Faltam poucas horas para os alunos de uma escola de Novo Hamburgo saberem se tanto esforço será recompensado. Faz 13 anos que a equipe Under Control, do Colégio Marista Pio XII, viaja aos Estados Unidos para a First Robotics Competition, principal competição mundial de robótica para estudantes de Ensino Médio.
Confira o robô Reaver em ação:
Mas, no último mês de março, pela primeira vez, eles voltaram de lá com o prêmio principal de uma etapa regional do torneio. Em meio às comemorações, os membros do time correm para buscar um título maior: a turma tem até esta terça-feira para arrecadar dinheiro para participar da final do torneio, com mais 600 equipes.
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A possível não participação do grupo, que construiu o robô durante as férias de verão, é um indicador das diferenças de incentivo recebidos no Brasil e no Exterior. Aqui, alunos como Pedro Souza, 17 anos, vendem sanduíches e organizam eventos para angariar recursos para participar das competições. Nos Estados Unidos, a final do mundial acontece em um estádio de futebol americano lotado, com a participação de diretores e engenheiros das principais empresas de tecnologia do planeta. Se vencerem a competição, feito inédito para a robótica brasileira e sul-americana, Pedro e os outros 17 membros da Under Control serão convidados a conhecer a Casa Branca e o presidente Barack Obama. Mas isso só se eles conseguirem participar da disputa.
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Este ano, a equipe se preparou para trabalhar com um orçamento de aproximadamente R$ 100 mil. Diferentemente dos anos anteriores, os alunos fizeram duas viagens aos Estados Unidos, e não só uma, para aumentar suas chances de vencer uma das 56 etapas regionais. A vitória em uma etapa rende vaga à grande final, e os times podem participar de quantas quiserem ou puderem. A escolha dos locais - Richmond, no estado de Virgínia, e Long Island, em Nova York, onde garantiram a classificação - foi pensada a partir dos custos. Eles esperaram por promoções de passagens para as principais capitais americanas e, a partir daí, escolheram as etapas realizadas em cidades próximas.
Para cobrir as despesas, além dos patrocinadores, da escola e de empresas que doam algumas peças, o site da Under Control tem um botão permanente para doações via PayPal (undercontrol1156.com), que permite a transferência de valores via internet. Para as primeiras viagens, os estudantes criaram uma página de financiamento coletivo e arrecadaram R$ 3,5 mil. Organizaram ainda um ciclo de palestras e um evento em um restaurante, onde venderam ingressos e ganharam parte dos lucros com a venda de sanduíches. Mas não contavam com os gastos de mais uma viagem.
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Para levar os 18 integrantes para Saint Louis, no Missouri, onde acontece a final, entre 22 e 25 de abril, a turma precisa de mais R$ 35 mil. Os R$ 15 mil necessários para as inscrições já estão garantidos com as economias do caixa da equipe e ajuda do colégio, mas a turma teme perder o dinheiro caso se inscreva e não consiga o restante para passagens de avião, hotel, alimentação e transporte. O robô já está lá, lacrado, em uma escola parceira. Para economizar, no caso de conseguirem voltar, eles decidiram que não valeria a pena carregar o protótipo no avião.
Nas últimas horas do prazo para as inscrições, a equipe Under Control deve avaliar hoje se vale a pena torcer por mais incentivo até o dia da viagem.
Troca de experiências
Pedro é um dos dois pilotos do Reaver, um robô recolhedor de lixo de 54 quilos. A cada ano, a temática do mundial muda, e os participantes da First têm seis semanas para construir sua máquina. Em 2014, precisavam criar um robô que conseguisse atirar uma bola de borracha, destas usadas por quem faz pilates, em uma cesta, como em uma partida de basquete. Neste ano, a missão de Reaver era empilhar o maior número de caixas e lixeiras em dois minutos e meio, tarefa dividida entre Pedro e o colega Henrique Schmitz. Com dois joysticks, daqueles utilizados em jogos de simulação de voo, Pedro controla a tração de Reaver. Henrique fica com o controle reaproveitado de um videogame Xbox, utilizado para mover os braços mecânicos e o elevador que sobrepõe as caixas.
- Eles precisam conhecer todos os detalhes do robô. Ninguém pode saber mais do que eles. Se houver alguma falha mecânica, os pilotos devem dizer o que aconteceu - diz o engenheiro eletricista Daniel Hanauer, 28 anos.
Daniel participou da primeira turma da equipe, em 2003, e hoje é um dos cinco ex-membros que trabalham como mentores da equipe. A interação entre ex-alunos, empresas, engenheiros profissionais e até entre as próprias equipes é estimulada, apesar da disputa.
- Lá você vê muito engenheiro de cabelo branco ajudando aluno. Eles precisam criar o robô e pilotá-lo sozinho, mas o propósito do evento é transmitir conhecimento - afirma Daniel.
Benefício para o estudante e para a sociedade
As equipes participantes da First precisam de um cronograma organizado como o de uma grande empresa. A construção do robô acontece durante as férias de verão, e os times descobrem no mesmo dia o que vão ter que construir. Não que a turma fique sem o que fazer durante o resto do ano, pelo contrário. O Chairman's Award, prêmio recebido pela Under Control, avalia a estrutura do time como empresa e o trabalho em promover a ciência e a tecnologia. O grupo que recebe a premiação deve servir de modelo a todos os outros, e não apenas ter um bom robô.
Há quatro anos os membros da Under Control, ou "team 1156", como identificam-se nas competições, organizam a área de robótica da Mostratec, a maior feira de tecnologia da América Latina. Em 2014, somaram mais de 1,2 mil horas de trabalho voluntário e visitaram 34 escolas de 14 Estados. Fundaram duas novas equipes de robótica e auxiliaram outras 83. Fizeram demonstrações em escolas públicas e hospitais. Ao todo, acreditam ter impactado diretamente um número próximo a 11,5 mil pessoas. Em um dos relatórios feitos para a inscrição na competição, o time define a sua missão: "Trabalhar para que a robótica seja reconhecida pela sociedade e que a educação tecnológica seja parte do currículo obrigatório das escolas brasileiras".
No colégio Pio XII, a robótica é disciplina obrigatória do 1º ao 9º ano do Ensino Fundamental. A partir do Ensino Médio, funciona como atividade opcional, extracurricular. A turma, liderada pelo professor Filipe Ghesla, 22 anos, reúne-se semanalmente em um espaço dentro da escola. Tem um ambiente limpo, bem iluminado e climatizado, além de uma caixa de ferramentas completa, com alguns utensílios que a maioria das pessoas não deve saber para que servem. Benefícios de uma escola particular, mas que deveriam estar à disposição de alunos de qualquer escola, diz Ghesla, que afirma que o aprendizado vai além da mecânica e da eletrônica:
- Todos reforçam na prática o inglês. Precisam para poder se relacionar com outras pessoas lá (nos Estados Unidos) e preencher formulários de inscrição, por exemplo. Mas acho que o mais importante é que aprendem a ter iniciativa, pegar o telefone e falar com as pessoas sem gaguejar, a trabalhar em equipe e resolver os problemas.