No início da década de 1990, o vulcão Pinatubo, nas Filipinas, entrou em erupção e protagonizou uma das maiores explosões do século 20. Com a ação, foram lançadas à atmosfera milhões de toneladas de dióxido de enxofre, em um evento que derrubou, pelos três anos seguintes, as temperaturas médias da Terra em quase 0,5°C.
Nível de oceanos subiu 30% mais do que se pensava
Por reação natural, as partículas que ficaram suspensas no ar ajudaram a refletir a radiação que incide no planeta de volta para o espaço. O evento lançou luz a uma alternativa até então pouco explorada: reproduzir o evento, artificialmente, como uma forma de frear o aquecimento global.
Conheça cinco tecnologias para enfrentar a escassez de água no mundo
Não demorou muito para que cientistas ao redor do mundo começassem a pensar em estratégias para colocar o projeto em prática. Foram criados projetos de aviões, balões gigantes e até navios que seriam postos em ação, pulverizando gotas de ácido sulfúrico na estratosfera.
Carvão com mais de 250 milhões de anos pode apontar impactos de mudanças climáticas
A ideia, capaz de desafiar até a mente dos maiores escritores de ficção científica, já não parece estar tão longe. Faz parte de um conjunto de técnicas de manipulação da natureza em larga escala batizada de geoengenharia, uma área de estudo que vêm desenvolvendo jeitos de modificar o ambiente e o sistema climático para combater o aquecimento global.
Leia mais notícias do Planeta Ciência
Algumas dessas técnicas já foram propostas e estudadas desde a década de 1970. Vão desde a colocação de espelhos gigantes em órbita no planeta (o que refletiria os raios solares), a criação de florestas de árvores artificiais (capazes de absorver mais CO2 que as naturais), até mudanças no fundo do mar, como fertilizar os oceanos com ferro (para estimular o crescimento de fitoplânctons e absorver o dióxido de carbono).
David Keith, físico da Universidade de Harvard, afirma que a geoengenharia pode ser uma ferramenta extremamente poderosa para amenizar os efeitos do aquecimento global. Mas suas opiniões não são unanimidade no meio acadêmico. Durante muito tempo consideradas meras especulações, essas opções hoje avançam dentro e fora de laboratórios e dividem pesquisadores. Enquanto alguns condenam os riscos de interferir na natureza desta forma, outros afirmam que, se as concentrações de carbono na atmosfera alcançarem um estágio crítico, a geoengenharia será a única forma de controlar nosso clima. E esse patamar está próximo de se tornar realidade.
O momento é de cautela
Conforme o 5º e último relatório do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês), divulgado em novembro de 2014, as emissões dos principais gases que provocam o efeito estufa estão no maior nível em 800 mil anos e, se não houver uma ação imediata, em pouco tempo as mudanças climáticas causarão impactos graves e irreversíveis no mundo.
Para que a elevação da temperatura média da Terra não ultrapasse os 2ºC - meta da comunidade internacional - os governos precisariam reduzir a zero a emissão desses gases até 2100, detalhou o relatório. Não à toa, neste mesmo ano, o IPCC passou a mencionar a Geoengenharia como uma ciência que poderia prover soluções importantes para mitigar as alterações, mas que demanda mais pesquisas.
Para o astrofísico Luiz Gylvan Meira Filho, ex-vice-presidente do IPCC e pesquisador do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo, somente reduzir as emissões de gases de efeito estufa já não é mais suficiente para reverter o aquecimento global.
- Um pouco de geoengenharia será necessário inevitavelmente. Acredito que essas técnicas podem ajudar. Há que proceder com cautela, para evitar a criação de problemas ainda maiores - pondera.
Uma das principais críticas à geoengenharia está nas incertezas que ainda se tem quanto às consequências de alterar os padrões naturais da Terra. No caso das nuvens de ácido sulfúrico, especula-se que poderiam piorar a seca do planeta e até provocar um esgotamento da camada de ozônio.
Por isso, na mesma proporção em que vêm ganhando investimentos para pesquisa, as propostas despertam o interesse de organizações ambientais que, em sua maioria, não as vêem com bons olhos.
Em dezembro de 2014, a organização não-governamental canadense ETC Group divulgou um relatório afirmando que determinadas técnicas podem até ser benéficas na redução da temperatura em algumas áreas do planeta, mas poderão trazer impactos negativos em continentes como a África, com importantes consequências sociais e agrícolas.
O problema, explica Anibal Gusso, professor de climatologia da Unisinos, é que estas e outras possíveis consequências são meras especulações, e não se sabe ainda quais seriam os reais efeitos colaterais a médio e longo prazo. Meira Filho defende que as pesquisas devem seguir, mas que os testes, fora de laboratórios, devem ser feitos em pequena escala:
- Sabemos que os riscos dependem da técnica. De um modo geral, as estratégias de modificação do balanço de energia solar podem ter outras consequências não previstas e, portanto, devem ser desenvolvidas em pequena escala até que os outros efeitos sejam bem entendidos e os riscos eliminados - afirma Meira Filho.
Para Gylvan, há um risco real, mas nem por isso as pesquisas devem ser abandonadas. É o que defende o climatologista Anibal Gusso:
- Os estudos não devem deixar de acontecer, mas a prioridade, quando o tema é aquecimento global, deve ser outra. É preciso pensar em alternativas para mitigar os efeitos em termos de redução de consumo, de tecnologias renováveis e eficiência energética, ou seja, estratégias para que a energia seja mais limpa e melhor aproveitada - resume Gusso.
As pesquisas dentro de laboratórios seguem recebendo investimentos ao redor do mundo - em 2012, a China situou a geoengenharia entre suas prioridades em pesquisa sobre as ciências da terra. Mas, atualmente, só são permitidos testes na natureza de pequena escala, que não afetem a biodiversidade, conforme uma regra determinada pela Convenção da ONU sobre Biodiversidade, de 2010.
*Com informações de Henry Fountain, do The New York Times
//// 4 perguntas para David Keith - Físico
Pesquisador da Universidade de Harvard e um dos defensores mais entusiasmados da pesquisa sobre geoengenharia solar, é autor do livro A Case for Climate Engineering (sem tradução para o português), no qual explica os aspectos práticos desta estratégia. Por e-mail, ele conversou com ZH.
A geoengenharia não poderia distrair a população contra o problema real, que é o nosso estilo de vida e a quantidade de poluição que produzimos?
Esta questão é uma das principais preocupações que temos. No entanto, eu não acredito que seja um argumento válido para ir contra o avanço nas pesquisas sobre geoengenharia. Para frear os riscos que as mudanças climáticas irão trazer a longo prazo, causado pelas emissões de dióxido de carbono, teríamos de reduzir a zero essas emissões. A meta da geoengenharia solar deve ser diminuir a taxa com que a atmosfera está se aquecendo por causa das alterações climáticas, não revertê-la.
Essas técnicas de geoengenharia acarretam efeitos globais, e não locais, o que pode gerar uma discordância entre países, correto? Como isso seria contornado?
Claro que vai gerar desacordo entre os países, essa é uma das maiores preocupações. No entanto, como o custo deste tipo de estratégia é relativamente barato, e a eficácia parece ser relativamente igual para todos, acredito que é um problema de governança mais fácil de resolver do que muitos outros. Certamente não é verdade que cada país tem que concordar. O mundo possui políticas governamentais de regulamentação da internet, da poluição climática e marinha, entre outros, sem que todos concordem.
Pesquisadores já fizeram testes com a injeção de aerossóis de ácido sulfúrico na estratosfera. Quais são os riscos e as desvantagens desta técnica?
É difícil resumir isso, pois são mais de 20 artigos científicos que dissertam sobre o tema. O que posso dizer é que o saldo atual das evidências sugere que a geoengenharia solar, se aplicada de forma limitada e com cautela, reduziria significativamente riscos climáticos na maioria dos lugares no mundo.
Quando e em que termos a geoengenharia pode se tornar uma realidade para reduzir o impacto das mudanças climáticas?
Infelizmente, eu não tenho ideia.