O acesso universal à Educação Infantil é um desafio para as cidades brasileiras, como apresentado na primeira parte desta reportagem. Somente nas cinco maiores cidades do Rio Grande do Sul, a fila de espera por uma vaga para crianças de zero a cinco anos em creches e pré-escolas ultrapassa 12,6 mil vagas.
Enquanto o debate mobiliza o poder público, a enfermeira Sara Ferreira Zuanazzi, 37 anos, segue na batalha da vida real. Mãe de dois filhos, Lisie e Lucca Ferreira Zuanazzi, nove e três anos de idade, respectivamente, ela luta por uma vaga para o caçula na rede municipal de ensino de Porto Alegre desde 2020. Pelo terceiro ano seguido, a família seguiu todos os passos de inscrição e matrícula que a Secretaria Municipal de Educação exige, sem sucesso.
A situação é ainda mais delicada porque o menino é autista. Como o marido trabalha como segurança das 7h às 19h, Sara se desdobra para dar conta de tudo. Justamente por isso, precisa de uma creche perto de casa, no Bairro Santana.
— Pelo terceiro ano seguido, estamos na fila de espera da escolinha que fica mais perto, mas me disseram que tem cerca de 20 crianças na frente do Lucca. Nas outras duas - porque somos obrigados a selecionar três na hora da inscrição -, conseguimos vaga, mas é inviável por ser longe. Com o trânsito, eu corro o risco de perder o emprego — diz Sara.
As alternativas oferecidas devem ficar a até 2 quilômetros da casa da família, conforme a Defensoria Pública do Estado. As duas oferecidas para Lucca eram mais distantes do que isso. Sara já reduziu sua carga horária de trabalho para levar e buscar o caçula nos atendimentos médicos:
— Não posso fazer menos horas e ganhar ainda menos. O tratamento dele é caro e necessário. O Lucca está evoluindo, não podemos interromper o processo. É frustrante, estou muito ansiosa. Não tem como ser uma creche longe. Infelizmente, vou dizer para darem a vaga para outra criança. Olhamos as escolinhas particulares, mas não temos condições de pagar. Vamos tentar no ano que vem de novo — lamenta Sara.
Lucca não é um caso isolado. A distância entre a moradia e a escola é uma reclamação recorrente das famílias. Na capital, atualmente, 6,3 mil bebês e crianças de zero a cinco anos estão na fila de espera. Há regiões com maior e menor demanda e há poucas creches no Centro, por exemplo. A rede municipal de ensino tem 42 instituições próprias e 214 conveniadas, que atendem atualmente 28 mil alunos.
A Secretaria Municipal de Educação de Porto Alegre (Smed) afirma que tem trabalhado para reduzir o déficit e que, nos últimos dois anos, ampliou a oferta em creches em 3 mil vagas. Para acabar com a fila de espera, a pasta calcula que seriam necessários cerca de R$ 80 milhões, de imediato.
Caxias do Sul, Canoas, Pelotas e Santa Maria
Porto Alegre não é o único município com esse problema. GZH consultou as cinco maiores cidades do Estado. Em Caxias do Sul, atualmente, a fila de espera tem cerca de 2.506 crianças de zero a cinco anos de idade. A estimativa é de que seriam necessários R$ 30 milhões para sanar o déficit. Em Canoas, a demanda reprimida é apenas para creche, com 2.240 crianças de zero a três anos aguardando para serem chamadas. Para acabar com o déficit, o valor estimado seria de R$ 25 milhões.
Pelotas tem uma lista de espera de 1.648 vagas, de acordo com a Secretaria Municipal de Educação. Para colocar todas essas crianças em creches e pré-escolas, seriam necessários aproximadamente R$ 35 milhões.
A prefeitura de Santa Maria não informou uma estimativa de lista de espera. A explicação é que a cidade está em processo de matrículas na rede municipal de ensino. No entanto, caso haja compra de vagas para contemplar a todos que ficarem na lista de espera, é possível que o custo aumente em 150%, superando os 15 milhões anuais.
Municípios menores conseguiram zerar a fila
Daiane Both, 36 anos, voltou a trabalhar na segunda quinzena de janeiro, quando terminou a licença-maternidade. Como toda mamãe, o coração da vendedora de Dois Irmãos, no Vale do Sinos, ficou apertado com a "separação" da pequena Sofia, cinco meses. No entanto, como ela própria admite, esta é uma preocupação boa para os pais.
— Estamos muito felizes e tranquilos porque sabemos que ela está bem cuidada enquanto trabalhamos. Nós buscamos a vaga logo depois que eu saí do hospital e conseguimos. A Sofia está em adaptação, vem duas horas por dia, mas eu vejo que ela está feliz. O contato com outras crianças e com as tias está sendo ótimo. Como mãe, eu acho uma pena que nem todas as famílias tenham esse direito garantido — diz Daiane.
Segundo a Secretaria de Educação de Dois Irmãos, o município não tem fila de espera para a Educação Infantil há cinco anos. Atualmente, são atendidas 1.779 crianças de zero a cinco anos, em 12 escolas próprias da rede municipal e também na unidade da Fundação de Assistência Social de Dois Irmãos (Fadi). Ainda há vaga para cerca de 70 alunos. Este resultado foi alcançado com a abertura de novas turmas e constantes melhorias e ampliações nas escolas para atender a procura crescente. A prefeitura investe, por ano, pouco mais de R$ 19 milhões na Educação Infantil.
Campo Bom, também no Vale do Sinos, é outro município sem filas. Desde 2017, foram criadas quase 600 novas vagas no Ensino Infantil da rede pública municipal, 229 só em 2022, quando o déficit terminou. No Bairro Firenze, que ainda não tem atendimento, será construída uma nova escola infantil, com 190 vagas. Todas as 23 unidades oferecem turno integral para os 3,3 mil alunos de zero a cinco anos. A prefeitura também tem convênio com duas instituições privadas. No ano passado, o investimento na Educação Infantil foi de quase R$ 35,5 milhões.
Hoje, Henrique Werner da Silva tem um ano e dois meses. Ele vai na creche desde os quatro meses. A mãe, Fernanda Werner da Silva, 34 anos, é coordenadora pedagógica em Dois Irmãos. Segurança e tranquilidade são as palavras que definem a sensação de quem nunca precisou esperar para colocar o filho na escola.
— Eu não precisei aguardar. Assim que ele completou quatro meses, procurei e tinha vaga para ele. Meu marido e eu trabalhamos fora, então, nós não teríamos opção. Não sei como faríamos. O Henrique fica das 7h15in até as 18h. Ele tem todos os acompanhamentos, como alimentação, hora do soninho, momento das brincadeiras, estímulos educacionais, enfim, tudo. Ele adora e nós ficamos tranquilos — conta Fernanda.
O que fazer se não conseguir a vaga
Por causa da falta de vagas públicas e da impossibilidade das famílias de ficarem aguardando, a judicialização tem sido comum, segundo Andreia Paz Rodrigues, defensora pública e dirigente do Núcleo de Defesa da Criança e do Adolescente (Nudeca). Em Porto Alegre, a Defensoria Pública do Estado (DPE) fez um acordo com a Smed, que já garantiu acesso para 300 crianças até agora. Por este acordo, não havendo vaga na rede municipal ou conveniada, o município compra a vaga na rede particular. A escola oferecida deve ficar, no máximo, a dois quilômetros de distância da casa ou do trabalho dos pais ou responsáveis. Um novo acordo deve ser assinado em 2023. Uma das principais vantagens é a redução do tempo, da burocracia e dos custos.
— A DPE está em todas as comarcas para ajudar as famílias a conseguirem a vaga desejada. Em Porto Alegre, fizemos este acordo, mas em todas as nossas sedes têm defensores públicos para auxiliar a população. A DPE se dedica aos casos das crianças em maior situação de vulnerabilidade social, com renda familiar mensal de até três salários mínimos. Mas isto não significa que os pais com condições de pagar um advogado não possam entrar na Justiça. Podem — explica Andreia.
A defensora informa que o procedimento pode mudar um pouco em cada cidade, mas, de modo geral, os documentos necessários são os seguintes:
- RG/CPF dos pais ou responsáveis.
- Comprovante de residência.
- Comprovante de renda familiar (caso os pais estejam separados, o comprovante da pensão alimentícia).
- Comprovante do horário de trabalho dos pais ou responsáveis.
- Certidão de nascimento da criança ou RG.
- Comprovante de inscrição para as vagas da rede pública ou conveniada.
- Negativa da vaga da Secretaria Municipal da Educação.
- Três orçamentos de escolas particulares, com CNPJ.
- Se a família encontrar-se em situação de vulnerabilidade: relatório do Conselho Tutelar, do CRAS ou CREAS, comprovante de recebimento de auxílio do governo etc.
Para ter outras informações, as famílias podem acessar o site da Defensoria Pública do Estado: www.defensoria.rs.def.br