O termo é novo, então, é melhor explicar: gamificação é a transposição da linguagem e da lógica dos games para outros ambientes. E, se há um universo onde esse conceito tem sido apontado como tendência, é a educação.
Como seu cérebro reage a jogos eletrônicos.
No Brasil, um dos nomes que se destacam nesse campo é o de Rafael Parente, doutor em educação internacional e desenvolvimento. Ele comanda a Aondê Educacional, empresa responsável pelo projeto Conecturma, uma plataforma gamificada que vem sendo testada em escolas públicas, inclusive no Rio Grande do Sul. Na segunda-feira, ele é o convidado do projeto Com a Palavra, de Zero Hora e da Fundação Maurício Sirotsky Sobrinho (entidade que está movimentando escolas com seu próprio game: Logus - A Saga do Conhecimento).
A gamificação é um fenômeno mundial, que gera entusiasmo, mas também ressalvas. Na edição mais recente da revista New Yorker, o ensaísta Nathan Heller criticou a tendência:
"A gamificação levanta a bandeira da inovação, mas seu efeito é o oposto. Longe de libertar a mente, essa abordagem nos habitua a mecanismos de esforço e recompensa, a caminhos já estabelecidos e a narrativas pré-fabricadas".
Board games são novo fenômeno nerd.
10 aplicativos bacanas para a criançada.
A posição de Parente é distinta. Ele pretende mostrar em Porto Alegre que a gamificação pode ser uma resposta aos desafios que a escola enfrenta hoje.
- A área de educação precisa passar por adequações e modernizações. Não podemos estar fechados a repensar a nossa prática - diz.
Na Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro, ele ocupou durante cinco anos o cargo de subsecretário de Novas Tecnologias Educacionais e foi responsável por idealizar e implementar projetos marcantes, como a Educopédia (uma plataforma de aulas digitais) e o Gente (um modelo de escola que aboliu turmas e séries). Ele concedeu a seguinte entrevista a ZH.
Você foi subsecretário de Novas Tecnologias Educacionais no Rio, função pouco usual. Que diferença faz ter alguém trabalhando com esse enfoque?
A diferença é ter uma parte da secretaria olhando para o futuro, para como fazer transformações em um sistema, para que ele seja mais adequado aos tempos atuais.
Entre os projetos está o Ginásio Experimental de Novas Tecnologias Educacionais (Gente). O que ele tem de singular?
O objetivo era colocar o aluno no centro dos processos, personalizar a aprendizagem, trabalhar com tecnologia e entender a educação como algo mais amplo do que ensino de disciplinas, incluindo habilidades socioemocionais.
Qual é o papel da tecnologia nesse modelo?
Ela pode levar a uma motivação maior, tanto de crianças e jovens quanto de professores, e à quebra de limites de tempo e espaço. Com as tecnologias, os alunos continuam aprendendo de casa, com um joguinho no smartphone, por exemplo. E tem também a personalização. Com a inteligência artificial, fica mais fácil individualizar o ensino para a necessidade do aluno.
Acontece muito de as escolas adotarem o computador e outras tecnologias, achando que estão se tornando modernas. Às vezes, a tecnologia mascara a má qualidade do ensino?
A gente tem visto em várias cidades um investimento absurdo em tecnologia, sendo que é um investimento malfeito, uma coisa populista, que não melhora a aprendizagem e gera o risco até de piorar o que já está ruim. Colocam tablets sem preparar os professores, sem pensar na questão da infraestrutura, se as pessoas que estão lá na ponta querem usar essa tecnologia. Fazem tudo errado.
Há um consenso de que o modelo tradicional de escola está superado. No entanto, os resultados nas avaliações do ensino não parecem ter evoluído. Ainda são escolas tradicionais e conteudistas que costumam aparecer nos primeiros lugares nos exames. Por quê?
Essas escolas fazem seleção de tudo: alunos, professores e, por conseguinte, as famílias. Você seleciona a nata do sistema educacional e, é claro, não tem como não conseguir os melhores resultados. Na nossa experiência no Rio, a gente teve muito sucesso, inclusive com inovação, com a utilização da Educopédia, por exemplo, uma plataforma de aulas digitais que são como capítulos de um livro, mas com vídeos, jogos, quiz, textos. De 2009 a 2011, nos anos finais do Ensino Fundamental, a gente teve um aumento de 22% no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb). E nas escolas que usavam mais a Educopédia, o aumento foi maior.
Como a gamificação pode contribuir com a educação?
Pode fazer com que crianças e jovens estejam mais motivados e participativos. Quanto mais você fizer com que o cérebro dessas crianças esteja ativo na escola e estejam pensando naquele assunto, mais haverá aprendizagem. Acredito que a gamificação seja importante para o aumento da aprendizagem por essa melhoria do engajamento e do interesse.
Como se aplica a gamificação na escola?
Posso falar do que estou fazendo com a empresa que criei. Criamos o que chamamos de plataforma transmídia. Tudo gira em torno de uma história, com personagens, e essa história vai sendo contada por meio de mídias. E tem games digitais em que, para passar, o aluno precisa compreender um certo conceito de português ou matemática ou mesmo de habilidade socioemocional. Estamos bolando o que achamos ser a nova geração de materiais didáticos. Estamos fazendo o piloto do material do 1º ano do Ensino Fundamental em escolas públicas de Viamão, e está tendo um enorme sucesso.
O que seria o uso correto da gamificação?
Se existe uma intencionalidade pedagógica, se está claro o que você quer e daí você busca recursos tecnológicos e busca elementos de games que levem a isso, é um uso eficiente.
Crianças e adolescentes crescem em um mundo tecnológico. Levar a lógica do game também à escola não é exagero? Não seriam melhores outras lógicas e formas de interagir com os desafios? O game não passa a ideia de que tudo é uma brincadeira, com recompensas?
Todo mundo olha com bons olhos para o esporte, por exemplo, e não deixa de ser um jogo e uma brincadeira. Se você corta outras atividades e deixa só nos games, é prejudicial. Mas inseri-los como mais um elemento do processo de aprendizagem, não entendo porque isso seria considerado ruim.