Nem a meta de universalização do acesso das crianças de quatro e cinco anos à pré-escola, até 2016, faz com que os municípios gaúchos invistam todo o dinheiro destinado à educação infantil. Dados do Tribunal de Contas do Estado (TCE) apontam que, dos R$ 767,4 milhões recebidos do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb), no ano passado, R$ 315,3 milhões deixaram de ser gastos na área.
Isso significa que as creches e pré-escolas das cidades gaúchas receberam 40% menos recursos do que o previsto para ser usado. Quantia suficiente para construir pelo menos 197 creches e atender a 44 mil alunos por ano, de acordo com os valores de cada unidade calculados pelo Fundo de Desenvolvimento da Educação (FNDE).
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Segundo o TCE, a falta de investimentos reflete na oferta de vagas na educação infantil. As 497 prefeituras ainda estão longe de alcançar a universalização do acesso à pré-escola - 32% das crianças de quatro e cinco anos não estão matriculadas. O próprio TCE estima que, mantido o ritmo atual de investimentos, o Rio Grande do Sul levará pelo menos 10 anos até atingir os 100%.
Responsáveis pelo estudo, os auditores do Tribunal de Contas Hilário Royer e Débora Brondani explicam que os repasses do Fundeb são feitos de acordo com o número de alunos em cada etapa de ensino (educação infantil e ensino fundamental). Porém, não é obrigatório que os municípios invistam o valor repassado na etapa correspondente.
"Se todo o valor recebido do Fundeb para a educação infantil fosse aplicado nesta etapa, haveria acréscimo de um terço nos atuais investimentos feitos pelos municípios gaúchos", diz Hilário Royer.
Secretaria de Educação Básica do Ministério da Educação (MEC), a professora Maria Beatriz Luce reconhece as dificuldades em destinar os recursos do Fundeb. De acordo com ela, é preciso discutir no Congresso Nacional a mudança nas regras do fundo contábil para que os recursos sejam "carimbados" para etapa, que tem custos superiores aos demais níveis de ensino.
"Por enquanto não estamos trabalhando com isso (mudança no Fundeb), mas é um assunto que pode vir a ser analisado. A educação infantil tem custos superiores aos custos do ensino fundamental, principalmente a creche porque o número de professores necessário é maior", afirma.
Especialista em políticas públicas na educação infantil, a professora da UFRGS Maria Luiza Rodrigues Flores afirma que a creche e a pré-escola ainda são vistas pelos gestores municipais como meras medidas assistencialistas, sem prioridade no processo educacional. "A educação infantil como etapa reconhecida no processo educacional é um modelo recente. O atendimento nas creches começou como uma medida assistencialista, e assim ainda é vista por muitos gestores", afirma.
"Nós sabemos que algumas formas de apoio à educação infantil não estão sendo aproveitadas pela maioria dos municípios porque eles não conseguem ampliar as vagas em função dos limites da Lei de Responsabilidade Fiscal", justifica.
Segundo ela, os valores repassados pelo MEC aos municípios têm diminuído nos últimos anos porque as prefeituras não conseguem melhorar a oferta da educação infantil sem novas contratações de professores.
Procuradora diz que o problema não está na lei, mas na gestão
Coordenadora do Centro de Apoio Operacional da Infância e Juventude do Ministério Público, a procuradora Maria Regina Fay de Azambuja afirma que o problema no cumprimento das metas para a educação infantil no Rio Grande do Sul não está na legislação, e sim no reconhecimento desta etapa de ensino como fundamental no processo educativo.
"Nós ainda temos dificuldade de ver a importância da educação infantil na formação de crianças e adolescentes. É evidente que os municípios têm sobrecarga de atribuições e competências, mas as verbas precisam ser canalizadas para aquilo que é prioridade absoluta".
O Ministério Público gaúcho criou um grupo de trabalho com o TCE e a Federação das Associações de Municípios (Famurs) em 2012 para monitorar o cumprimento das metas para a educação infantil. Desde então, foram assinados termos de ajustamento de conduta (TACs) com 68 cidades que têm déficit de vagas na educação infantil. O objetivo é chegar a 2016 – prazo para a universalização da pré-escola - com todas as crianças em sala de aula. "Quem não cumprir as metas, vamos ajuizar ações", avisa a procuradora.
Além da universalização da pré-escola para crianças de quatro e cinco anos até 2016, o Plano Nacional de Educação (PNE), sancionado pela presidente Dilma Rousseff em junho, prevê que em 10 anos 50% dos meninos e meninas com até três anos de idade estejam matriculados em creches. Hoje o Rio Grande do Sul atende apenas 25,44% das crianças desta faixa etária.