Apesar de ser uma obrigação que deveria ter sido cumprida em 2016, somente um terço das cidades gaúchas colocou todas as crianças de quatro a cinco anos na pré-escola. A nível estadual, a oferta de matrículas nessa faixa etária é de 86,8%, mesmo que o objetivo fosse atingir os 100% há dois anos. Os dados são de um levantamento do Tribunal de Contas do Estado (TCE) divulgado nesta quinta-feira (6).
De todos os 497 municípios gaúchos, 160 (32,2%) universalizaram o acesso à pré-escola. Em 2016, quando o objetivo deveria ser atingido, só 19% das cidades alcançaram o esperado. A maior parte dos alunos na Educação Infantil está matriculada em instituições municipais – são as prefeituras as grandes responsáveis pela etapa.
O Plano Nacional de Educação (PNE), sancionado em 2014 pela ex-presidente Dilma Rousseff, definiu 20 metas educacionais para o Brasil na década seguinte. Uma delas traz duas exigências: 100% das crianças entre quatro e cinco anos deveriam estar na pré-escola em 2016 e 50% das crianças entre zero e três anos precisam estar em creches até 2024. O TCE, além de avaliar as contas das prefeituras, também vigia se elas cumprem os objetivos estabelecidos pelo PNE.
Os municípios podem sofrer sanções quando o TCE examina as contas das prefeituras para fazer a verificação do quanto foi investido na educação. A auditora pública externa Débora Brondani explica que o esforço das cidades também é levado em conta.
— Os municípios partiram de uma situação de muita dificuldade e, só mais tarde, com o acesso ao Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), conseguiram fazer os investimentos necessários. Eles tinham um índice muito baixo. Procuramos, assim, medir o esforço das prefeituras a cada levantamento. É caso a caso, mas fazemos avaliações das contas de governo para saber se há esforço e interesse — explicou, em coletiva de imprensa na manhã desta quinta-feira (6).
No atual modelo, o Fundeb "vence" em 2020, mas o fundo é objeto de discussão no Congresso. Estão em debate mudanças que podem ampliar os investimentos da União e melhorias nos critérios de distribuição. Na avaliação de Débora Brondani, a manutenção do recurso é fundamental para que haja investimentos em educação:
— O Fundeb é um mecanismo fundamental de redistribuição de recursos, porque ele é baseado no número de alunos. Algumas cidades não teriam como manter sua rede sem este fundo. Nós temos que aguardar para ver como será a nova configuração do Fundeb, mas mesmo na sua transformação ele é fundamental.
Hoje, 121.251 crianças de zero a cinco anos no Rio Grande do Sul estão fora da escola. Destas, 40.384 têm entre quatro e cinco anos e já deveriam estar matriculadas na Educação Infantil.
Há bons exemplos espalhados pelo Estado. De 2015 para 2017, Viamão aumentou a cobertura de matrículas para crianças entre quatro e cinco anos de 40% para 74,3%. Passo Fundo, de 75,9% para 93,4%. Rio Grande, de 70% para 84,1%.
O ano de 2017 traz uma boa notícia para o Estado, ao menos: foi o primeiro em que o Rio Grande do Sul passou a colocar mais crianças gaúchas de quatro a cinco anos na escola do que a média brasileira.
Matrículas em creches puxam desempenho do RS para cima
O Rio Grande do Sul está na frente ao matricular bebês em creches. Em 2017, 37,6% das crianças entre zero e três anos eram atendidas, o que coloca o Estado na quarta posição nacional, atrás de Santa Catarina, São Paulo e Espírito Santo. Foi um salto: em 2008, estávamos na 19ª posição.
Para colocar 50% dos bebês em creches, os 497 municípios gaúchos precisarão colaborar. Hoje, só 171 (34,4%) atingiram a meta. O maior desafio é nas metrópoles: Porto Alegre, Novo Hamburgo, Caxias do Sul, Pelotas, São Leopoldo, Rio Grande, Canoas, Gravataí, Viamão e Santa Maria concentram 64,45% de todo o déficit de vagas do Rio Grande do Sul.
A Capital, mais especificamente, está com déficit crescente: a falta de vagas era de 5.107 em 2015 e passou para 6.757 no ano passado. Levando em conta a oferta de matrículas para toda a Educação Infantil (somando também a pré-escola), a cidade caiu da posição 207º em 2013 para 305º em 2017 em comparação com o resto do Estado.
— Nós temos reparado que os municípios do Estado têm tido diminuição de receita desde 2015, e isso tem forçado menos investimentos nesta área. O maior problema da Educação Infantil está na área rural, onde é difícil chegar, e nos grandes municípios do Estado, devido à dificuldade de dividir a arrecadação para muitos estudantes — detalhou o auditor público externo Hilário Royer.
A Secretaria de Educação de Porto Alegre (Smed) questiona a metodologia do TCE por usar "dados desatualizados". O secretário Adriano Naves de Brito diz que, entre 2015 e 2016, o Estado repassou à rede de educação da Capital cerca de 2,5 mil crianças de até cinco anos, o que gerou uma "demanda abrupta". Mas diz que a prefeitura abriu milhares de vagas para a etapa, e que, em 2018, já atingiu as metas do PNE: 63% dos bebês de até três anos hoje estão na pré-escola e quase 100% das crianças entre quatro e cinco anos estão na pré-escola, afirma.
— Em 2017, não houve diminuição de vaga na Educação Infantil. Pelo contrário, ampliamos um pouco para creche e muito mais para a pré-escola, que é prioridade para universalização. Eles usam na análise o número de nascidos vivos para projetar a demanda. Mas há um grande número de nascimentos em Porto Alegre de filhos de famílias que moram no Interior, pela maior oferta de hospitais. Se eu criasse vagas para mais de 6 mil crianças na cidade (o déficit apontado pelo Tribunal é de 6.464 para quatro a cinco anos ), seriam elefantes brancos. E aí o TCE apontaria que eu estaria usando mal o recurso público — diz o secretário.
Hoje, crianças de zero a cinco anos correspondem a 7,28% da população do RS. Apesar de serem uma pequena parcela, a inclusão da primeira infância na escola é importante para combater a desigualdade social: além do evidente acesso à educação dos filhos que beneficia a ascensão de classe social no futuro, as mães ficam livres para encontrarem trabalho, o que, em última instância, combate a desigualdade social e de gênero no presente.
— Isto é visto como um efeito reflexo. Esta política de educação tem uma grande contribuição na emancipação feminina, e nós sabemos que, hoje, cerca de 34% das residências são chefiadas por mulheres. Mas a educação é voltada sempre para a criança, e isso traz também outros efeitos positivos, como em relação à segurança e à proteção — explicou Débora.
Em nota, a Secretaria Estadual de Educação (Seduc-RS) afirmou que a Educação Infantil é de atribuição do poder público municipal. "Logo, a busca ativa depende de ações dos municípios e não é de competência do Estado", diz o texto.
Entenda
O Plano Nacional de Educação (PNE), sancionado em 2014 pela ex-presidente Dilma Rousseff, definiu metas para o Brasil inteiro na área. A meta 1 define que 100% das crianças entre quatro e cinco anos deveriam estar na pré-escola até 2016 (portanto, está dois anos atrasada) e 50% das crianças entre zero e três anos precisam estar matriculadas em creches até 2024.