O vazamento de 55 milhões de metros cúbicos de resíduos contaminados, em Mariana (MG), colocou o Brasil diante de um desafio ambiental de proporções inéditas: o de ressuscitar um rio. Ao longo da maior parte de seus 853 quilômetros, o Rio Doce transformou-se nos últimos dias em um caudal de lama venenosa, responsável por arrasar espécies animais e vegetais - por supressão de oxigênio, soterramento ou intoxicação.
Com o passar das semanas e dos meses, à medida que o sedimento pastoso se depositar no fundo ou escoar para o oceano, água límpida voltará a correr no leito, e o Doce parecerá de novo um rio como outro qualquer. Será uma aparência enganosa. Diferentes especialistas projetam que demandará anos, décadas ou mesmo séculos para a vida recuperar-se na bacia - e mesmo assim ela jamais será como antes.
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- Temos 400 quilômetros de calha em que provavelmente não sobreviveu nada. O antigo Rio Doce, ícone do Brasil, um dos grandes rios nacionais, não existe mais. Está morto. O que vamos recuperar, até onde for possível, é um novo Rio Doce, diferente. Ele nunca mais vai ser o mesmo - alerta o ambientalista Procópio de Castro, do Projeto Manuelzão, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
O rompimento da barragem da Samarco destruiu todo um ecossistema. Morreram peixes, insetos, anfíbios, moluscos, larvas, fitoplâncton. Plantas aquáticas que eram utilizadas como criadouro pelos peixes e árvores que serviam para as aves fazerem seus ninhos sumiram. Até o limo das pedras, onde vários seres se alimentavam, perdeu-se. A cadeia alimentar rompeu-se em todos os seus elos. A probabilidade de que tenha ocorrido a extinção de espécies animais e vegetais existentes apenas no Rio Doce é tida como alta.
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O que está consumado é catastrófico, mas o que vem pela frente não é muito melhor. Milhões de toneladas de lama com metais pesados e contaminantes diversos estão se depositando no fundo do rio, ao longo de toda sua extensão. Esse sedimento vai se solidificar, criando uma camada que continuará a soltar arsênio, mercúrio, cromo e outros químicos durantes décadas - envenenando a água e os seres vivos. Em tempos de cheia, a enxurrada revolverá o leito, liberará a lama, suprimirá o oxigênio e causará novas mortandades.
Conversamos com Procópio de Castro, do Projeto Manuelzão, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG); André Ruschi, biólogo e diretor da Estação Biologia Marinha Augusto Ruschi; Ricardo Motta Pinto Coelho, professor do Laboratório de Gestão Ambiental de Reservatórios da UFMG para saber o impacto da tragédia e o que pode ser feito para mitigá-la.