Na manhã desta sexta-feira (29), quando os estudantes do Colégio Anchieta saíram para o pátio na hora do intervalo, depararam com um aglomerado de mais de 100 adolescentes sentadas ao chão, todas vestidas de preto.
Eram alunas das seis turmas de 3º ano do Ensino Médio, mobilizadas para um protesto. Uma a uma, elas foram subindo sobre uma mesa para declamar ou ler trechos de um manifesto escrito a muitas mãos.
— Crescemos sendo colocadas uma acima da outra, quando na verdade estamos todas juntas. O listão é a concretização desse pensamento sendo repassada como tradição — recitou uma das estudantes.
Nesse momento, ecoou por toda escola, uma das instituições privadas mais tradicionais de Porto Alegre, um grito conjunto:
— Chega!
O chamado "listão", que motivou a manifestação feminina, consiste em uma espécie de ranking de meninas mais bonitas que havia se tornado uma tradição informal no colégio. Ano após ano, os formandos do Ensino Médio elegiam as mais belas (também houve escolha dos mais bonitos) e propagavam os resultados, ultimamente com ajuda das redes sociais. Com o passar do tempo, o "listão" foi ganhando em agressividade, com a inclusão de apelidos e referências pejorativas. Participantes do protesto acreditam que o ranking também expressava machismo e gordofobia.
— Crescemos com os guris mais velhos ditando quem a gente teria de ser, quem a gente teria de gostar ser. A gente fez este movimento com a esperança de parar os guris, mas não só isso. Nossa esperança é, mesmo se eles fizerem o listão, que isso não tenha sobre as gurias de agora o mesmo impacto que teve sobre a gente. Que elas percebam que, independentemente do rótulo colocado pelos guris, elas são melhores do que isso — afirmou uma das participantes, Natália Lucena, 17 anos.
Em oposição a isso, as manifestantes afixaram em uma parede da escola um painel com um "Listão das Guria". Em vez de ranquear, essa lista traz o nome de todas as alunas de 3º ano, seguido de uma de suas qualidades. Mariana Kokot é a Wikipédia humana. Giu, a melhor contadora de histórias. Giorgia, a resumeira. Laura Coelho, a meme maker. Cami, a plenitude em pessoa. Julia tem bom humor 365 dias por ano.
Nossa esperança é, mesmo se eles fizerem o listão, que isso não tenha sobre as gurias de agora o mesmo impacto que teve sobre a gente. Que elas percebam que, independentemente do rótulo colocado pelos guris, elas são melhores do que isso.
NATÁLIA LUCENA
Estudante do 3º ano
— Sempre nos incomodamos muito com o listão. Não é de hoje e não é deste ano. E não é porque a gente não estava nele, mas porque é errado. Queríamos acabar com ele. E aí começamos a pensar: por que não fazer um listão com todas? São cento e tantas gurias com muitas qualidades, com muita coisa a mais do que só estética — explicou Helena Wildner, 18 anos.
A mobilização das alunos recebeu apoio de pais, docentes e direção da escola. Alguns professores também se vestiram de preto e misturaram-se com as estudantes. A arquiteta Cíntia Barros Coelho, 51 anos, mãe de uma aluna, foi ao Anchieta para acompanhar a mobilização, da qual estava orgulhosa.
— Minha filha contou que, por causa do listão, tinha menina chorando no banheiro, algumas se sentiam excluídas. Elas foram assimilando isso como uma agressão e construíram o entendimento de que há outros valores além da beleza. Estão começando a entender o valor que cada uma tem e que elas não podem simplesmente ser rotuladas de bonita ou feia, que há coisas muito mais importantes em jogo — disse Cíntia.
A escola, que já vinha trabalhando para conscientizar alunos e mudar a cultura que produzia o listão, deu suporte ao movimento. Isabel Cristina Tremarin, coordenadora do serviço de orientação pedagógica, espera que a mobilização das estudantes contribua para esse processo.
— Ao longo dos anos, as meninas da escola vêm questionando e refletindo. Elas não realizaram esse movimento para agredir os alunos que fazem o listão, mas para firmar suas posições enquanto mulheres e também para se colocarem ao lado umas das outras, o que é o mais importante — avaliou Isabel.
Elas não realizaram esse movimento para agredir os alunos que fazem o listão, mas para firmar suas posições enquanto mulheres e também para se colocarem ao lado umas das outras, o que é o mais importante.
ISABEL CRISTINA TREMARIN
Coordenadora pedagógica
Entre as participantes do protesto, a expectativa é que as colegas mais novas, dos outros anos, percebam que não perdem nada em não aparecer no listão dos meninos.
— Antes a gente olhava o listão e pensava: como eu queria estar lá e ser como a menina que aparecia em primeiro lugar. Esperamos que agora as gurias olhem é para o nosso listão e que pensem: "Nossa, quero ser tão unida quanto elas são e quero ajudar minhas colegas como elas se ajudaram" — afirmou Natália.
Outra meta é tornar embaraçoso para os meninos continuarem a fazer a lista:
— Se eles fizerem um listão depois disso, vai ser uma vergonha para eles — observou Elisa Müller, 17 anos.