O ingresso no Ensino Superior pode legitimar as convicções no curso escolhido ou colocar em dúvida a carreira eleita. Se as expectativas não forem alcançadas, o pedido de transferência surge como opção para os alunos insatisfeitos. Essa necessidade de mudar de planos pode estar ligada à imaturidade do jovem ao definir a profissão, que acaba coincidindo com o fim da adolescência - época de construção da identidade e de muitos questionamentos. Para Jaqueline Figueiredo Ferreira, psicóloga e coordenadora da empresa Vocacional, a chance de fazer escolhas equivocadas nessa fase é grande.
- Ele sai do Ensino Médio e não tem uma visão crítica da realidade, não conhece seus potenciais, talentos e competências. Existe a pressão da sociedade, da família e da escola para que ele ingresse logo. Tudo isso gera incerteza, e muitos não se sentem prontos - afirma.
Um dos motivos comuns para a insatisfação é a falta de pesquisa prévia. Embora hoje existam muitas fontes de informação, ir a fundo nos detalhes do curso e do mercado de trabalho não está na lista de prioridades dos jovens.
- A pessoa tem uma ideia de profissão em algum momento e se entusiasma com aquilo, ganha força da família e dos amigos e acaba não questionando a escolha. Falta reflexão sobre o que é o curso, o que faz e o que estuda - diz Ângela Paradiso, psicóloga e colaboradora do Núcleo de Apoio ao Estudante da UFRGS.
Segundo dados de 2013 divulgados pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), há 9,9 milhões de estudantes com diferentes situações de vínculo em instituições de Ensino Superior no país. Cerca de 96 mil (1%) trocaram de curso dentro da mesma instituição no período. Quando o assunto é somente a matrícula desvinculada, que inclui evasão, abandono, desligamento ou transferência para outro local, o número chega a aproximadamente 1,5 milhão (15,1%).
- Dificilmente quem escolhe um curso vai gostar 100% de tudo, mas é importante refletir. É um plano de vida e isso tem de ser levado a sério - alerta César Karnal, psicólogo que trabalha no programa de gestão de carreiras na Unisinos.
Os especialistas afirmam que o processo para encontrar a área perfeita é diferente em cada indivíduo. Não há regra, mas é bom ficar atento a alguns detalhes antes de decidir.
Sete anos atrás do curso ideal
O caminho de Tamires Carvalho Ferreira, 27 anos, para chegar ao curso de Publicidade e Propaganda foi longo. Após sair da escola, a jovem não tinha a mínima ideia de qual carreira escolher e, por incentivo da mãe, acabou ingressando em Nutrição na Unisinos em 2006.
- Eu não tinha nenhum sonho específico. Acho interessante a nutrição, mas não tive afinidade. Dois semestres foram o suficiente para saber que não era o meu perfil - conta Tamires.
Após a primeira desistência, a ideia foi fazer Design na UFRGS. O nome no listão acabou não aparecendo, e a convicção nessa graduação também desmoronou.
Em 2009, ela decidiu retornar à Unisinos. Como havia feito um curso livre de lógica de programação para computadores, a opção pela graduação em Jogos Digitais pareceu ideal, e ela decidiu fazer a transferência.
- Realmente eu não tinha certeza do que queria. Estava "tenteando" em todos os lugares. Como fui bem na programação, achei que talvez me encaixasse em Jogos Digitais. Mas vi que meus colegas sabiam de tudo de jogos e me senti despreparada - relembra.
A jovem optou por trancar a graduação logo depois do primeiro semestre. Ainda sem saber o que fazer, Tamires participou de cursos de fotografia e começou a se interessar por fotojornalismo. O gosto pela técnica levou-a a pedir transferência para jornalismo na Unisinos. Quase no meio do curso, a dificuldade de se enxergar no mercado de trabalho levou a jovem a repensar tudo. A certeza de que estava no lugar errado veio em uma aula inaugural do curso de Publicidade e Propaganda, curso que passou a frequentar em 2013.
- Gostei de verdade e vi que era aquilo que eu estava procurando. Nessa caminhada, nunca busquei orientação profissional, isso talvez tenha sido um erro. Tive momentos em que me senti bem mal porque todo mundo estava se formando, menos eu. Mas eu não queria ficar infeliz - admite.
Da Psicologia à Educação Física
Esporte sempre foi algo presente na vida de Tiago Casagrande, 26 anos. Desde criança, o estudante de Educação Física da PUCRS se envolveu com diferentes modalidades: basquete, vôlei, futsal, futebol e por aí vai. Mas essa paixão não era encarada por ele como uma possível profissão, o que o levou a circular pelo mundo acadêmico. Após a escola e o cursinho, a opção foi a Psicologia.
- Ao longo da minha adolescência, tinha facilidade para conversar com as pessoas. Eu gostava disso, e a família e os amigos me incentivaram a fazer Psicologia - conta o estudante.
Casagrande até gostava da área, mas não estava convicto. No mesmo período, a família começou a ter problemas financeiros para bancar a faculdade. A união de fatores levou o jovem a desistir da Psicologia e almejar uma vaga na Federal.
Para conquistar um lugar na UFRGS, o porto-alegrense retornou ao cursinho, mas com outro foco: Ciências Sociais. Em 2011, Casagrande começou a graduação e logo se decepcionou tanto com as aulas quanto com a estrutura. Depois de dois semestres, ele conseguiu transferência para a História. Encontrou os mesmos problemas e decidiu trancar o curso.
- Gostava muito de história, mas me toquei que era apenas hobby. Não era o que eu queria fazer para o resto da minha vida - confessa Casagrande.
Com a desistência, Casagrande achou que era a hora de apostar no que sempre gostou, a área esportiva. Hoje, ele está no quinto semestre de Educação Física e se diz realizado:
- Paralelamente a toda essa trajetória, eu tinha uma coisinha lá no fundo que dizia que eu poderia ser professor e trabalhar com esporte. O que não se encaixava antes, agora faz todo o sentido. Tive resistência em procurar a ajuda certa e senti falta de direção. Agi muito por conta própria.
De olho nos sinais
O aluno que decide mudar de curso geralmente sente uma insatisfação generalizada. Há falta de afinidade com a maior parte das cadeiras e um desânimo em ir às aulas.
- É necessário prestar atenção. Pode ter um fator emocional envolvido por causa da mudança de etapas. É uma questão subjetiva - diz Jaqueline Figueiredo Ferreira, psicóloga e coordenadora da empresa Vocacional.
Se o estudante não se sente motivado a aprofundar os conhecimentos na área, também deve ficar atento. Outro ponto importante é questionar os motivos reais para frequentar a faculdade: será só pelos amigos e contato social? Na opinião de Ângela Paradiso, psicóloga e colaboradora do Núcleo de Apoio ao Estudante da UFRGS, o jovem precisa se enxergar a longo prazo na carreira.
Ansiedade pode atrapalhar
A troca pode ser feita em qualquer momento do curso, mas os especialistas orientam esperar ao menos dois semestres.
- Essa angústia dos primeiros semestres é rotina. Quando tu estás em um momento de mudança, é melhor não tomar decisão. Já que ingressou, o melhor é esperar um pouco. Reflita e avalie suas aptidões - afirma Jaqueline.
Se a insatisfação persistir por mais de dois semestre, encare o problema de frente.
- O primeiro semestre às vezes tem muita teoria, por isso é bom esperar um pouco.
Mas não deixe essa sensação se prolongar até a metade do curso - aconselha Ângela.
Não é uma derrota
A opção pela troca de curso não pode ser encarada como uma fraqueza. Tome cuidado para não se enganar.
- O adolescente se cobra muito em acertar de primeira e, às vezes, a troca parece um fracasso. É um caminho, um processo. Há pessoas que têm mais dificuldade de escolha - diz César Karnal, psicólogo que trabalha no programa de gestão de carreiras na Unisinos.
Segundo os especialistas, a opção pela mudança não é necessariamente um grande transtorno. É melhor o jovem tomar uma atitude do que se formar por pressão social.
- Problema seria se ele seguisse até o fim e se tornasse uma pessoa infeliz - afirma a psicóloga Ângela Paradiso.
Decisão com consciência
Antes de mudar de curso, pesquise sobre a área. Busque informações do currículo, fale com veteranos, converse com profissionais e professores.
- Os estágios ajudam a dar uma ideia da atuação. É uma boa dica fazer desde cedo e experimentar várias áreas - diz Karnal.
Mudar de graduação nem sempre é o melhor, como destaca a especialista Jaqueline Figueiredo Ferreira:
- Quando o aluno está no final do curso, provavelmente não vai jogar no lixo o que já fez. Projete-se em um futuro no que gostaria de fazer, e o mestrado e o MBA podem ajudar. As carreiras são como mapas.
Outro ponto importante é pensar no que motivou a escolha por certa graduação.
- Reflita por quais motivos foi parar nesse curso. Se é uma ideia que veio da infância, se é uma profissão da moda ou quais as afinidades que você tinha com a área - ressalta Ângela Paradiso.
Cuidado com os testes
Pesquisar sobre os cursos é importante, mas não se engane com os testes vocacionais disponíveis em sites na internet.
- É importante ter validade científica. Para tomar uma decisão, é preciso um processo de orientação. O aluno precisa ter cuidado com esses testes online - diz Jaqueline.
- Os testes até podem direcionar de forma geral. Depois, é necessário procurar orientação do especialista - completa Ângela.
Busque ajuda!
Quando a dúvida surgir, não hesite: procure a orientação certa. Há profissionais especializados no mercado e, muitas vezes, as próprias universidades oferecerem apoio.
- A impulsividade é uma característica desse período da vida, e o profissional pode auxiliar nesse processo de autoconhecimento - afirma Jaqueline.
Problemas da troca
A transferência de curso é uma possibilidade, mas há consequências. Um histórico de desistências pode ter impactos.
- O tempo investido em vários cursos pode atrapalhar a vida profissional. A formação fica ainda mais longa e pode até ter reflexo no emocional. Ao olhar para o lado, ele verá que todo mundo está finalizando suas etapas. Pode se sentir atrasado - avisa Jaqueline.
Na opinião de Jerônimo Tybusch, coordenador de planejamento acadêmico da pró-reitoria de graduação da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), mesmo que a mudança seja para um curso afim, às vezes, é difícil aproveitar as cadeiras:
- O aluno precisa se adaptar e muitas vezes começar do zero. É um impacto na vida acadêmica.
Alô família!
De acordo com a psicóloga Jaqueline Ferreira, geralmente são adotadas duas posturas pelas famílias. Ou ela influencia muito dizendo o que o jovem deve fazer ou prefere não se envolver, deixando-o adesamparado.
- O ideal é ser acolhedor, evitar comparações e incentivar o jovem a buscar auxílio - diz.