Por que as mulheres com melhor formação obtêm resultados piores em provas de matemática do que os homens com a mesma formação acadêmica? As preocupações com esse déficit ficaram no centro das aflições do público há 35 anos, quando pesquisadores do departamento de psicologia da Universidade Johns Hopkins, nos EUA publicaram um artigo sugerindo que a disparidade poderia ser gerada por "uma maior habilidade matemática entre os homens".
O debate gerado foi terrível. Tão grave que, um quarto de século mais tarde, uma controvérsia similar contribuiu para a saída de Lawrence Summers da presidência da Universidade Harvard, nos EUA. Em 2005, quando era reitor, Summers provocou um escândalo no meio acadêmico ao insinuar que as mulheres têm menor aptidão, por supostas diferenças biológicas, para matemática e ciência.
Papel educacional dos pais está em crise, dizem especialistas
Haveria alguma coisa "natural" nas disparidades de gênero? Ou elas seriam fruto do enviesamento que toma conta das escolas? Na medida em que o debate crescia, aumentar a presença das mulheres nas áreas de ciências, tecnologia, engenharia e matemática se tornou uma prioridade política.
Em meio ao mau desempenho matemático das mulheres, um fator importante foi esquecido: por que os homens apresentavam resultados piores em basicamente todas as outras matérias?
No início de março, a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) publicou um relatório sobre a desigualdade de gênero na educação, com base em sua última edição dos testes do Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa) realizados, em 2012, por jovens de 15 anos em 63 países. A disparidade de gênero persiste na matemática. Os meninos com médias mais altas têm notas maiores nesta disciplina do que as meninas com notas mais altas em 61 dos países.
Os resultados em ciências acompanham um padrão similar, ainda que menos exagerado. E as mulheres continuam a fugir das carreiras científicas: em todas os países da OCDE, apenas 14% das calouras escolhiam uma profissão desse tipo, comparadas a 39% dos homens.
Elas têm notas mais altas em leitura
Mas esses estão longe de ser os desequilíbrios mais graves. A estatística mais perigosa do relatório trata do terrível desempenho dos meninos de mais baixas médias, que ficam muito atrás das meninas. Sessenta por cento dos estudantes com notas ruins que fizeram os testes - abaixo da média em matemática, leitura e ciências - são meninos. Mais garotos têm notas mais baixas em todos os países, com exceção de Luxemburgo e Liechtenstein. No Brasil, por exemplo, pouco mais de 45% dos meninos têm baixo índice de aprendizagem, taxa que cai para menos de 40% entre as meninas.
No geral, elas têm notas mais altas em leitura, a habilidade considerada mais importante pela organização, já que determina a capacidade de aprender no futuro.
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- A mensagem que mais ouvimos é que as meninas não têm chances de se educar, mas isso não é verdade na maior parte do mundo - disse Gijsbert Stoet, professor de psicologia na Universidade de Glasgow e pesquisador das desigualdades educacionais. - Meninos do mundo todo têm problemas de educação. O que me surpreende mais é a falta de vontade pública de resolver os problemas enfrentados pelos garotos.
O nível de instrução dos homens ficou consideravelmente atrás do feminino. Em 2012, 34% das mulheres entre 25 e 64 anos dos países da organização tinham diploma de Ensino Superior, comparadas com apenas 30% dos homens.
"Presos em um ciclo de desempenho ruim, pouca motivação, desconexão com a escola e falta de ambição", nas palavras da OCDE, muitos garotos não têm condições de obter um bom desempenho em um mercado de trabalho que exige habilidades cada vez maiores.
Mas não são apenas os meninos com pior desempenho que estão ficando para trás. Uma pesquisa feita por Stoet e David Geary, da Universidade do Missouri, com base nos testes Pisa realizados entre 2000 e 2009 concluiu que, em média, os meninos têm notas mais baixas que as meninas nas três matérias em 70% dos países testados.
Desenvolvimento não seria suficiente
O relatório da OCDE sugere que o progresso econômico e social reduz os déficits dos meninos. As discrepâncias geralmente são menores nos países mais desenvolvidos. Ainda assim, é preciso compreender que, embora o progresso ajude os meninos, as pesquisas sugerem que isso não reduz o déficit feminino na matemática. Em geral, as meninas superam os meninos nos testes padronizados com especial intensidade em países mais pobres, como Malásia e Tailândia, e em países como Emirados Árabes e Catar, onde não existem muitos direitos para as mulheres.
Na verdade, as discrepâncias de gênero entre os jovens com melhor desempenho aumentam na medida em que as condições de vida melhoram. As notas das meninas sobem, mas as dos meninos ainda mais. Ademais, o péssimo desempenho de tantos meninos em países bem desenvolvidos como os EUA sugere que o desenvolvimento não é suficiente para resolver os problemas da educação.
O que a OCDE sugere para diminuir as discrepâncias de gênero está longe de ser ações radicais. As meninas com notas mais altas não confiam em suas capacidades matemáticas. Já os meninos costumam ignorar a escola. Eles jogam mais videogame, passam menos tempo fazendo tarefa e leem menos por prazer.
O estudo sugere que os pais podem encorajar mais as filhas a entrarem em campos científicos e técnicos. Além de acompanharem os filhos na hora da lição de casa. Os professores poderiam ser mais bem treinados para incentivar as meninas em matemática e educar os meninos vindos de contextos socioeconômicos mais pobres. Em especial, é importante parar de dizer que meninos causam mais problemas e de dar notas mais baixas que a das meninas para provas com desempenhos similares.
"Ainda não se sabe como 'punir' os meninos com notas mais baixas ou se repetir o ano por conta do mau comportamento pode ajudá-los no futuro. Na verdade, essas sanções podem afastá-los ainda mais da escola", diz o relatório.
Os genes sozinhos não são capazes de explicar a desigualdade educacional. Mas pesquisas recentes feitas por Stoet e outros especialistas colocam em cheque a ideia de que as diferenças educacionais se devem a disparidades de gênero. Outras pesquisas sugerem que o interesse em carreiras científicas pode refletir preferências profundamente arraigadas. As meninas com melhor desempenho em matemática podem buscar outras carreiras porque se saem ainda melhor em outras áreas.
Em resumo, as estratégias que tomam como base a ideia de que as disparidades de gênero são um mero reflexo da discriminação social não solucionam os déficits das meninas com melhores desempenhos e também não fazem nada pelos garotos.
Entenda o Pisa
O que é a prova?
-Chamada de Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa), a prova avalia a cada três anos estudantes na faixa dos 15 anos de países membros da OCDE e convidados, como o Brasil. A última foi em 2012 e a próximo ocorre neste ano.
O que é avaliado?
-Leitura, matemática e ciências.
Quem organiza e aplica a prova?
-Organizada pela OCDE e aplicada por órgãos nacionais. No Brasil, pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep).
Como ela é feita?
-A prova dura duas horas e é formada por questões de múltipla escolha e perguntas abertas.