Se a emissão de gases de efeito estufa se mantiver em sua escalada constante, as temperaturas da maior parte da Terra vão subir a níveis sem precedentes entre os registrados ao longo deste século, afirmaram pesquisadores recentemente.
Cientistas da Universidade do Havaí em Manoa calcularam que por volta de 2047 - cinco anos a mais, cinco anos a menos -, as temperaturas médias de cada ano vão ser mais quentes na maioria das regiões do planeta do que tinham sido nos mesmos locais em qualquer ano entre 1860 e 2005.
Em outras palavras, para uma dada área geográfica, "os anos mais frios do futuro terão temperaturas mais altas do que os mais quentes do passado", disse o Dr. Camilo Mora, principal autor de um artigo publicado na revista Nature.
Essas temperaturas sem precedentes atingirão ainda mais cedo os trópicos, conforme prevê o grupo de Mora, colocando cada vez mais pressão sobre as sociedades humanas que vivem nessas regiões, sobre os recifes de corais que fornecem peixes para a alimentação de milhões de pessoas, e sobre as maiores florestas do mundo.
- Voltem no tempo e pensem no evento mais quente e traumático que já experimentaram. O que estamos dizendo é que, rapidamente, esse evento vai se tornar normal - disse o Dr. Mora em uma entrevista.
A pesquisa traz algumas ressalvas. Ela se baseia em modelos climáticos, programas de computador complexos que tentam reproduzir a física do sistema climático e prever reações futuras ao efeito estufa. Apesar de serem as melhores ferramentas de que dispomos, há consenso quanto ao fato de que esses modelos têm problemas, e não está claro até que ponto são precisos a ponto de prever o que acontecerá daqui a muitas décadas.
Os modelos mostram que a incidência dessas temperaturas médias inéditas pode ser adiada em 20 a 25 anos se houver um vigoroso esforço mundial para colocar as emissões sob controle. Embora possa não parecer que falta muito tempo, os cientistas disseram que com o corte nas emissões, a natureza e a sociedade humana poderão dispor de um tempo fundamental para se adaptar, bem como para desenvolver tecnologias capazes de contribuir para reduzir ainda mais as emissões.
Para outros cientistas que não estiveram envolvidos com a pesquisa, a desaceleração das emissões teria um efeito maior no longo prazo, diminuindo o risco de que as temperaturas chegassem ao ponto de desencadear mudanças catastróficas. Eles elogiaram o artigo, afirmando que ele propõe uma forma nova de apresentar informações conhecidas por especialistas da área, mas não pelo público mais amplo.
- Se as tendências atuais de emissão de dióxido de carbono continuarem, a maioria dos ecossistemas do mundo estará sendo levada a enfrentar condições climáticas que não experimentou durante muitos milhões de anos - disse Ken Caldeira, climatólogo do Instituto Carnegie de Ciência, em Stanford, Califórnia.
O artigo de Mora é uma raridade: um projeto de sala de aula que se transformou em um artigo de alto nível publicado em uma das mais prestigiadas revistas científicas do mundo.
Mora não é climatólogo, mas é especialista na utilização de grandes conjuntos de dados para iluminar questões ambientais. Ele pediu que uma turma de alunos de pós-graduação analisasse as previsões produzidas por 39 dos modelos climáticos mais importantes do mundo. Os modelos, cujos resultados estão disponíveis publicamente, são operados por 21 centros de pesquisa em 12 países, e financiados, em grande parte, pelos governos.
Milhares de artigos científicos foram publicados sobre os resultados do modelo, mas os alunos identificaram uma área de análise que estava faltando. Os resultados são geralmente relatados sob a forma de mudanças de temperaturas médias em todo o planeta. Todavia, isso não esclarece como as mudanças de temperatura em locais específicos podem ser comparadas às médias ao longo da história.
- Queríamos oferecer às pessoas uma forma realmente acessível de entender o clima - disse Abby G. Frazier, doutoranda em Geografia.
Assim, Mora e seus alunos dividiram a Terra na forma de uma grade, com cada célula representando mil quilômetros quadrados. Tirando a média dos resultados dos 39 modelos climáticos, eles calcularam a data que eles chamaram de "ponto de virada climática" de cada localidade - a data após a qual todos os anos futuros tinham previsão de ser mais quentes do que qualquer outro ano já registrado historicamente em um dado ponto do globo.
Os resultados sugerem que se as emissões de gases de efeito estufa continuarem altas, mais de metade da superfície da Terra, após 2047, vai sofrer com climas anuais mais quentes do que qualquer outro registrado entre 1860 e 2005, período em que foram registrados dados históricos de temperatura e reconstruções. Se os esforços para diminuir as emissões forem assíduos, essa data pode ser adiada para 2069, constatou a análise.
Com a técnica utilizada pelo grupo de Mora, é possível especificar os pontos de virada climática de cada cidade específica. Sob altas emissões, o ponto de virada climática de Nova York ocorrerá em 2047, descobriu a pesquisa, com uma margem de erro de mais ou menos cinco anos, para mais ou para menos. A redução das emissões postergaria o ponto de virada para 2072.
Para Pequim, o ponto de virada climática, sob altas emissões, chegaria em 2046, ou, sob emissões mais baixas, em 2078. As datas para Moscou são 2063 e 2092 e para Washington, 2047 e 2071.
Talvez os trópicos tenham trazido os resultados mais impressionantes. A variabilidade climática nessa faixa é muito menor do que nas latitudes altas, e o calor adicional que está sendo retido pelos gases de efeito estufa fará a temperatura se elevar para além dos limites registrados historicamente muito mais cedo, constatou a pesquisa. Sob altas emissões, identificou o artigo, a Cidade do México terá como ponto de virada climática o ano de 2031; em Jacarta, na Indonésia, e Lagos, na Nigéria; ele ocorrerá em 2029; em Bogotá, na Colômbia, em 2033.
Muitas pessoas acreditam que as mudanças climáticas mais graves estão acontecendo nos polos, e de fato as maiores variações absolutas de temperatura estão ocorrendo no Ártico e em partes da Antártida. Contudo, o artigo de Mora, reiterando pesquisas anteriores, sugere que os maiores riscos para a natureza e para a sociedade humana, pelo menos no curto prazo, podem estar nos trópicos.
As populações que vivem nos trópicos geralmente são pobres, com menos recursos para se adaptar às mudanças climáticas do que as pessoas dos países ricos de latitudes médias que queimam a maioria dos combustíveis à base de carbono, contribuindo para a maior parte das emissões. As plantas e os animais dos trópicos também estão acostumados a uma estreita faixa de temperatura. Os organismos que não têm a capacidade genética de se adaptar às rápidas mudanças climáticas serão forçados a migrar. Do contrário, dizem os climatólogos, entrarão em extinção.
- Estou certo de que haverá enormes consequências biológicas e sociais. No entanto, não posso ainda dizer detalhes específicos do que vai acontecer - disse Mora.