Foi em uma tarde de domingo no mês de agosto que os estudantes saíram de casa pela primeira vez para fazer o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Em 1998, a prova era desconhecida da maioria dos brasileiros e poucos dos 115 mil candidatos que se dispuseram a responder às 63 questões do teste sabiam exatamente para que servia. Neste fim de semana, o Enem completa 20 anos com 5,5 milhões de inscritos e como porta de entrada para mais de um milhão de vagas no Ensino Superior brasileiro — e até no Exterior.
Ao criar o Enem, como ministro da Educação do governo Fernando Henrique Cardoso, o gaúcho Paulo Renato Souza (1945-2011) tinha como ideia avaliar nacionalmente o desempenho dos estudantes no Ensino Médio e, com isso, propor políticas para melhorar a etapa.
Presidente do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), órgão responsável pelo Enem desde a sua primeira edição, Maria Inês Fini afirma que o exame tem crescido em importância a cada edição e se consolidou como um programa de Estado.
— O Enem é um exame que tem agregado valor a cada edição, com vantagens não só aos jovens que participam, mas também com a sofisticação na maneira de aplicar, avançando no controle de possíveis fraudes — diz ela, que atuou na criação do exame no governo Fernando Henrique.
Entre os cotados para assumir o Ministério da Educação na gestão de Jair Bolsonaro, a presidente do Inep diz que as especulações já a "deixam contente", mas que não teve nenhuma conversa com o presidente eleito sobre o assunto e que espera que o futuro governo continue "fazendo o Enem crescer em credibilidade e em oportunidades aos jovens".
Dos 157 mil inscritos na primeira edição, o Enem chegou a alcançar 8,7 milhões de candidatos em 2014, ano recorde de participação. O crescimento ao longo dos anos ocorreu pela importância que o exame ganhou na vida dos estudantes. Em 2009, ao valer vaga nas universidades públicas, passou a ser reconhecido como um grande vestibular nacional, embora o então ministro da Educação do governo Lula, Fernando Haddad, evitasse essa expressão.
Os primeiros passos para essa mudança foram dados com a criação do Programa Universidade para Todos (Prouni), em 2004, que oferece bolsas de estudo em cursos de graduação de instituições privadas, com base na nota do Enem. Na primeira edição, em 2005, foram oferecidas 112.275 bolsas de estudo. Em 2018, chegou a 420.975 — um aumento de 275%. A oportunidade de fazer uma faculdade sem pagar mensalidade tornou-se um grande atrativo para alunos de escolas públicas.
Em 2009, surgiu outro programa importante da gestão petista: o Sistema de Seleção Unificada (Sisu), que disponibiliza vagas em instituições públicas de Ensino Superior a partir do desempenho no Enem. Mas o que o ministro Haddad e os candidatos inscritos no Enem não esperavam era o vazamento de um caderno de provas, em uma gráfica contratada para a impressão, poucos dias antes da aplicação do exame. A prova foi adiada e o Enem teve sua credibilidade ameaçada. Universidades como a USP, de São Paulo, desistiram de usar as notas em seus processos seletivos, confiança que só foi recuperada recentemente.
Nos anos seguintes, a Polícia Federal passou a atuar diretamente na operação logística, e o Inep reforçou o esquema de segurança. Com o passar do tempo, a desconfiança das universidades diminuiu e, de 51 instituições participantes no Sisu em 2010, passou-se para 130 no primeiro semestre de 2018. As vagas, que não chegaram a 50 mil naquele primeiro ano, hoje são quase 300 mil em universidades que abandonaram seus vestibulares tradicionais e apostaram no Enem. No Rio Grande do Sul, a UFRGS é a única instituição da rede federal que mantém o vestibular, mas preenche 30% das vagas pelo Sisu.
O exame também se tornou pré-requisito para adesão ao Fundo de Financiamento Estudantil, programa criado ainda na gestão de Fernando Henrique para financiar cursos de graduação em instituições privadas a juros baixos. No segundo semestre de 2015, as regras passaram a exigir nota mínima de 450 pontos no exame para conseguir o financiamento.
O reconhecimento ao Enem também vem do Exterior: 34 instituições de ensino de Portugal firmaram convênio com o Inep e utilizam as notas do exame para a seleção de alunos brasileiros. Além disso, muitas universidades privadas aceitam a nota do Enem como critério de seleção e dispensam os alunos da realização dos processos seletivos próprios.
Do interior da Bahia para a universidade no RS
Diretora do Centro de Excelência e Inovação em Políticas Educacionais, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), a ex-diretora de educação do Banco Mundial Cláudia Costin afirma que o Enem é um grande acerto nas políticas do governo federal. Como principal benefício, ela cita a democratização do acesso ao Ensino Superior:
— De uma pessoa poder fazer a prova perto de sua casa e ter acesso a vagas em universidades de todo o Brasil.
Ingrid Cunha, 26 anos, é exemplo dessa mobilidade. Aluna de Psicologia na Universidade Federal da Bahia no campus de Vitória da Conquista, decidiu fazer o exame em 2012 para tentar uma vaga no mesmo curso no Rio Grande do Sul. O namorado à época morava em Porto Alegre. Foi aprovada na Federal de Ciências da Saúde (UFCSPA) pelo Sisu, mas não chegou a fazer a matrícula porque conseguiu o ingresso por meio extravestibular da UFCSPA, que combina os resultados no Enem com o desempenho acadêmico do candidato. Como Ingrid já cursava a graduação na Bahia, conseguiu aproveitar os créditos concluídas na instituição de lá.
Em Porto Alegre, casou com o então namorado. O relacionamento terminou, mas Ingrid não pensa em voltar para casa. Com a graduação concluída, foi aprovada em concurso na mesma universidade onde estudou. Psicóloga da UFCSPA, a jovem diz que o Enem trouxe novas perspectivas:
— Eu fiz o Enem para ficar mais perto do meu namorado e também porque eu sempre quis morar numa capital. Me apaixonei por Porto Alegre e fiquei. Muita gente lá para cima fala que as pessoas do Sul são frias, mas eu sempre fui muito bem recebida aqui.