Por Lúcio Almeida e Rowana Camargo
Integrantes do Núcleo de Pesquisa Antirracismo da Escola de Direito da UFRGS
No dia 27 de abril, na Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), tivemos o lançamento do livro Racismo Acadêmico: Desafios para um Direito Antidiscriminatório. A obra foi um esforço coletivo do Núcleo de Pesquisa Antirracismo da Escola de Direito da UFRGS, que completou um ano em março. Coordenada pelo Prof. Dr. Lúcio Almeida, o projeto teve apoio do Centro de Estudos Alemães (CDEA) e da Direção da Faculdade de Direito, em especial, da professora Cláudia Lima Marques.
O livro tem como objetivo a compreensão de que a universidade, especialmente as faculdades de Direito, são a última fronteira de combate ao racismo e que cabe aos seus integrantes (diretores, coordenadores, docentes e discentes) construir um arcabouço de pesquisa acadêmica para seu enfrentamento. Não se trata apenas de um foco sobre os direitos de igualdade, dignidade e liberdade da população negra, mas também das populações indígenas, LGBTQIA+ e todas as demais que sofrem com o racismo cotidiano em nosso país.
Nesse sentido, é preciso refletir sobre a nossa Faculdade de Direito da UFRGS, que em seus mais de 120 anos teve pouquíssimo comprometimento com o enfrentamento do racismo. Tal constatação é possível dado o reduzido número de professoras e professores negros e a ausência de uma disciplina que aborde o fenômeno jurídico do racismo.
No campo da pesquisa acadêmica, é constrangedora a ausência de uma linha de pesquisa no Programa de Pós-Graduação do Direito da UFRGS sobre a temática. A existência do crime de racismo no texto constitucional e normas infraconstitucionais, bem como os diários casos de racismo institucional ocorridos Brasil e de repercussão internacional, como o “Caso Beto”, em nossa Capital, sempre a corroborar a incansável e enraizada presença do racismo na história brasileira e nas instituições, já deveriam ser considerados mais do que suficientes para chamar a comunidade acadêmica à reflexão.
A reiterada prática de racismo acadêmico, que podemos definir como um processo que busca inviabilizar, apagar e solapar a contribuição e a vivência dos acadêmicos negros e negras dentro dos estudos jurídicos, evidencia a problemática jurídica vivenciada por mais de 500 anos no Brasil pelas populações afrodiaspóricas que não seria merecedora de profunda reflexão acadêmica.
A estratégia do racismo acadêmico é o enfoque da biblioteca colonial com todas as insuficiências próprias para desprezar o fenômeno jurídico do racismo, obras eurocêntricas que são praticamente unanimidade entre os professores e professoras nas faculdades de Direito, tratamento não isonômico com os temas dos povos afrodiaspóricos.
Levantamento realizado em 10 faculdades de Direito, no ano de 2021, em Porto Alegre, revelou que apenas duas delas tinham um professor negro ou uma professora negra. O racismo das nossas faculdades de Direito é flagrante!
Ademais, recente levantamento realizado pelo Núcleo de Pesquisa Antirracismo do Direito da UFRGS em 10 faculdades de Direito, no ano de 2021, em Porto Alegre, revelou que apenas duas delas tinham um professor negro ou uma professora negra. O racismo das nossas faculdades de Direito é flagrante! Outro problema apontado é que, nessas instituições da cidade, muitas utilizam estudantes negros e negras em suas campanhas de publicidade para captação de estudantes, sem, contudo, modificarem a realidade do quadro de docentes. Além disso, infelizmente, há também cursos de especialização cuja publicidade conta com personalidades negras reconhecidas no Brasil, entretanto, sem alteração no quadro de professores e professoras nos cursos de graduação, no qual a importância da presença de docentes negros e negras é fundamental para promoção da tolerância e do respeito à diversidade racial brasileira.
Pelo que pesquisamos, há um problema grave de racismo no mercado de trabalho quando envolve a contratação de docentes negros e negras em Porto Alegre e que pode ser semelhante no restante do país. Com efeito, a solução para esses casos de racismo que envolvem nossas faculdades de Direito em Porto Alegre passa por uma atuação mais eficiente e engajada do Ministério Público do Trabalho, além, claro, do controle social.
Para concluir, temos uma esperança profunda de que teremos uma sociedade, faculdades de Direito e as nossas universidades públicas com maior diversidade nos campos docente e discente. Uma verdadeira democracia multirracial. Todavia, para que isso ocorra, é preciso que nossas faculdades de Direito sejam antirracistas.
Uma faculdade de Direito antirracista é uma instituição que está em constante transformação para a concretização dos princípios da ética da proteção da diversidade humana, da dignidade da pessoa humana e do regime democrático. Racismo estrutural, institucional, interpessoal e acadêmico são fenômenos que desafiam os gestores das faculdades de Direito pelo Brasil. No entanto, é preciso um comprometimento sério e sistemático para atenuar os efeitos desses fenômenos que, invariavelmente, impossibilitam uma participação plena dos sujeitos negros em nosso país.