Há 10 anos em vigor no Brasil, o Acordo Ortográfico de Língua Portuguesa ainda é motivo de dúvidas para muitas pessoas. Quando se trata da forma correta da escrita, os questionamentos são inúmeros: quais palavras ainda levam o hífen? Quais perderam o acento agudo? Ou ainda: quais eram escritas de forma separada e depois do acordo passaram a ser escritas junto?
Criado com o objetivo de propor uma ortografia unificada para o português, a ser usada por todos os países que têm a língua como oficial, o Acordo Ortográfico foi assinado por representantes de Brasil, Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal e São Tomé e Príncipe em 1990. Em 2008, o mesmo foi ratificado pelo Brasil e, em 2009, implementado sem obrigatoriedade. Foi apenas em 1º de janeiro de 2016 que seu uso passou a ser obrigatório em todo o país.
De acordo com Vinícius Beltrão, professor de português e especialista de Ensino e Inovações Educacionais do SAS Plataforma de Educação, a principal dificuldade está em absorver as alterações, já que as classes de palavras não seguem um padrão de entendimento. Há exceções que podem confundir, como quais acentos não são mais utilizados, principalmente nos ditongos: ideia, boia e geleia. O professor ainda destaca a dificuldade em reconhecer quando o hífen deve ou não ser utilizado.
— Palavras que antes eram juntas, de repente, passaram a ser separadas, isso gerou muita confusão. As pessoas ainda não conseguem identificar quando ele deve ou não ser utilizado e continuam escrevendo da forma antiga — explica Beltrão.
Segundo o professor, o Acordo Ortográfico foi feito como uma tentativa de padronização da norma culta do português para países que utilizam a língua. Por este motivo, vale a pena se perguntar qual foi a necessidade e saber quais os países que assinaram o acordo.
— O Brasil é um país modelo para os países africanos na questão da língua, eles preferem adotar nossas regras, por isso tivemos essa unificação — esclarece Beltrão.
Para Ávila Oliveira, professor de português e redação do Unificado, os erros acontecem principalmente por parte das gerações mais antigas, que viveram com as regras anteriores por mais tempo e que, hoje em dia, não costumam mais praticar a leitura e a escrita.
— É menos comum que os alunos do Ensino Médio ou de cursinhos errem. Eles geralmente estranham quando se deparam com as palavras escritas da forma antiga. Já entre as pessoas mais velhas, é comum que cometam erros, até aquelas que têm o hábito de ler. Como a nossa memória ortográfica é fotográfica, ou seja, se dá pela imagem, podemos confundir eventualmente — afirma Ávila.
Como dica, os professores sugerem que os interessados em se familiarizar com as regras busquem leituras que estejam atualizadas, além de informações com fontes confiáveis, como o site da Academia Brasileira de Letras, por exemplo.
Já para quem pretende estar afiado na hora de resolver questões de concursos e vestibular, o ideal é buscar provas anteriores e responder às perguntas de ortografia e acentuação, sempre atento ao ano do material, já que antes de 2016 o acordo não era obrigatório, tornando provável que algumas das provas anteriores a este ano contenham questões que seguem as antigas regras.
— Também é legal tentar trazer as normas para o dia a dia, tanto com a leitura quanto com a escrita, desde mensagens no celular até textos escritos em e-mails, por exemplo. Essas são, sem dúvida, as melhores maneiras de se adaptar às regras — indica Ávila.
Principais mudanças e dicas para não errar mais
Regra do acento diferencial (parcialmente abolida)
Antes de o Acordo Ortográfico entrar em vigor, recebiam acento as palavras homônimas homógrafas tônicas (palavras com a mesma grafia e/ou pronúncia, mas com significados diferentes). Depois das novas regras, elas perderam o acento.
Exemplo
- Como era: o pêlo do cachorro é amarelo
- Como ficou: o pelo do cachorro é amarelo
A palavra "pelo" (substantivo, no sentido de cabelo/penugem) passou a ser escrita da mesma maneira que "pelo" (contração da preposição "por" com o artigo "o").
No entanto, duas palavras continuaram recebendo o acento diferencial:
- "Pôr" (verbo) mantém o circunflexo para que não seja confundido com a preposição "por".
- "Pôde" (o verbo conjugado no passado) também mantém o circunflexo para que não haja confusão com "pode" (o mesmo verbo conjugado no presente).
Regra dos ditongos abertos (parcialmente abolida)
Anteriormente, acentuavam-se todas as palavras que apresentavam ditongos abertos, ou seja, quando une-se uma vogal de timbre aberto a uma semivogal.
Exemplos: céu, idéia, rói, pastéis
- O que mudou: as palavras paroxítonas (que têm a penúltima sílaba como sílaba tônica, ou seja, a sua penúltima sílaba é aquela que é pronunciada com mais força) terminadas em ditongo perderam o acento agudo.
Exemplos: ideia, epopeia, assembleia, jiboia, boia…
- O que não mudou: o acento agudo permaneceu nas palavras oxítonas (tem a última sílaba como sílaba tônica, ou seja, a sua última sílaba é aquela que é pronunciada com mais força) terminadas em ditongo.
Exemplos: dói, mói, herói, anéis, papéis, pastéis...
Hífen
Palavras iniciadas com H
Prefixos seguidos de palavras que se iniciem com a letra H devem sempre ser acompanhadas de hífen.
Exemplo
Prefixo: mini, super, anti / Palavra: herdeiro, humano, hotel, herói.
Assim, fica: super-herói, anti-higiênico, sobre-humano, mini-hotel, super-homem.
Entretanto, a palavra “ subumano” foge à regra. A junção do prefixo “sub” + “humano” faz com que o H seja perdido.
Vogais diferentes
Não se deve utilizar o hífen quando o prefixo termina com uma vogal diferente da que inicia a segunda palavra. Como a palavra “autoaprendizagem”, por exemplo, na qual a preposição “auto” (que termina com O) une-se sem hífen ao substantivo "aprendizagem" (que começa com A).
Exemplos: aeroespacial, infraestrutura, semiaberto, plurianual, semiaberto, coautor, autoestrada e antiaéreo.
Palavras que apresentam o prefixo “co” seguidas de outra que se inicia com O também devem ser escritas junto.
Exemplos: cooperador, coordenação e coobrigado.
Segunda palavra com R ou S
O hífen não deve ser empregado quando a primeira palavra termina em vogal e a segunda começa com R ou S. Nesses casos, a consoante deve ser duplicada.
Exemplos
- Como era: ultra-som, mini-saia, bio-ritmo…
- Como ficou: ultrassom, minissaia, biorritmo…
Vogais iguais
O hífen deve ser empregado quando a primeira palavra termina com a mesma vogal que começa a segunda palavra.
Exemplos
- Como era: microondas e antiinflamatório
- Como ficou: micro-ondas, anti-inflamatório
Acento circunflexo
As palavras paroxítonas terminadas em hiato (encontro de dois sons vocálicos cujas vogais são separadas na divisão de sílabas) de vogais repetidas ("eem" e "oo") perderam o acento.
Exemplos
- Como era: lêem, vôo, enjôo, abençôo
- Como ficou: leem, voo, enjoo, abençoo