Um animador pode levar sete anos para produzir um episódio de uma série de animação de onze minutos. Isso porque, se estiver sozinho no projeto, o profissional só consegue finalizar de três a cinco segundos do produto de entretenimento digital. Com o Tecmídia (Tecnologias em Mídia), estúdio de animação que captura movimentos em três dimensões (3D), inaugurado na última quarta-feira na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), o mesmo trabalho pode ser executado em uma semana.
Os cálculos são feitos pelo coordenador do laboratório e professor do Departamento de Expressão Gráfica, Milton Vieira Horn. Ele explica o funcionamento da tecnologia avançada, que já foi base para algumas produções como o game Irmãos Cruz, sobre a dupla de irmãos lutadores de Florianópolis Felipe e Igor.
– Modelos ou atores vestem a roupa com 53 marcadores que refletem a luz infravermelha emitida pelas câmeras específicas. Essa luz volta para as câmeras, que aí têm a imagem em duas dimensões. Depois, no computador, um sistema faz a conversão para três dimensões. Essa imagem 3D vai para o animador fazer o trabalho final – detalha.
Para Horn, o grande diferencial do estúdio catarinense está no tamanho. Em um prédio com 770 m² de área logo atrás do Centro de Comunicação e Expressão, está alojado um chroma key – tela verde – de 25 metros de comprimento por 15 metros de largura e pé direito de nove metros.
– É uma das maiores estruturas do mundo. No Brasil, só a Globo tem algo parecido, mas é menor: 10 m por 10 m e seis metros de pé direito. O nosso é maior que o House of Movies, em Los Angeles. A grande sacada é que aqui eu posso capturar um jogo de futebol de salão, uma partida de tênis, posso trazer o Cirque du Soleil. Além de captura de movimento, vai servir para filmagens em tempo real – define. House of Movies é responsável pela animação de games campeões de venda no mundo todo como Battlefield: Hardline, Medal of Honor, Call of Duty: Advanced Warfare e League of Legends.
Ao observar o tamanho do novo espaço, o estudante de Design de Animação da UFSC Gabriel Antônio Corso Anciuti, 22, se anima diante das possibilidades.
– É bem provável que eu siga na área da indústria de games, que vem crescendo. Pretendo transferir a matrícula para o curso específico de Animação para me especializar mais – conta o jovem, que também colabora com o Design Lab, da universidade.
Em Santa Catarina, além desses dois cursos superiores, Ciências da Computação e Design de Jogos dão conta de formar profissionais especializados. Eles contam com pelo menos cinco empresas de animação para trabalhar: Belli Studio (Blumenau), Animaking, 52 Animation Studio, Plot Kids e Cafundó Estúdio Criativo – essas últimas de Florianópolis.
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Mercado reage bem
Além de apoiar projetos de mestrado e doutorado e oferecer oportunidade de estágio os alunos da UFSC, o estúdio será alugado a empresas por R$ 5 mil a diária _ bastante barato, se comparado aos US$ 50 mil cobrados pela maior estrutura nos Estados Unidos a cada dia de uso.
– A ideia também é dar suporte às empresas do mundo inteiro que queiram usar o espaço. Os projetos serão analisados pelo nosso conselho – explica o coordenador do Tecmídia, Milton Horn.
O diretor da Cafundó Estúdio Criativo, Leonardo Minozzo, pondera que é preciso entender melhor a proposta do laboratório, mas que, de antemão, muitas empresas podem ter interesse.
– Hoje fazemos animação na mão. Não temos captura de movimentos, que facilita e agiliza bastante. Apesar de várias produtoras estarem desenvolvendo, inclusive com séries animadas para a TV, a maioria é focada em 2D. Com o estúdio, é possível começar a trazer em 3D.
O diretor da Vertical de Games e Aplicativos da Associação Catarinense das Empresas de Tecnologia (Acate), Dennis Coelho, comemora a aproximação do mercado com a universidade.
– Antigamente, tínhamos um problema de mão de obra, que foi sanado com os cursos específicos. Mas ainda havia uma lacuna de infraestrutura. Agora não mais. Poderemos atrair grandes estúdios e grandes empresas de outros lugares para se estabelecer aqui. Porque é um formato mundial que, nesse tamanho, não existia na América Latina – arrisca.
Diferentes áreas beneficiadas
A utilização do Tecmídia não deve ficar restrita à animação para o entretenimento digital. Sistemas de imersão (caves), avaliação de desempenho de atletas de alto rendimento e desenvolvimento de próteses para amputados são algumas das áreas que podem ser beneficiadas com a estrutura tecnológica disposta no principal campus da UFSC, em Florianópolis.
O doutorando Gabriel Prim, 25, comprova a possibilidade. A partir da captura de movimentos, o pesquisador desenvolveu uma metodologia para medir o centro de equilíbrio de pessoas amputadas e, a partir daí, validar o modelo de prótese ideal.
– Em Florianópolis, o cinema, a publicidade e a propaganda estão mais ligados ao "mocap" [abreviação para motion capture], mas vários caminhos são abertos. Só depende do enfoque que cada um deseja dar – garante.
Tecmídia em números
Tamanho: 770 m² (prédio) e 25 metros x 15 metros x 9 metros de chroma key (técnica de efeito visual que coloca uma imagem sobre a outra por meio do anulamento de uma cor padrão, como o verde ou o azul) no estúdio;
Câmeras: 14 de captura de movimentos corporais e duas de captura de movimentos faciais. Outras 21 estão em fase de pedido;
Roupas específicas com 53 marcadores: oito;
Estrutura: estúdio, sala de edição, camarim;
Custo: R$ 17,4 milhões, sendo R$ 2,4 milhões na construção do prédio e R$ 15 milhões na compra de equipamentos divididos entre Finep e UFSC.
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