Se o mercado de trabalho anda arisco, imagine para quem tem dificuldade de se deslocar, desempenhar determinadas tarefas e vencer adversidades para conquistar um diploma. De acordo com dados da Organização Internacional do Trabalho (OIT), a taxa de desemprego é duas ou três vezes mais alta entre as pessoas com deficiência em relação à população em geral. Além disso, a parcela que trabalha, às vezes, recebe remuneração inferior a quem não tem deficiência.
Dados do Ministério do Trabalho mostram que, apesar de o país ter 45 milhões de brasileiros com algum tipo de deficiência (quase 24% da população), apenas 381 mil vínculos empregatícios eram declarados como pessoas com deficiência (PCDs) em 2014 (números mais recentes), o que representa 0,77% do total de empregos formais no Brasil.
— Há várias razões para que as empresas deixem de contratar PCDs, como falta de acessibilidade nas companhias ou dificuldade de os candidatos apresentarem a qualificação exigida — explica Iara Luciana Coromberque, gestora de Recursos Humanos da Associação Canoense de Deficientes Físicos (Acadef).
A falta de qualificação, muitas vezes, ocorre porque o PCD tem dificuldade de vencer as adversidades logísticas e conquistr um certificado de conclusão escolar ou um diploma de faculdade. Quando há deficiência mental, esse desafio cresce ainda mais.
De acordo com a Lei 8.213, de 1991, empresas com cem ou mais colaboradores são obrigadas a preencher de 2% a 5% de seus cargos com PCDs ou beneficiários reabilitados. As empresas que têm de cem a 200 funcionários, devem contratar, no mínimo, 2% de pessoas neste perfil. Acima de mil funcionários, o número sobe para 5%.
— Apesar de termos esta lei há 22 anos, há muitas empresas que não cumprem as cotas. Infelizmente, às vezes, há falta de engajamento das empresas em contratar pessoas com deficiência, preconceito de áreas e gestores que resistem à ideia de gerirem pessoas com deficiência — aponta Cezar Antonio Tegon, presidente do Elancers Corporate e do site Vagas Online.
Em contrapartida, várias entidades promovem treinamento e qualificação específica para pessoas com deficiência, em parceria com empresas que aproveitam essa mão de obra em seus quadros. A Acadef, por exemplo, realiza treinamento direcionado aos PCDs via o Programa de Aprendizagem, iniciativa do governo federal para incluir pessoas no mercado de trabalho. Um dos beneficiários, o cadeirante Bruno Silva dos Santos, 28 anos, conseguiu ser efetivado como auxiliar administrativo na Universidade La Salle, em Canoas.
— Sempre fui muito ativo e esforçado e, faça chuva ou faça sol, dou um jeito de estar no trabalho. São características que se somam à qualificação e são reconhecidas no mercado de trabalho — afirma.
Sete dicas para pessoas com deficiência conquistarem uma vaga de emprego
- Muitas empresas deixam vagos os cargos para pessoas com deficiência por alegarem que não encontram mão de obra qualificada. Finalizar o Ensino Médio, inclusive por caminhos mais curtos como o programa Educação de Jovens e Adultos(EJA), abre portas para o diploma — e as oportunidades.
- Se há dificuldade de deslocamento, o Ensino a Distância (EAD) pode ser uma opção mais confortável (e barata) para finalizar os ensinos Fundamental, Médio e Superior.
- Especializar-se em tarefas específicas como atendimento, assistência administrativa e informática é ainda mais importante para quem tem deficiência, uma vez que poucas empresas oferecem programa de treinamentos.
- A experiência costuma ser uma lacuna nos currículos de quem tem deficiência, portanto, foque nos seus cursos e suas competências emocionais: determinação, facilidade de trabalhar em equipe e abertura para novos desafios são alguns exemplos.
- Busque apoio de instituições como ONGs e associações que promovam cursos específicos para quem tem deficiência e tenham proximidade com empresas mais abertas a sua contratação.
- Informe-se sobre as melhores companhias em termos de oferta de vagas e condições de trabalho para pessoas com deficiência e direcione a elas seu esforço para buscar o emprego. Em geral, elas costumam ter vagas abertas.
- Deixe claro ao empregador que o transporte e seu deslocamento não serão uma barreira. Prepare-se para quando tiver de enfrentar condições meteorológicas adversas.
Fontes: Iara Luciana Coromberque, gestora de Recursos Humanos da Associação Canoense de Deficientes Físicos (Acadef) e Cezar Antonio Tegon, presidente do Elancers Corporate e do site Vagas Online.
Luta diária
Cris Lopes
*Jornalista, repórter da editoria de Segurança de GaúchaZH e deficiente visual
Até chegar ao mercado de trabalho, os que conseguem ingressar precisam, além de uma gigantesca persistência, de estímulo quase diário dos familiares, pois desde muito cedo se conhece o preconceito velado ou mais aberto. Independentemente de como o preconceito aparece, é preciso ter em mente onde se quer chegar e driblar todas as barreiras, por mais dolorosas e espinhentas que sejam.
Falar que o caminho das pedras é cheio de obstáculos parece clichê, mas os números da empregabilidade falam por si. Até chegar na editoria de Segurança de GaúchaZH, na qual estou há 11 meses, precisei aprender muito sobre jornalismo, sanar deficiências do curso e mostrar, a cada dia, que conseguia encontrar um diferencial para dar destaque ao meu trabalho.
A atividade profissional é extremamente dinâmica, trabalha com imagens e publicações em ferramentas nem sempre amigáveis para pessoas com deficiência sensorial. Dessa forma, além de demonstrar a aptidão para driblar situações adversas como alagamentos, protestos e greves, precisei me reinventar diariamente ao longo dos cinco anos de trabalho na empresa.
Até atuar como jornalista, aceitei trabalhar voluntariamente em outras funções, buscando o aprendizado, além de possibilitar às pessoas a experiência de trabalhar com uma pessoa com deficiência. Isso permitiu a compreensão de que, apesar das limitações, podemos ter um bom rendimento, contribuindo com as equipes de trabalho.
Estudar, se especializar e manter um canal aberto e transparente de contato com as pessoas no trabalho, nas universidades e no convívio social ajudam a diminuir as pré-concepções que as pessoas podem fazer a respeito das outras. É importante, da mesma forma, uma abertura maior das empresas em relação a esse público, que tem vontade de passar sua experiência ao mercado, apesar de alguns empregadores julgarem que se trata de um custo muito alto quando se trata de ter sensibilidade e cumprir a lei.