias de baixa renda, como lidariam com isso? Ou se forem os próprios pais a educarem, eles estariam escolarizados e preparados? — questiona.
Escolas têm obrigação legal de estarem preparadas
Lei aprovada pelo governo Dilma Rousseff em 2015 obriga as escolas a oferecerem condições para que crianças com deficiência estudem sem obstáculos. Desde então, instituições são obrigadas a matricular crianças com deficiência, sob pena de o diretor ser preso. A lei também obriga colégios de todo o país a criarem salas de atividades no contraturno para crianças com deficiência, contratarem professores e monitores para alunos com deficiência, além de elaborar um plano de ensino individualizado para o aluno. Alunos especiais não podem pagar uma mensalidade mais cara.
Presidente do sindicato que representa as escolas privadas do Rio Grande do Sul (Sinepe), Bruno Eizerik lamenta as declarações da ministra Damares Alves e defende a matrícula de crianças em escolas, com ou sem deficiência:
— Se ela cita estudos que mostram que crianças em educação domiciliar têm melhor desempenho do que alunos de escolas, eu também posso citar muitos outros estudos apontando o contrário. Em nossa sociedade, quantos pais têm educação superior e preparação para ensinar seus filhos? Além disso, se uma criança falta muito às aulas, a escola hoje aciona o Conselho Tutelar para investigar. Se o homeschooling for aprovado, os pais podem justificar que a criança estuda em casa. Essa medida incentivará o trabalho infantil, o que afeta as famílias mais pobres.
Em nota, a Secretaria de Educação do Rio Grande do Sul (Seduc) informou que "o Estado busca atender a todos os estudantes com qualidade, estimulando a inclusão e o respeito. A formação permanente e a qualificação dos professores e educadores, assim como a formação integral dos estudantes, é uma das prioridades da gestão". Ressaltou, ainda, que as instituições de ensino contam com espaços que identificam, elaboram e organizam recursos pedagógicos e de acessibilidade.