Um dos grandes problemas da educação brasileira, o analfabetismo funcional será foco de atenção da gestão do presidente Jair Bolsonaro (PSL). A forma de combater o problema, no entanto, está sendo alvo de debate entre pesquisadores. O governo federal diz que é preciso mudar o método usado por professores brasileiros para ensinar crianças a ler e a escrever. A metodologia, porém, não é consenso entre a comunidade acadêmica.
Catherine Snow é uma das maiores referências em alfabetização nos Estados Unidos. Pesquisadora há três décadas do tema, ela ajudou a elaborar, em 1998, um documento de 446 páginas que acalmou as discussões entre diferentes métodos de alfabetização no país. Em entrevista a GaúchaZH, a professora diz que ensinar a relação entre sons e letras é positivo para a maioria das crianças e crucial para muitas, mas que o tema deve ser tratado junto com a interpretação textual.
A senhora acredita que haja um método perfeito para alfabetizar? Se sim, qual seria?
Em 1998, presidi um comitê na Academia Norte-Americana de Ciências (U.S. National Academy of Sciences) que produziu um relatório chamado "Combatendo dificuldades na leitura em crianças". O documento mostrou que todas as crianças precisam de oportunidades básicas se quiserem se alfabetizar: 1) habilidades ricas em linguagem e conhecimento básico de conteúdos, 2) exemplo positivo referente à alfabetização e motivação para ler e escrever, 3) oportunidades para aprender (ter alguém que ensine) e dominar o alfabeto e 4) oportunidades de acesso a intervenções assim que as dificuldades aparecerem. Portanto, em outras palavras, eu concordo que atenção explícita ao princípio alfabético _ ensinar letras, ensinar que palavras são compostas por uma sequência de sons representados por letras ou pares de letras _ é importante para a maioria das crianças e crucial para muitas. Mas não é a única habilidade que as crianças devem adquirir. Ensinar e praticar apenas o alfabeto traz, no futuro, desvantagens para quem chega à escola com vocabulário e visão de mundo limitados. É preciso focar tanto no código quando no conteúdo do que as crianças estão aprendendo.
É possível ensinar um estudante a ler a escrever usando apenas um método?
A questão controversa não é se o princípio alfabético (qual letra corresponde a qual som) deve ser ensinado, mas sim como e quanto. Há fortes evidências científicas de que, em uma ortografia superficial como o português brasileiro (em que letras, em sua maioria, representam apenas um som), o princípio alfabético e sua prática podem ser ensinados com cerca de 30 minutos por dia no primeiro ano de escola (talvez até mesmo em meio ano). Isso deixa bastante tempo para se assegurar de que estudantes terão acesso à língua, ao conteúdo e a experiências de alfabetização focadas em interpretação mais do que na prática do alfabeto. São experiências que asseguram que o estudante entenderá que o propósito de ler vai além de apenas pronunciar palavras corretamente.
Paulo Freire, educador tomado como referência em universidades brasileiras, defende que professores use exemplos relacionados à realidade do estudante para ensinar conteúdos. Como a senhora vê isso?
Crianças devem aprender a ler usando textos que lhe sejam interessantes e que incluam palavras conhecidas oralmente.
Debate semelhante sobre métodos está presente nos Estados Unidos?
Uma versão desse debate ocorreu aqui, onde o desafio inicial de alfabetizar é maior porque a ortografia é mais complicada (no inglês, as letras podem representar mais de um fonema). O livro que produzimos em 1998 foi escrito em grande parte para deixar claro que há fortes evidências de que o ensino de uma língua deve contemplar o letramento (foco no contexto e nos usos sociais da língua, ensinando que o texto de um jornal é diferente do texto de um romance) e o princípio alfabético.
Como países que são referência em alfabetização ensinam crianças a ler e a escrever?
Algum nível de foco no princípio alfabético é bastante universal em países que têm sucesso em ensinar crianças a ler e a escrever. No entanto, a maioria das nações com problemas persistentes em alfabetização enfatizam demais em ensinar o código e enfatizam de menos o ensino da linguagem e do conteúdo das palavras nas séries iniciais.