Oferecida para quase 130 mil pessoas em 2021, a Educação Profissional e Tecnológica (EPT) do Rio Grande do Sul precisa mais do que duplicar o número de matrículas para cumprir a meta prevista nos planos nacional e estadual de educação, de atender 315,9 mil alunos até 2024, metade deles na rede pública.
Para isso, a modalidade, que serve como ponte entre a escola e o mundo do trabalho, tem passado por uma reorganização que envolve desde a elaboração de um planejamento para os próximos 10 anos até a criação de novos cursos e a atualização do currículo dos já existentes.
Leia também a segunda parte da reportagem: Aposta do governo do RS, cursos técnicos gratuitos apresentam alunos ao mundo do trabalho
Em entrevista recente, a secretária estadual de Educação, Raquel Teixeira, revelou uma confiança no potencial do Rio Grande do Sul de se tornar um modelo nacional em Educação Profissional, potencializado diante da criação de um eixo focado nessa área de conhecimento, a partir da reforma do Ensino Médio.
— Ninguém no Brasil sabe fazer isso direito, nem nós, mas temos aqui uma Educação Profissional consolidada. Temos 157 escolas técnicas profissionais e um volume grande de cursos. (...) Estamos mais avançados do que outros Estados do Brasil, no sentido de fazer uma proposta sobre como trabalhar o quinto itinerário do Ensino Médio. Temos um potencial grande aí — destacou a secretária.
O Plano Decenal da Educação Profissional e Tecnológica do Rio Grande do Sul foi elaborado e apresentado ao longo do ano passado, com previsão de ações a serem implementadas a curto, médio e longo prazo de 2023 a 2032. A projeção da rede estadual – a maior das públicas, hoje, em número de matrículas – é ampliar dos 25.488 alunos inscritos em 2022 para 115.917 até 2032. Nessa quantidade, incluem-se tanto os cursos frequentados ao longo do Ensino Médio quanto após a sua conclusão.
Segundo dados do plano decenal, das 129,7 mil matrículas existentes na Educação Profissional, 63,6 mil eram em instituições privadas e 66,1 mil em públicas. Nestas, a maior rede era a estadual, com 36,5 mil estudantes, seguida da federal, com 27,6 mil, e da municipal, com 1,9 mil. Entre 2007 e 2021, o número total de vagas aumentou em cerca de 30 mil, alavancado especialmente pelas redes privada e federal.
Conforme Gabriel Grabowski, professor e pesquisador da Universidade Feevale, houve uma redução no número de matrículas desde 2015, quando se chegou a um pico de 132 mil estudantes na modalidade:
— Regredimos nas duas últimas gestões estaduais, descumprindo os planos nacional e estadual. A queda só não foi maior porque os três institutos federais com campus em 56 municípios aumentaram a oferta pública no Brasil e no Rio Grande do Sul. Antes disso, havia um crescimento contínuo de matrículas impulsionado por programas federais, como o Pronatec.
A educação precisa escutar e dialogar com os processos e relações locais e regionais
GABRIEL GRABOWSKI
Professor e pesquisador da Universidade Feevale
À frente da Superintendência de Educação Profissional do Estado do Rio Grande do Sul (Suepro), Bruno Anicet Bittencourt considera que o grande desafio, dentro da reformulação que se está fazendo é pensar em cursos atrativos não só para os alunos, como também para o mundo do trabalho.
— Essa é uma articulação que temos feito com o próprio setor produtivo, para que esses cursos façam sentido e a gente possa, ao mesmo tempo, ter mais alunos, diminuir a taxa de evasão e garantir a entrada dos estudantes no mundo do trabalho — observa Bittencourt.
Nos últimos anos, já foram modernizados os currículos dos cursos de agropecuária, informática, administração e eletrotécnica. Ao longo deste ano, as escolas estão com a missão de fazer um planejamento de suas reformulações, que será analisado e autorizado ou não pelo Conselho Estadual de Educação (CEEd). As mudanças deverão ser implementadas a partir de 2024. Um dos cursos criados será o de Energias Renováveis, em Osório, em parceria com governos locais e iniciativa privada. Outro, já com um piloto em andamento, é ligado ao funcionamento de startups.
Essa reformulação vai ao encontro do que Gabriel Grabowski entende ser o caminho para a EPT. No entanto, o docente chama a atenção para a existência de estruturas ligadas à sociedade civil e a setores produtivos que deveriam estar mais conectados a esse projeto, como os Arranjos Produtivos Locais (APLs) e os Conselhos de Desenvolvimento Regionais (Coredes).
— Entendo que falhamos na articulação de políticas e programas de desenvolvimento, tecnologia e inovação, trabalho e renda com a educação. Todas essas áreas precisam ser partes efetivas de um projeto de desenvolvimento. A educação precisa escutar e dialogar com os processos e relações locais e regionais — destaca Grabowski.
Quem tem se dedicado à ampliação da Educação Profissional e criou, inclusive, o Observatório EPT, que monitora a ampliação das matrículas e as boas práticas no segmento, é o Itaú Educação e Trabalho. Em 2022, a entidade teve atuação direta em atividades nessa modalidade em 16 Estados, entre eles, o Rio Grande do Sul, onde foi parceira no desenvolvimento do plano decenal.
De acordo com a gerente de implementação e desenvolvimento do Itaú Educação e Trabalho, Cacau Lopes da Silva, apesar de o percentual de matrículas na rede gaúcha de EPT não ser expressivo – está em 41% da meta, atualmente – o Estado sai na frente no momento em que já possui uma estratégia de expansão desenhada e aprovada.
— O RS optou por cenários mais acelerados de expansão da oferta de Educação Profissional que têm uma lógica interessante, porque preveem tanto a criação de novos cursos como o aumento da taxa de ocupação dos já existentes. Olhando para o plano e a estratégia, o Estado está pronto para chegar perto do atingimento da meta — pontua Cacau.
O Programa de Aprendizagem Profissional costuma ser muito ofertado pelo Sistema S e por entidades como o CIEE e, agora, também vamos começar a ofertar isso para as escolas profissionais
BRUNO ANICET BITTENCOURT
Superintendente de Educação Profissional do Estado do Rio Grande do Sul
Um desafio comum a todos os Estados, conforme a gerente da entidade, é a formação de professores para a EPT. Como muitos não têm uma trajetória ligada à educação, a capacitação pedagógica desses docentes se torna ainda mais importante.
— É importante ter parceria com os institutos federais, com o Sistema S. Também existe o gargalo de criar momentos de planejamento comuns entre os professores técnicos e os das escolas regulares. O Rio Grande do Sul está preocupado com isso, e é importante que esteja, porque esse professor não pode ser apartado da equipe pedagógica. Mas isso não é simples, porque é um desafio gigantesco organizar os horários de todos — avalia Cacau.
Grabowski ainda cita que é necessária uma política de valorização e carreira mais atrativa do que a executada até o momento, e que “o Estado do RS questionou o piso do magistério desde o início”.
Jovem Aprendiz
Outra ação em fase de instalação que deve ser ampliada nos próximos anos é o Programa de Aprendizagem Profissional, popularmente conhecido como “Jovem Aprendiz”, para pessoas de 14 a 24 anos. Uma portaria alterou algumas das diretrizes dessa política e incluiu a previsão de empresas contratarem aprendizes oriundo da Educação Profissional por uma bolsa de meio salário-mínimo, o que hoje já existe em formato piloto em duas escolas e deve passar por uma ampliação gradual.
— O Programa de Aprendizagem Profissional costuma ser muito ofertado pelo Sistema S e por entidades como o CIEE e, agora, também vamos começar a ofertar isso para as escolas profissionais. Acho que isso vai fazer diferença, poque dá ao jovem de baixa renda mais condições de fazer o curso e já ter uma inserção no mundo do trabalho. Acho que teremos um ponto de inclusão dessa base da pirâmide bem relevante — avalia o superintendente da Suepro.
Grabowski salienta que a maioria dos adolescentes e jovens que procuram a EPT pertencem a famílias de baixa renda e que, portanto, precisam ajudar em casa ou gerar renda.
— Esses jovens precisam de assistência estudantil e auxílio de renda para estudar e se manter. O Brasil e o Rio Grande do Sul têm milhões de jovens pobres que, primeiro, trabalham para gerar renda, e, também, estudam. A subsistência básica vem em primeiro plano. Para estudares, precisam de apoio do Estado — afirma o docente.
Segundo Grabowski, esses jovens e adolescentes não têm condições de pagar duas ou quatro passagens diariamente e fazerem refeições ou lanches nas escolas, pois isso gera uma despesa muito alta. Com muitas escolas sem oferta de merenda para estudantes de cursos noturnos, o pesquisador entende que é preciso prever esses custos na assistência estudantil oferecida.
— É preciso articular as políticas de assistência social, educação e profissionalização — defende o professor.
Bittencourt ressalta que um problema a ser enfrentado é o desconhecimento da Educação Profissional por parte dos alunos – conforme pesquisa interna recente, 70% dos estudantes da rede estadual não sabem como a modalidade funciona e, muitas vezes, pensam até que precisa pagar para frequentar as aulas.
— Quando explicamos para os alunos como funciona, 90% se interessaram em participar. No ano passado, tivemos até que colocar uma faixa na frente do Parobé (escola técnica estadual em Porto Alegre) informando que havia vagas e que elas eram gratuitas, porque as pessoas não sabem — relata.
Hoje, cerca de 12% das escolas estaduais de Ensino Médio ofertam também cursos técnicos. Nos próximos 10 anos, a expectativa é chegar a 20%. Na Alemanha, que é referência em EPT, 70% das instituições com essa etapa também oferecem alguma modalidade de Educação Profissional.