A cobra é um animal de que a maior parte das pessoas tem repulsa e medo. Isso porque muitos acreditam que todas elas são venenosas e perigosas, o que não é verdade, já que o ser humano não é uma presa em potencial, a não ser que adentre o seu território. As espécies venenosas desses bichos de pele seca, aliás, ajudam na produção de anticorpos contra o seu próprio veneno. É isso que faz o Núcleo Regional de Ofiologia, em Porto Alegre. Lá, é feito um trabalho pioneiro no Estado. Eles são responsáveis por enviar a metade da peçonha que o Instituto Vital Brazil, no Rio de Janeiro, usa para a produção desses remédios, os chamados soros antiofídicos.
O trabalho começa quando as cobras - peçonhentas ou não - são capturadas e levadas ao arborizado Jardim Botânico da capital, onde fica o Nopa e o seu serpentário de pesquisa. Pessoas de todo o Estado, geralmente moradores de zonas rurais, temerosos pelo contato dos répteis com a família, tiram as cobras de suas propriedades e levam-nas ao núcleo de pesquisas, muitas vezes sem acionarem o Ibama, como é o recomendado. Lá, elas são catalogadas e tratadas. Atualmente, há 450 cobras de 13 espécies diferentes no espaço - sete delas peçonhentas.
Multimídia:
>> Veja fotografias das cobras peçonhentas que ocorrem no Estado
>> Veja em vídeo como é feita a extração de peçonha das serpentes:
- Às vezes, elas chegam em caixas de papel ou de plástico. Algumas estão prestes a dar o bote por terem sido tiradas de seu habitat de uma forma por vezes truculenta. O recomendado nesses casos sempre é ligar para o Ibama primeiro - explica Maria Lúcia Machado Lopes, bióloga do centro de pesquisas, que pertence à Secretaria Estadual da Saúde.
Pela coloração facilmente camuflável no meio ambiente, há, segundo dados do Sistema Nacional de Informações Toxico-farmacológicas, em torno de 25 mil casos registrados de picadas de cobras no país anualmente. Em território gaúcho, algumas regiões exigem um cuidado redobrado para não ocorrer algum acidente.
As cascavéis, por exemplo, são facilmente encontráveis em lugares altos e pedregosos da Serra, principalmente nos municípios de São Francisco e Bom Jesus. O barulho da série de anéis encaixados uns nos outros e de um material semelhante à unha humana produz o som de um chocalho no momento em que a cobra balança a sua cauda. É o seu alerta para avisar à presa ou predador que ela está armada para o bote, que atinge até dois terços de seu tamanho - em uma fase adulta, há cascavéis que chegam a dois metros de comprimento. O seu veneno é fortíssimo, em virtude das duas glândulas do tamanho de uma bola de gude escondidas em sua cabeça triangular e de agentes que paralisam a musculatura e os sistemas respiratório e renal.
Mais silenciosa, mas igualmente fatal, é a cruzeira. Conhecida dos estancieiros da Campanha, o animal é uma das espécies mais encontradas no Estado. Diferentemente da cascavel, a cruzeira tem uma peçonha que age provocando hemorragia bucal e edema no local da picada - a mordida das serpentes é semelhante a aplicação de duas injeções, pois os seus dentes afiadíssimos rasgam a pele e a musculatura e introduzem o veneno na presa.
Embora algumas sejam fatais aos seres humanos, as cobras não atacam sem motivo.
- A coral, por exemplo, não come animais de sangue quente. Ela se nutre de outras cobras ou de lagartos sem pata. Então, não é um animal que nos representa perigo. A não ser que ela esteja sendo verdadeiramente ameaçada, ela não vai atacar. As demais também só dão o bote se invadirmos o seu território, pisarmos nelas ou tentarmos matá-las - aconselha a pesquisadora do Nopa, com a experiência de 39 anos lidando com os mais diferentes tipos de serpentes.
Em caso de emergência: se for picado por uma cobra, procure imediatamente o posto de saúde ou hospital mais próximo. A recomendação dos especialistas é que o ferimento seja tratado em até três horas. Passado esse tempo, pode ocasionar sequelas. Em Porto Alegre, o centro de excelência em tratamento de pessoas mordidas por serpentes é o Hospital de Pronto Socorro.
O NOPA
- O Núcleo Regional de Ofiologia foi criado em 1987.
- Desde 2008, mantém uma parceria com o Instituto Vital Brazil. O laboratório carioca produz anualmente 233 mil ampolas de soro antiofídico, que são distribuídas em todo o país
- Há 450 cobras de 13 espécies diferentes
- Além das venenosas, o Nopa possui jiboias, corais falsas, pítons, nuturanas, cobras do milho e salamantas.
COMO VISITAR
O serpentário de exposição do Núcleo Regional de Ofiologia funciona no prédio da Fundação Zoobotânica, no Jardim Botânico de Porto Alegre.
- O serpentário conta com alguns exemplares da sala de estudos
- Abre ao público das 10h às 12h e das 13h às 16h, de terça-feira a domingo
- Não é permitido acesso à área de pesquisa, onde estão as 450 cobras e onde é feita extração do veneno das serpentes peçonhentas. A visitação só é permitida para fins de pesquisa e sob prévia autorização
- O ingresso para o parque do Jardim Botânico custa R$ 4. Estudantes e pessoas acima de 60 anos pagam meia entrada. Crianças de até dez anos são isentas
- O Museu de Ciências Naturais da Fundação Zoobotânica do RS abre das 10h às 12h e das 13h às 17h. Lá, o público pode conferir coleções de plantas, moluscos, aves, mamíferos, aranhas, fósseis e cobras. Todos os animais do museu estão mortos
- Informações pelo telefone (51) 3320-2033 e pelo site www.fzb.rs.gov.br
A EXTRAÇÃO DO VENENO DAS COBRAS
1 - O Nopa é conhecido nacionalmente na área de ofiologia por extrair o veneno de uma espécie de jararaca que só se encontra na Região Sul, a Bothrops jararaca. Ela produz mais proteína que as as outras de sua subcategoria. Por isso, o Instituto Vital Brazil, segundo maior laboratório de produção de medicamentos toxicológicos do país, firmou uma parceria em 2008 com o Nopa para a extração do veneno da jararaca gaúcha.
2 - Embora haja mais demanda pelo veneno da jararaca, há muitos pedidos pela peçonha da cascavel. Em média, são coletados apenas 10 ml por vez de cada cobra. Para uma nova retirada, os pesquisadores esperam dois meses para dar tempo de reposição da peçonha às glândulas dos répteis.
3 - A cascavel armazena até 100 vezes mais veneno que outras cobras por ter glândulas maiores, além do corpo e cabeça robustos. "Eu ainda tenho um pouco de medo delas. Das outras espécies não, mas elas são mais ariscas. É comum tomarmos sustos trabalhando aqui", diverte-se Acácia Britto Winter, 23 anos, bolsista e estudante de biologia da Unilasalle, que está há dois anos no emprego.
4 - A extração do veneno da cobra tem que ser feita por duas pessoas pelo menos. Após pegarem-nas com a ajuda de um cabo, uma funcionária segura o béquer e a outra comprime as glândulas da cobra, que se encontram atrás dos dentes. As glândulas expelem a peçonha, e o copo é retirado e vedado para posterior análise. A cobra é devolvida ao seu cativeiro.
5 - Desde o ano passado, o Nopa faz extração também do veneno das cobras corais. Atualmente, o laboratório carioca está em fase de pesquisa para a fabricação do soro antielapídico, que só pode ser fabricado com o veneno dessa espécie.