Apenas 20% das escolas infantis da rede privada de Porto Alegre estão credenciadas e autorizadas a operar pelo Conselho Municipal de Educação (CME). Com falhas e documentos faltantes de maior ou menor importância, 274 estabelecimentos, ou quase 80% do total de 349, não poderiam estar de portas abertas, cuidando de crianças de zero a seis anos.
Entre os problemas mais comuns, estão a não apresentação de certidões negativas de débito expedidas pela Receita Federal e pela Secretaria Municipal da Fazenda, inadequações estruturais e número insuficiente de professores. As instituições devem obedecer à resolução 005/2002 do CME, que fixa normas para credenciamento, autorização e supervisão das instituições de Educação Básica. A abertura de um estabelecimento se dá mediante a apresentação de um extenso rol de documentos, como alvarás da Secretaria Municipal da Saúde e Secretaria Municipal da Indústria e do Comércio, projeto político-pedagógico, regimento escolar e plantas baixas de todas as dependências do imóvel.
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A cada quatro anos, o proprietário precisa pedir renovação da autorização para funcionamento, comprovando que o padrão anterior foi mantido ou elevado. Não é incomum que a escola dê a largada nas atividades com tudo em ordem e incorra em infrações nos anos seguintes - uma mudança de endereço, por exemplo, precisa ser comunicada às autoridades, e os proprietários devem comprovar que o novo espaço respeita todas as exigências.
A Secretaria Municipal de Educação (Smed) alega estar permanentemente à disposição para esclarecer dúvidas e regularizar pendências, mas boa parte dos processos avança com dificuldades, muitas vezes, por falta de interesse dos proprietários - há desconhecimento das exigências ou desânimo para iniciar o vaivém entre diversos órgãos públicos. Boa parte das entidades irregulares já estavam operando antes de 2002, data da resolução que normatiza o setor hoje, e nunca houve a adequação. Coordenadora adjunta da Educação Infantil da Smed, Maria Cláudia Bombassaro afirma que o objetivo é atingir, no setor privado, 100% de regularização, a exemplo do que ocorre na Educação Infantil da rede municipal.
Excesso de obrigações na infância pode prejudicar desenvolvimento das crianças
- É uma via de mão dupla. A gente faz um movimento, a escola responde. Para agilizar o processo, depende muito da escola. Precisamos criar a cultura de os donos procurarem a secretaria e se regularizarem e de os pais só matricularem seus filhos em escolas regularizadas. Eles têm que perguntar para a escola: "Vocês estão autorizados a funcionar?" - sugere Maria Cláudia. - Falta conscientização das escolas, da família, da sociedade como um todo. Se a gente fiscalizar mais, nós vamos fechar (escolas). E as crianças vão ficar onde? - questiona.
Vice-presidente do Sindicato Intermunicipal dos Estabelecimentos de Educação Infantil do Estado do Rio Grande do Sul (Sindicreches), Ivana Cristina Vidor Marques credita o baixo percentual de unidades credenciadas à burocracia e à morosidade da tramitação dos processos. Como proprietária de uma escola na zona norte da Capital há 15 anos, ela experimenta as dificuldades para corrigir um problema de infraestrutura que depende também da prefeitura.
- Já fui a diversos órgãos e ninguém resolve o meu problema, ou então você pega um engenheiro ou um arquiteto que não sabem resolver, é uma série de documentos que vai surgindo ao longo do tempo. Às vezes, você vai a um órgão e eles dizem que o responsável é outro - lamenta Ivana.
Esgotados os prazos e os recursos possíveis, as escolas que não cumprirem com suas obrigações ficam sujeitas a suspensão temporária de funcionamento, negativa de renovação da autorização e revogação do credenciamento. O Ministério Público deve intensificar a parceira com a Smed para tentar reverter o quadro negativo. Para Danielle Bolzan Teixeira, promotora regional da Educação de Porto Alegre, o cenário é preocupante. A ideia é mobilizar órgãos fundamentais ao processo de regularização, como a Vigilância Sanitária, o Corpo de Bombeiros e a Secretaria Municipal da Indústria e Comércio (Smic).
- O Ministério Público quer se inserir nessa problemática porque a forma como as coisas estão sendo feitas não é eficiente. Precisamos integrar para que a fiscalização seja mais efetiva - afirma Danielle.
"É um desrespeito com as crianças", diz pedagoga
A pedagoga Andrea Bruscato, doutoranda em Políticas Educacionais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), dedicou-se ao tema da regulamentação das escolas infantis particulares em Porto Alegre em sua dissertação de mestrado. Considerando o tempo decorrido desde a defesa do trabalho, em 2008, Andrea acredita que a situação já melhorou muito na cidade.
Para a pedagoga, entre as maiores dificuldades enfrentadas por quem decide investir no ramo está a falta de conhecimento das demandas da legislação. Transformar um imóvel residencial em escola, por exemplo, exige inúmeras intervenções, relativas a acessibilidade, configuração dos banheiros, número de salas, largura dos corredores, pé-direito, iluminação, ventilação.
- É difícil adequar um imóvel que não foi feito para ser escola. Faltam recursos financeiros às escolas, e há falta de interesse dos proprietários também - afirma.
Andrea lembra que a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, de 1996, reconheceu a Educação Infantil, antes vinculada à saúde e à assistência social, como a primeira etapa da Educação Básica. Desde então, há um esforço para regulamentação e elevação do padrão de serviço oferecido às famílias.
- É um desrespeito com as crianças. Como elas são pequenas, parece que qualquer coisa serve. Não dá para ter qualquer coisa para uma criança - defende.
Segundo a pedagoga, um trabalho mais coordenado entre as diversas secretarias municipais que emitem pareceres e documentos poderia agilizar o processo de regularização, elevando com mais rapidez o número de instituições autorizadas a operar.