Para realizar o sonho de cursar Medicina, Natanael Alves de Lima, 21 anos, teve de deixar o Nordeste, saindo de Icó, no interior do Ceará, para estudar na Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS), em Passo Fundo, no norte gaúcho. A distância era o menor dos problemas para o jovem, que não tinha condições para se manter por mais de 10 dias na nova cidade e sequer para comprar passagem e poder realizar a matrícula na universidade. A mobilização de voluntários pelas redes sociais garantiu a permanência do estudante no Rio Grande do Sul.
Tudo começou quando Natanael decidiu que iria tentar Medicina, aos 16 anos. Aluno de escola pública, o cearense sempre estudou em casa. Iniciando sua preparação em 2016, ele se preparou com livros antigos, videoaulas no YouTube e simulados que suas amigas faziam no cursinho e lhe enviavam.
— Quando você é pobre, geralmente as pessoas falam: "Medicina é para rico, tenta outra coisa". E eu sempre fui condicionado a pensar assim. Numa cidadezinha pequena, a gente geralmente é condicionado a pensar pequeno — comenta.
Mesmo ciente das dificuldades, Natanael decidiu pensar grande. No dia 8 de fevereiro deste ano, recebeu a confirmação de que tinha conseguido uma vaga para Medicina por meio do Sistema de Seleção Unificada (Sisu), programa do Ministério da Educação que utiliza as notas do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) para selecionar alunos para vagas nas universidades públicas. No entanto, o sonho teria de ser construído longe de casa. Assim que soube que tinha passado, pesquisou o preço das passagens até Passo Fundo: R$ 2.557.
— Eu olhei para minha mãe e perguntei: "E aí?". E minha mãe disse: "Meu filho vá, que Deus cuida do resto — lembra.
A agente de saúde Ana Maria de Lima buscou ajuda na comunidade onde mora e pediu dinheiro emprestado para comprar as passagens de avião e roupas para o filho. Tendo também a ajuda do pai, Pedro Alves Neto, que trabalha na roça e é agente administrativo em uma escola, no dia 11 de fevereiro Natanael embarcou rumo a Passo Fundo com apenas R$ 100 no bolso.
No primeiro voo sentou ao lado de um homem, com quem começou a conversar e contou sua história. Então o novo amigo e uma senhora que estava sentada na frente e também ouviu a história lhe ajudaram com uma quantia. O homem deixou seu contato com Natanael e disse que o procurasse quando precisasse.
Sem ter onde ficar, Natanael chegou a pensar que dormiria na rodoviária de Passo Fundo. Mas encontrou em um grupo do Facebook um veterano que lhe ofereceu moradia, onde se e instalou por uma semana. Também no grupo, conseguiu dois colegas para dividir um apartamento. As aulas tiveram início em 25 de fevereiro, justamente quando as dificuldades começaram a aumentar.
— Chegou uma época em que eu estava comendo só uma vez no dia e essa comida era bolacha com água da torneira. É difícil falar isso, mas eu não almoçava, porque eu achava que estudava melhor de noite, então eu comia a bolacha de noite para ter um sustento e ter forças para estudar antes de dormir.
Sem ter contrato com imobiliária, depois de cerca de um mês, a proprietária do apartamento pediu para que os três jovens entregassem o imóvel. Como se não bastasse, no dia do trote para os "bixos" da Medicina, ele conta que abriu o armário e viu que não havia mais bolachas.
— Aí meu mundo caiu, eu realmente pensei pela primeira vez em trancar a faculdade, trabalhar e tentar retomar o sonho depois — conta.
Mobilização nas redes
Com aulas em turno integral e com uma jornada intenso de estudos, que dificultam a procura por um emprego, o jovem decidiu entrar em contato com a pessoa que conheceu no voo — a quem se refere como padrinho. O homem sugeriu que Natanael fizesse um vídeo para ele compartilhar com os amigos que poderiam ter mais condições de ajudar. Uma das pessoas que recebeu a mensagem postou o vídeo no Facebook e a publicação foi compartilhada por milhares de pessoas que começaram a entrar em contato com Natanael para ajudar com alimentos, roupas de inverno e também financeiramente.
Um dos colegas de apartamento conseguiu fiador para alugar uma nova moradia e, com as doações, as coisas começam a melhorar. Natanael diz que se sente abençoado por ter tantas pessoas conhecendo sua história e percebendo a força de vontade. Sobre os planos para o futuro, Natanael espera conseguir destaque na universidade e, claro, conquistar seu diploma.
— Quero futuramente, poder ajudar a sociedade como médico, e ajudar pessoas que têm um sonho de estudar. Eu sei o valor que tem um padrinho na vida do estudante de baixa renda. Quero proporcionar essa oportunidade aos jovens que vão estar onde estou hoje — afirma.
O jovem diz que pediu auxílio para a Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS), mas que ainda não foi contemplado com o benefício destinado a estudantes de baixa renda. Procurada pela reportagem de GaúchaZH, a instituição garantiu que Natanael receberá nesta quinta-feira (4) um auxílio emergencial de R$ 500 e que mensalmente a universidade repassará R$ 230 para auxiliar nas despesas.