Em um estúdio de produção iluminado no Museu Americano de História Natural em fevereiro, 12 artistas trabalhavam duro, de cabeça baixa e superconcentrados.
Em um canto, um escultor estava modelando a argila para criar um réptil voador do tamanho de um gato, o rhamphorhynchus, utilizando os traços deixados pelo animal em uma pedra escavada em Utah. Em uma sala isolada, com roupas especiais e máscaras de respiração, uma equipe de três pessoas estavam criando outro tipo de pterosauro, como são conhecidos os répteis voadores: um tropeognathus de quase três metros feito de espuma, fibra de vidro, e massa epóxi em torno de uma estrutura de alumínio.
Porém, no meio disso tudo estava o chefão - o quetzalcoatlus de 8,5 metros, com a mesma envergadura de um caça a jato e a cabeça do tamanho de uma canoa. A estrela da próxima exposição do museu, Pterosaurs: Flight in the Age of Dinosaurs, tem quatro artistas trabalhando nela em tempo integral desde dezembro do ano passado.
A escultora Hannah Rawe estava sentada ao lado de um animal cheio de espuma, raspando os pelinhos de seu ombro gigantesco. Em determinado momento, ela parou para perguntar ao chefe onde os cabelos deveriam terminar e a pele lisa deveria começar novamente. Eles enviaram um e-mail a Alexander Kellner, um dos dois curadores da exposição, paleontólogo do Museu Nacional, no Brasil. Pare no pulso, ele instruiu. E foi isso que Rawe fez.
Com cada nova exposição, incluindo Darwin, Whales: Giants of the Deep, The Power of Poison e agora esta exposição com o pterossauro, os cientistas transformam os conceitos em obras visuais. E os artistas exibem pacientemente as minúcias científicas dos especialistas do setor.
- Essa é a oficina do Papai Noel aqui no museu. Essas são as pessoas que criam tudo isso, afirmou o porta-voz do museu, Roberto Lebron, sobre o estúdio de exposições, no quinto andar.
Nos últimos 90 anos, artistas e escultores - conhecidos como preparadores de museu - trabalharam nessa sala. A taxidermia das exibições e cenas mais famosas do museu foi feita aqui nos anos 1930. Nas paredes do estúdio há chifres, peixes e moldes de espécimes antigos, bem como uma foto em preto-e-branco de trabalhadores raspando a pele de um elefante para o Salão Akeley de mamíferos africanos.
Da ideia à exposição
Esses animais ainda enchem as salas do museu, como se estivessem congelados no tempo. Contudo, a atividade intensa que acontece atualmente no estúdio nunca parece chegar ao fim. Geralmente o museu apresenta duas exposições especiais por ano, com os trabalhos de uma começando justamente quando a outra acaba. A criação de cada exposição começa da mesma forma, com os executivos que administram o museu aprendendo e dando ideias aos curadores de cada exposição - desta vez os responsáveis são Kellner e Mark A. Norell, chefe de paleontologia do museu, que já fez a curadoria de mais exposições que qualquer outra pessoa da equipe.
Norell e seus colegas cientistas trabalham lado a lado com os artistas para fazer os desenhos de cada espécime. Juntos, eles decidem qual será a aparência da criatura, com base nos fósseis e nos materiais de pesquisa, e depois em que posição ela ficará: voando, batendo as asas, de boca aberta, ou fechada. As cores de um animal extinto há milhões de anos pode ser muitas vezes determinada por melanossomas - corpos intercelulares que podem ser preservados pelos fósseis. Quantidades diminutas de resíduos químicos que indicam alguma coloração podem estar presentes.
Com base em discussões e pesquisas, os artistas fazem seus desenhos, que devem ser aprovados por Norell, geralmente com algumas idas e vindas. Depois disso tudo, a equipe dá início ao processo de construção.
Alguns membros da equipe de exposições têm formação em biologia, e fazem boa parte da pesquisa por conta própria. Jason Brougham, que está trabalhando em uma cena para a próxima exposição, pesquisou o pterossauro e os peixes que seriam incluídos, bem como as plantas que pertenciam ao início do período Cretáceo. Ele deu indicações sobre a anatomia para muitos outros artistas.
Embora a maior parte da equipe ainda estivesse trabalhando na exposição "O poder do veneno" este ano, Brougham já estava imerso no mundo dos dinossauros voadores e seu meio ambiente. Ele trabalhou com John Maisey, um paleontólogo da equipe, que fez escavações na Formação Romualdo, área rica em fósseis no Brasil. Brougham fez graduação em biologia, e passou a atuar como ilustrador científico, realizando seu mestrado em artes plásticas, com foco em pintura. No museu, suas outras criações incluem réplicas do cérebro humano e modelos de cobre das proteínas do genoma.
- Vim para Nova York para me tornar um grande pintor. Mas consegui um emprego aqui e me apaixonei completamente pela arte científica, reconstruindo animais extintos. Realmente encontrei minha vocação. E adora os coquetéis do museu: investidores bilionários e crianças de cinco anos conversam com o mesmo interesse, afirmou Brougham.
Para a cena, Brougham também trabalhou ao lado de Kellner, utilizando o fóssil do crânio de um thalassodromeus, a partir de onde extrapolaram qual teria sido a aparência do restante do animal. Eles examinaram uma espécie de pterossauro similar, a tupuxuara, para recriar o restante do corpo.
- A maioria das perguntas que os artistas nos fazem não tem resposta, afirmou Kellner. Mas quanto mais pesquisas são feitas, maior a certeza de como seria um animal que está extinto há 66 milhões de anos.
Os curadores observam o processo de perto, passeando pelo local de tempos em tempos, ou, quando estão distantes, recebendo fotos do progresso e indicando alterações e sugestões. Além disso, uma reunião semanal é realizada para discutir o progresso da exposição.
Um alvo móvel
Às vezes, as mudanças na ciência ocorrem tão rapidamente que as criações artísticas precisam mudar consideravelmente. Por exemplo, Michael Habib, consultor científico especializado na aerodinâmica do pterossauro, estava prestes a publicar um novo estudo, e sugeriu que os corpos de todos os modelos ficassem um pouco mais magros. Os pés do quetzalcoatlus também passaram por enormes modificações: em vez de cinco, apenas quatro dedos em cada pé; além disso, eles foram encurtados e as unhas retiradas.
As mudanças no quinto andar foram então relatadas para os artistas multimídia dois andares abaixo, para que seu trabalho - que inclui imagens digitais do pterossauro voando - ficassem de acordo. Ao invés de ficarem frustrados com as mudanças constantes em suas criações, a maioria dos artistas parece ter orgulho de trabalhar com perfeição.
Tom Doncourt, artista e ex-carpinteiro que fez o esboço original do quetzalcoatlus para a exposição com base no esqueleto do museu, afirmou que o desafio colocado pelas rápidas mudanças de informação não ocorre apenas na ciência dos répteis pré-históricos. O Salão das Origens do Homem, construído nos anos 1990, ficou rapidamente ultrapassado por conta das descobertas antropológicas, afirmou.
- Às vezes a coisa fica obsoleta no segundo em que terminamos de fabricá-la, afirmou Doncourt, atual preparador sênior no museu.
Mick Ellison, que trabalhou com Norell por 24 anos fotografando fósseis e reconstruindo animais a partir deles, afirmou que não gosta de se basear em desenhos anteriores, pois é impossível garantir sua precisão. Segundo ele, os erros podem ser transmitidos de um artista para o outro, ano após ano. Na exposição das baleias, que ficou em cartaz no ano passado, Ellison, artista sênior no museu, usou uma mandíbula para recriar um andrewsarchus inteiro, um parente terrestre muito distante das baleias.
- Era esse animal enorme e peludo que sempre teve uma aparência completamente errada, se olharmos com atenção para o fóssil. Não se parecia nem um pouco com o que era utilizado nos programas do Discovery Channel e nos filmes de dinossauros, afirmou Ellison.
Por isso, Ellison prefere sempre começar os projetos do zero. - É muito bom se aproximar da verdade, afirmou.
Ciência
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