"Em terra de chapinha, quem tem cacho é rainha" e "eu não posso ser a mulher da sua vida porque já sou a mulher da minha" são algumas das frases que estampam as paredes de uma sala de aula da Escola Estadual de Ensino Fundamental Ildefonso Gomes, no bairro Santana, em Porto Alegre. No local, meninas entre 12 e 16 anos reúnem-se com três professoras para debater temas pouco frequentes na rotina das instituições de ensino, como gênero, raça e feminismo.
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O projeto, chamado de "Poder do Crespo e o Empoderamento", surgiu em 2016 após a professora de Educação Física Luciana Dornelles Ramos perceber que a maioria das alunas negras sentia vergonha de mostrar os cabelos, sempre presos com elástico. A educadora de 32 anos, que descobriu o que é racismo aos quatro, decidiu que precisava fazer algo.
– A ideia foi trabalhar o respeito à diversidade através da discussão da temática do cabelo crespo. Como é um cabelo que ainda sofre muito preconceito, a partir disso começamos a discutir todas as diversidades que existem no nosso País e no mundo. Porque somos todos diferentes, mas lindos do nosso jeito – afirma a educadora.
A direção da escola cedeu uma sala de aula, que não era utilizada, para o projeto. As atividades ocorrem normalmente à tarde, no turno inverso ao das aulas. No começo eram 12 meninas, a maioria negra. Duas concluíram o Ensino Fundamental no ano passado, mas seguem envolvidas com o grupo, que agora ganha mais 10 integrantes, entre eles dois meninos.
Uma página no Facebook – chamada de "Empoderadas IG" (de Ildefonso Gomes) – também foi criada para ampliar as discussões do colégio. Segundo a professora Luciana, muita coisa mudou neste último ano.
– A minha maior preocupação é que eu via muita apatia nos alunos. Hoje eu vejo que as meninas se mobilizam, que elas sabem que podem fazer acontecer. E essa diferença vai ser muito importante na vida delas, esse amor próprio, essa força de vontade para quebrar barreiras, conquistar um diploma, coisas que eu não via elas quererem antes.
O elástico que sempre prendia os cabelos não é mais usado, nem a chapinha para alisar os cachos. Elas aprenderam a gostar do volume do crespo. Usam batom escuro, calça jeans justa e com recortes nas pernas, a nova modinha entre as gurias. No começo do mês participaram até de um desfile de moda no centro de Porto Alegre. Mas não é só na aparência a mudança.
A professora de matemática Ana Mesquita é uma entusiasta do trabalho liderado por Luciana. Segundo ela, as notas das meninas melhoraram muito neste um ano. Elas estão mais confiantes, dedicadas e aprenderam a se ajudar.
– Eu percebo uma autoestima melhorada, inclusive para os estudos. A postura diante das aulas mudou muito, elas estão mais comprometidas, mais envolvidas com a disciplina. Nunca tinha visto nada igual – diz a educadora, que dá aulas no Idelfonso Gomes há 20 anos.
Uma das inspirações do grupo é a escritora nigeriana Chimamanda Adichie. O livro "Para Educar Crianças Feministas", que propõe a ruptura do preconceito a partir da educação de novas gerações, foi lido em grupo.
A estudante Thamires Cardoso, aluna do oitavo ano, diz que aprendeu a lutar por respeito.
– O machismo existe na escola, em qualquer lugar. Trabalhar sobre isso ajuda a sermos mais empoderadas, a lutar pelos nossos direitos, pelo respeito.
Nesta segunda-feira (27), a professora Luciana e mais duas educadores que participam do projeto, Tainá Albuquerque e Thainah Mena Barreto, farão uma palestra em outra escola da Capital. O objetivo é levar as ações do projeto para demais instituições de ensino e mobilizar o maior número de pessoas contra o preconceito, pela valorização da diferença e pelo respeito.