O número de faculdades de Medicina no Rio Grande do Sul vai subir de 16 para 20. Quatro municípios gaúchos foram selecionados pelo Ministério da Educação (MEC), em setembro, para receber novos cursos.
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Apenas Ijuí, no noroeste do Estado, ainda não tem definida a instituição de ensino responsável. Nos demais, as mantenedoras serão a Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), em São Leopoldo, a Universidade Feevale, em Novo Hamburgo, e a Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões (URI), em Erechim. As três universidades devem dar início às aulas já em 2017.
– A partir da assinatura do termo de compromisso (com apresentação de garantias bancárias), começamos o processo de monitoramento das atividades dessas instituições. Vamos fazer visitas regulares para saber em que estágio as obras estão e como estão sendo implantados os projetos – afirma Maurício Romão, titular da Secretaria de Regulação e Supervisão da Educação Superior (Seres) do MEC.
A Federação das Associações de Municípios do Rio Grande do Sul (Famurs) considera positiva a abertura dos novos cursos de Medicina.
– Temos alunos de Ijuí e de Erechim que vêm para estudar em Porto Alegre. A criação dos novos cursos vai evitar o êxodo dessas regiões, capacitar a saúde local, fomentar novos empreendimentos, como na construção civil e na criação de cursinhos. Os municípios terão ganhos financeiros e os recursos hospitalares serão mais qualificados – avalia o assessor técnico da área de saúde da entidade, Paulo Azeredo.
Em crise econômica, Erechim celebra curso
Esperada havia anos, a conquista da faculdade de Medicina pela URI é encarada como um alento em Erechim, município de 100 mil habitantes no norte do Estado que enfrenta um dos momentos mais difíceis de sua história recente. Em razão da crise econômica, as duas principais empresas da cidade, gigantes do setor metalmecânico, entraram em recuperação judicial. Só neste ano, registraram mais de mil demissões.
Com a nova graduação, a expectativa é de que a cidade se beneficie tanto econômica quanto socialmente, atraindo capital humano e financeiro.
– No tema social, municípios do Interior têm dificuldades de encontrar médicos em concursos. Este curso tem um viés comunitário, ligado à medicina preventiva. E tem o viés econômico, em fazer com que a URI fortaleça seus cursos de saúde, pessoas de outras cidades venham morar ou fazer tratamento em Erechim. Então, você fortalece toda a rede de saúde – afirma o prefeito, Paulo Alfredo Polis (PT).
Na avaliação do reitor da URI, Luiz Mario Spinelli, o curso tem potencial para transformar Erechim em um centro de saúde no Rio Grande do Sul:
– Os ganhos virão em todos os aspectos, inclusive nos serviços prestados à população, nos hospitais e nos postos de saúde.
A confirmação oficial foi publicada pelo Ministério da Educação no Diário Oficial da União do dia 17 de outubro. Enquanto aguarda novas instruções, a URI providencia a adequação de sua estrutura, que está adiantada.
– Se tudo correr bem, nossa intenção é iniciar as aulas já em 2017. Estamos preparados para isso desde 2012 – diz o diretor-geral do campus em Erechim, Paulo José Sponchiado, que também preside o Conselho Regional de Desenvolvimento (Corede) Norte.
A notícia enche de entusiasmo quem cursa os últimos anos do Ensino Médio, vive nas proximidades e sonha em integrar a primeira turma da faculdade.
– O pessoal do terceirão está na maior expectativa. Esses dias, três vieram me perguntar sobre o curso. É um aspecto positivo, porque serve de motivação – avalia o diretor da Escola de Educação Básica da URI, Alan Bresolin.
Victor Balestrin e Laís Reffatti Pescador que o digam. Prestes a concluir os estudos, ambos têm 17 anos e já estão de olho nas vagas – serão ofertadas 55 por ano. Laís mora com os pais em frente à universidade e, se passar na seleção, não precisará nem se mudar, o que considera uma vantagem – em outro município, gastaria com aluguel, alimentação e deslocamento. Sem contar que, em Erechim, terá parentes e amigos sempre por perto.
– Quero muito que dê certo e estou estudando para isso. Serei a primeira médica da família – planeja.
Balestrin é de Barão de Cotegipe, a cerca de 15 quilômetros de Erechim. O jovem optou por finalizar o Ensino Médio na escola da URI, que funciona dentro do próprio campus, por acreditar que assim estará melhor preparado para o desafio.
– Decidi que queria ser médico porque tenho um primo que se formou na área. Sempre achei muito legal. É uma oportunidade única, e tenho certeza de que será um bom curso – diz o adolescente.
Apesar do entusiasmo de alguns, há quem avalie que o novo curso de Medicina não atenderá à demanda dos estudantes da cidade, especialmente os mais pobres.
– A gente sabe que o nível do ensino para os nossos associados, em sua grande maioria alunos de escolas públicas, é um problema. Eles sentem dificuldades em competir em igualdade de condições com quem vem de escolas mais qualificadas ou de cursos pré-vestibulares – diz o responsável pela Comunicação da Associação Erechinense de Estudantes, Olnei Gomes.
Mensalidade na URI será de R$ 5 mil a R$ 6 mil
Ao todo, o investimento da URI é estimado em R$ 7 milhões. Serão mais de 50 docentes envolvidos, e o valor das mensalidades deverá ficar entre R$ 5 mil e R$ 6 mil. A forma de ingresso, porém, ainda está sendo definida.
De acordo com o reitor, Luiz Mario Spinelli, o mais provável é que o acesso ocorra via Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), com a aplicação de uma prova de redação presencial para estimular e valorizar a participação dos conterrâneos – hoje, muitos jovens acabam migrando para Porto Alegre ou Passo Fundo por falta de opção.
Desde o início, a URI se preocupou em ouvir a comunidade para definir o perfil da nova graduação, a partir de uma série de encontros com autoridades locais, profissionais da medicina e entidades médicas.
– O curso foi estruturado para atender às necessidades de saúde da região, acompanhando nossa vocação institucional comunitária, com um perfil de formação médica generalista – explica a professora Miriam Salete Wilk Wisniewski, que lidera o processo.
Fisioterapeuta e doutora em Ciências da Saúde, Miriam será a coordenadora-adjunta. A coordenação caberá a Sergio Bigolin, ginecologista e obstetra, doutor em cirurgia e experimentação, médico há 24 anos e docente na URI desde 1996.
Os estudantes terão aulas teóricas no prédio 10. Os laboratórios serão ampliados e receberão novos equipamentos. Também será utilizada a estrutura do Centro de Estágios e Práticas Profissionais, que já recebe estudantes de áreas da saúde e atende a cerca de 3 mil pessoas por mês, de forma gratuita, com serviços que vão da fisioterapia à odontologia.
A partir do primeiro ano de estudos, os alunos passarão a atuar fora dos muros universitários. Cerca de 80% das disciplinas serão ministradas na Fundação Hospitalar Santa Terezinha de Erechim, nas unidades básicas de saúde e na unidade de pronto-atendimento de Erechim.
– Nosso maior desafio será qualificar toda essa estrutura neste primeiro ano, a partir de convênios firmados com os governos municipal e estadual – diz Bigolin.
Cidade quer se consolidar como polo regional de saúde
Na região de Erechim, a expectativa é de que a implementação do novo curso de Medicina resulte na consolidação de um polo regional de saúde. Com 180 leitos, cerca de 150 médicos e 570 funcionários, o Hospital Santa Terezinha, o maior da cidade, contabiliza mensalmente cerca de 1,2 mil internações,36 mil exames laboratoriais e 650 cirurgias.
Segundo o prefeito Paulo Alfredo Polis, a instituição atende cerca de 800 pessoas por dia útil, das quais 50% são provenientes de outras cidades. Por ano, mais de 100 mil pessoas de fora de Erechim recebem atendimento no hospital. Com a instalação do curso na URI e a transformação do Santa Terezinha em hospital-escola, a capacidade de atendimento será ampliada.
– É importante criarmos centros regionais de saúde. Muitos pacientes que poderiam ser atendidos no local acabam indo para centros maiores, como Porto Alegre. E isso gera custos para a prefeitura e reduz a eficiência do processo – afirma Polis.
Getúlio Vargas e Nonoai terão hospitais-escola
Presidente do Corede Norte, que representa 32 municípios, Paulo José Sponchiado explica que, além do Santa Terezinha, também foram credenciados como hospitais-escola instituições de Getúlio Vargas, a 33 quilômetros de Erechim, e de Nonoai, a cerca de 90 quilômetros, para assegurar a meta de cinco leitos do Sistema Único de Saúde (SUS) por egresso, exigida pelo Ministério da Educação.
O diretor-técnico do Santa Terezinha, Leonel Dario Lanius, informa que hoje 100% dos atendimentos do hospital são realizados por meio do SUS e que a instalação do curso de Medicina propiciará parcerias com a Secretaria Estadual de Saúde e o Ministério da Saúde, abrindo novas frentes para a obtenção de verbas para a instituição. Apesar da dificuldade encontrada por muitos hospitais do Interior em contratar médicos, Lanius garante que a quase totalidade dos 150 médicos do hospital é originária de Erechim e acredita que esta tendência deverá se manter com o novo curso da URI:
– Alguns (dos médicos atuais) moram em Passo Fundo, porque fizeram faculdade lá, mas trabalham aqui. Daria pra dizer que 100% dos nossos médicos são originários de Erechim.
O Santa Mônica Centro Hospitalar, que iniciou suas atividades em 1999, pretende inaugurar ainda neste ano um hospital com bloco cirúrgico com três salas de cirurgia e sala de recuperação. A estrutura terá apoio de um serviço de hotelaria para a realização de procedimentos de média complexidade.
Segundo o diretor-clinico da instituição, Paulo Roberto Dall'Agnol, a maioria dos médicos contratados também é originária de Erechim, e a instalação do novo curso deve solidificar a ideia da cidade como um polo regional de saúde:
– Na região, não temos falta de médicos, e há especialistas nas principais áreas. Quanto à nova faculdade, acreditamos que Erechim deverá se consolidar em definitivo como referência na área da saúde, e isso deverá contribuir fortemente para o desenvolvimento econômico de toda a região.
No Vale do Sinos, inscrições devem começar em janeiro
Com investimento recente de R$ 10 milhões na reforma de espaços e na compra de equipamentos, a Unisinos já conta com a estrutura necessária para o primeiro ano do curso de Medicina em São Leopoldo, incluindo laboratórios de ultrassonografia e de simulação e espaço de ciências básicas (anatomia e citologia). Dos 20 laboratórios do curso, 15 já estão prontos.
Segundo o diretor da Unidade Acadêmica de Graduação, Gustavo Severo Borba, a universidade começou a trabalhar na implantação em 2012. A ideia é de que algumas das estruturas também sejam utilizadas por outras áreas da saúde, como o curso de Enfermagem. Com mais cerca de R$ 7 milhões em investimentos, a Unisinos pretende concluir a parte de simulação avançada, que será necessária para os estudantes a partir do segundo ano de aulas.
– O ganho para a Unisinos vai muito além do curso. Dá mais visibilidade à universidade e permite interação maior na área de pesquisa e tecnologia – diz Borba.
As aulas serão ministradas no campus de São Leopoldo. O Hospital Centenário será usado como hospital-escola. No total, haverá 65 vagas. O ingresso se dará via Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), já a partir do primeiro semestre de 2017. As inscrições estão previstas para janeiro. O preço da mensalidade ainda não foi anunciado.
Feevale, em Novo Hamburgo, já tem prontas as salas para aulas práticas
Na Feevale, em Novo Hamburgo, as inscrições também devem ser em janeiro, e o preço da mensalidade não está definido. O ingresso de alunos será por meio dos resultados nas provas do Enem em 2014, 2015 e 2016. No total, serão 60 vagas. A reitora Inajara Vargas Ramos informa que as aulas devem começar em 20 de fevereiro.
O projeto foi elaborado em parceria com as prefeituras de Novo Hamburgo, Campo Bom, Dois Irmãos, Ivoti e Sapiranga. As salas para aulas práticas já estão prontas. Conforme o pró-reitor de Planejamento e Administração, Alexandre Zeni, o investimento para a implantação do curso deve totalizar R$ 15 milhões. A proposta é de aulas em turno integral, com duração de 7.550 horas.
Instalação em Ijuí ainda está indefinida
Escolhida inicialmente como mantenedora do curso de Medicina em Ijuí, a União dos Cursos Superiores SEB (Uniseb), pertencente ao grupo carioca Estácio, não apresentou as garantias bancárias exigidas pelo MEC e foi excluída do processo. Segundo o ministério, não houve propostas classificadas para assumir o lugar da selecionada em caso de desistência.
A partir da exclusão da Uniseb, em 11 de outubro, o MEC iniciou um prazo de 90 dias para finalizar o processo seletivo da nova mantenedora, o que pode ser feito de duas formas: avaliando a estrutura da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (Unijuí), para que a instituição faça uma oferta direta para a abertura do curso, ou lançando um novo edital somente em Ijuí. A Unijuí já anunciou que irá se habilitar à disputa. O reitor da instituição, Martinho Luís Kelm, garante que a instituição sempre esteve preparada para oferecer o curso, com 50 vagas.
– Poderíamos estar pensando na possibilidade de, no vestibular de inverno de 2017, já termos a oferta na Unijuí, mas estamos trabalhando em conjecturas – diz Kelm.
Entidades médicas criticam criação de novos cursos
Entre as entidades médicas, a criação do novos cursos de Medicina não é bem recebida. O presidente do Sindicato Médico do Rio Grande do Sul (Simers), Paulo Argollo, afirma que o Brasil não enfrenta falta de médicos e diz que o problema está na sua distribuição de maneira inadequada, concentrando-se nas grandes cidades.
– A população está sendo duplamente enganada. Primeiro, porque pensa que os formados em determinada cidade vão permanecer nela. Segundo, porque pensa que não há médicos por falta de disponibilidade de profissionais. Não é verdade. O Ministério da Saúde mostra no seu portal que o Brasil já tem o dobro do número de médicos necessários – critica Argollo, que defende a criação de um programa estadual para alocar médicos no Interior.
Presidente do Conselho Regional de Medicina do Estado (Cremers), Rogério Aguiar diz que as capitais e as cidades de maior porte acabam naturalmente atraindo mais profissionais do que o Interior:
– Se depender do mercado de trabalho, pode ter mais 500 faculdades que os médicos vão continuar se concentrando nos lugares onde há melhores condições de trabalho. Ninguém vai mudar para lugares precários, com prefeituras que não podem arcar com as despesas e onde o médico não pode se bancar.
Para Aguiar, a grande preocupação deveria ser com a qualidade da formação e não com a quantidade:
– O Brasil é o segundo país no mundo em faculdades de Medicina. Só perde para a Índia.
De acordo com Argollo, do Simers, só em Porto Alegre existem quatro vezes mais médicos do que em toda a Inglaterra, ao passo que no interior do Estado vários municípios não contam com profissionais em número suficiente. Ainda segundo ele, o Brasil tem 2,11 médicos para cada mil habitantes, índice superior a países como China (1,5 médico por mil habitantes) e Chile (1,6 médico por mil habitantes).
No Rio Grande do Sul, os números deixam clara a disparidade na distribuição dos médicos entre Porto Alegre e o Interior. Na Capital, em 2015, existiam 13.068 profissionais (8,9 por mil habitantes), enquanto no Estado a média era de 2,46 médicos por mil habitantes. Por isso, sugere Argollo, o ideal seria a criação de uma carreira estadual de médico por meio de concursos públicos, como ocorre com os juízes, facilitando a distribuição dos profissionais pelo Interior:
– Certamente, o que falta é investir na saúde, construir hospitais e estruturas, e não abrir escolas privadas que são verdadeiros caça-níqueis para trazer dinheiro para alguns. Além disso, não temos controle de qualidade das faculdades. O curso da UFRGS tem 10.500 horas-aula. Os novos cursos estão sendo autorizados a terem partir de 7.200.