Mais de 10 anos depois da implantação das políticas de cotas nas graduações das universidades federais, essa possibilidade de acesso começa a ser discutida com mais solenidade na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) também no âmbito da pós-graduação. O Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social (PPGAS) conta com uma comissão de ações afirmativas que está elaborando uma proposta para ampliar as vagas de mestrado e doutorado de olho na demanda de estudantes negros, indígenas ou com alguma deficiência.
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A ideia é já oferecer vagas a cotistas nos processos seletivos de 2016 para início das atividades em 2017, mas professores e alunos que defendem a ideia preferem dialogar sem pressa para chegar a um modelo adequado. No mês passado, as discussões foram ampliadas em um fórum com a presença de alunos e professores de outras universidades do país, em que as cotas já fazem parte de alguns programas de pós-graduação.
- É uma demanda de fora e também interna. A Antropologia tem essa vertente de trabalhar com indígenas, povos negros e pessoas com deficiência. Acho que todos esses grupos vão enriquecer o curso com seu conhecimento e suas experiências. Saem da condição de objetos de estudo para a de sujeitos da pesquisa - avalia o professor Sergio Baptista da Silva, vice-coordenador da pós-graduação em Antropologia Social e coordenador da comissão de ações afirmativas.
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Para que a proposta de estabelecer cotas no programa seja efetivada, ela precisa ser aprovada pelo conselho do curso, que tem autonomia na universidade. Silva acredita que não haverá resistência à aprovação, mas ainda é preciso estabelecer o número de vagas que seria destinado aos cotistas.
Reserva de vagas já é feita em Brasília
Atualmente, o PPGAS oferece 15 vagas em mestrado e 15 em doutorado. Ao contrário do que fazem outras instituições, a ideia não é reservar um percentual do que já é ofertado às cotas, mas criar vagas específicas para esses candidatos. No Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade de Brasília (UnB), por exemplo, a reserva de vagas, criada em 2013 e com a primeira seleção em 2014, contempla somente estudantes negros e indígenas e 20% das vagas de mestrado e doutorado. A proposta da Antropologia da UFRGS encontra boa inspiração em ações afirmativas deste tipo já desenvolvidas nos programas de pós-graduação da Faculdade de Educação da universidade e tem o apoio de outros departamentos da instituição, já inclinados a implementar as cotas em seus cursos de pós-graduação.
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Para o professor-adjunto do Departamento de Sociologia e do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da UnB Joaze Bernardino Costa apostar em ações afirmativas para facilitar o acesso de negros e indígenas é, antes de tudo, um compromisso das universidades públicas em reverter o quadro de exclusão dessas pessoas a todos os níveis de conhecimento ofertados.
- É uma oportunidade de produzirmos conhecimento com base em experiências diferentes.
Críticas são semelhantes à política para graduação
Como na implantação das políticas de cotas na graduação, a extensão desse sistema de ingresso à pós-graduação também gera críticas, e muitas têm semelhanças aos argumentos contrários utilizados à época em que a entrada na universidade era o tema da vez. Professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), o doutor em Filosofia Renato Nunes Bittencourt escreveu, no ano passado, um artigo em que faz questionamentos sobre a efetiva inclusão social promovida por cotas raciais e pondera que, no Brasil, a mescla de raças dissolveria qualquer pretensão de identidade racial
precisa. Para ele, as cotas sociais seriam, tecnicamente, mais coerentes.
Outra crítica recorrente é quanto à qualidade de conhecimento dos alunos que chegariam aos cursos por um sistema de cotas. Neste ponto, o professor da UnB Joaze Bernardino Costa pondera que não há no país um processo seletivo de mestrados e doutorados que tenha tamanha aferição de mérito a ponto de ser inquestionável. Por isso, não seriam as cotas também determinantes da qualidade dos selecionados, porque há fatores subjetivos nessas seleções.
Passos lentos nas discussões do ministério da Educação
As discussões de cotas no PPGAS da UFRGS parecem mais adiantadas do que os debates promovidos pelo Ministério da Educação (MEC), que criou em setembro um grupo de trabalho para avaliar o tema e cuja primeira reunião ocorreu somente há duas semanas. No entanto, a Federal gaúcha fica atrás de outras universidades que já conseguiram organizar a reserva de vagas na pós-graduação a negros, indígenas e pessoas com deficiência de maneira mais ampla, como a Universidade Federal de Goiás (UFG), onde todos os cursos já oferecem um percentual de suas vagas a esses candidatos. A Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) também já tem iniciativas neste sentido, assim como as estaduais do Rio de Janeiro, onde há uma lei estadual sobre o tema, e a tradicional Universidade de São Paulo (USP).
- Temos negros e índios na pós, mas são poucos e chegam de maneira muito assistemática. Se quisermos transformar o perfil da universidade, temos de ter um programa sistemático para incluí-los - diz Costa.