A prefeitura de Conselheiro Lafaiete, município de Minas Gerais a cerca de 100 quilômetros de Belo Horizonte, anunciou nesta quarta-feira (19) a suspensão do uso do livro O Menino Marrom, escrito e ilustrado pelo também mineiro Ziraldo, em suas escolas. A medida foi tomada após a reclamação de um grupo de pais.
A obra infantil, publicada em 1986, fala sobre a amizade entre um menino marrom e outro cor-de-rosa. Em 32 páginas, Ziraldo descreve a vida dos dois personagens e conta sobre suas peripécias de crianças descobrindo o mundo. A curiosidade dos meninos acerca das cores traz à tona, de uma maneira lúdica, questões sobre diversidade racial.
Na página de venda do livro no site da Amazon, a idade sugerida para a leitura, por quem comprou a obra, é para crianças de cinco a nove anos.
Os trechos criticados pelo grupo de pais se desenrolam em poucas linhas das páginas 24, 26 e 27. Em um deles, ao ter a sua oferta de ajudar uma velhinha a atravessar a rua recusada de forma rude, o menino marrom passa a ir, todas as manhãs, observar a travessia da idosa. Perguntado pelo amigo o porquê, ele responde: "Eu quero ver ela ser atropelada."
No outro trecho apontado pelos pais, os meninos, já mais velhos, lembram de um episódio na infância em que fizeram um "pacto de sangue" de brincadeira. Primeiro, os pequenos pegam uma faca na cozinha, mas ninguém tem coragem de furar os pulsos para misturar o sangue. Trocam, então, por um alfinete para furar o dedo – ideia também descartada e substituída pelo uso de tinta vermelha para assinar um documento de amizade eterna. Na falta de tinta vermelha, os amigos usam, no fim das contas, a cor azul no contrato.
Em nota de esclarecimento sobre a censura, a prefeitura de Comendador Lafaiete, ela própria, chama O Menino Marrom de "uma das principais obras infantis a abordar os temas sociais", que "aborda de forma sensível e poética temas como diversidade racial, preconceito e amizade". O município entende o livro como "um recurso valioso na educação, pois promove discussões importantes sobre respeito às diferenças e igualdade", e que, ao apresentar esses temas desde cedo, "ajuda a construir uma base sólida para o desenvolvimento de atitudes positivas e inclusivas nas novas gerações".
Apesar do enaltecimento ao título, a prefeitura determinou a "suspensão temporária dos trabalhos realizados sobre o livro", para "melhor readequação da abordagem pedagógica", a fim de evitar "interpretações equivocadas". A Secretaria de Educação do município pontua "ser necessário momento de diálogo junto aos responsáveis para que não sejam estabelecidos pensamentos precipitados e depreciativos em relação às temáticas abordadas". Mesmo assim, defende a qualidade das obras de seu acervo e salienta que "todo o planejamento pedagógico perpassa pelos documentos norteadores que regem a educação nacional e se baseia no desenvolvimento integral dos estudantes".
Responsável pela publicação deste e outros livros de Ziraldo, a Editora Melhoramentos reforçou, em nota, que mantém o legado do cartunista e "é reconhecida por sua criteriosa curadoria e avaliação de títulos", contando, ainda, com autores como Mauricio de Sousa, José Mauro de Vasconcelos, Pedro Bandeira, Ricardo Azevedo, Manuel Filho e Eliana Martins.
Sobre Ziraldo, a Melhoramentos defende que é um dos autores infantojuvenis de maior expressividade na cultura brasileira, que apresenta capacidades como "equilibrar humor, sensibilidade e temas relevantes como diversidade e inclusão" que o destacam como um "mestre na arte de contar histórias".