O Ministério Público do Rio Grande do Sul (MP/RS) ajuizou uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) que pede a revogação da lei que autoriza a prática do ensino domiciliar – conhecido como homeschooling – na Capital, promulgada em março. Um pedido liminar para que a legislação não tivesse eficácia até o julgamento final sobre o assunto chegou a ser feito, mas foi negado pela Justiça.
No texto que embasa seu pedido, a Procuradoria-Geral de Justiça sustenta que a norma municipal é “absolutamente dissonante” do regramento federal já existente, havendo, em seu entendimento, invasão da competência privativa da União. O MP/RS ainda cita uma decisão do Supremo Tribunal Federal sobre o assunto, que se absteve de julgar o mérito da questão, mas entendeu que é “dever do Estado assegurar aos infantes o direito-dever de frequentarem os estabelecimentos regulares de ensino”.
Promotora regional da Educação de Porto Alegre, Ana Ferrareze relata que o entendimento dos promotores regionais de educação e da Subprocuradoria-Geral de Justiça para Assuntos Jurídicos foi de que as legislações que tratam do homeschooling em níveis estaduais e municipais apresentam vício de origem. Ou seja: tratam de assuntos que cometem somente ao Executivo e Legislativo federais.
— Claro que Estados e municípios têm concorrências suplementares, mas estas devem vir depois, se for o caso. Na época em que a lei foi aprovada em Porto Alegre, a Câmara dos Deputados nem tinha votado a legislação em nível nacional — avalia a promotora.
O pedido liminar foi negado pelo relator do caso, desembargador Nelson Pacheco, que entendeu que a Constituição Federal “não veda de forma absoluta” o ensino domiciliar, exceto nas modalidades unschooling radical (desescolarização radical), unschooling moderado (desescolarização moderada) e homeschooling puro, em qualquer de suas variações. O magistrado aponta que a lei municipal não prevê essas espécies. O mérito da ação ainda não foi julgado.
Na sua decisão, o desembargador pediu, ainda, que o prefeito de Porto Alegre, Sebastião Melo, e o presidente da Câmara dos Vereadores, Idenir Cecchim (MDB), prestem informações sobre o assunto. No entanto, não estabeleceu prazo para que isto ocorra.
Para Ana, a frequência na escola é fundamental, pois funciona como um termômetro:
— É, em suma, onde se verificam as mais variadas questões referentes à família, como negligência, abuso, maus tratos. Como saber se aquela criança, não estando em contato com a escola, não está sendo vítima de alguma forma? — questiona a promotora, que, para além da função fiscalizadora, entende a escola como espaço de formação da socialização.
Relembre a lei promulgada na Capital
A lei que autoriza a prática do homeschooling em Porto Alegre foi aprovada no início deste ano pela Câmara e, depois, levada a apreciação do prefeito da cidade. Passado o prazo para análise, Melo não vetou e nem sancionou a norma, que, então, voltou para a Casa Legislativa, onde foi promulgada.
Apesar de ter sido aprovada, a legislação municipal ainda não vigora, pois precisa, antes, ser regulamentada – é preciso, por exemplo, definir quem será responsável pelos instrumentos de avaliação dos estudantes homeschoolers, e como as provas serão aplicadas. Até agora, apenas uma reunião sobre o assunto foi realizada. A Promotoria de Justiça Regional da Educação de Porto Alegre (Preduc-POA) pretende chamar a Secretaria Municipal de Educação (Smed) e o Conselho Municipal de Educação para reuniões, a fim de fazer o acompanhamento da implementação.
No Rio Grande do Sul, um projeto de lei que autorizava o ensino domiciliar chegou a ser aprovado pela Assembleia Legislativa, mas vetado, posteriormente, pelo então governador Eduardo Leite. Na época, o MP/RS também fez um pedido liminar contra a legislação, que foi acatado pela Justiça.
Ensino domiciliar avança em nível federal
O projeto de lei que regulamenta a prática do ensino domiciliar em nível nacional foi aprovado pela Câmara dos Deputados na semana passada. De acordo com o substitutivo aprovado, da deputada Luisa Canziani (PSD-PR), para usufruir do homeschooling o estudante deve estar regularmente matriculado em instituição de ensino, que deverá acompanhar a evolução do seu aprendizado.
Além disso, ao menos um dos pais ou responsáveis deverá ter escolaridade de nível Superior ou em educação profissional tecnológica em curso reconhecido. A comprovação dessa formação deve ser apresentada à escola no momento da matrícula, junto com as certidões criminais da Justiça Federal e estadual ou distrital de ambos. A matéria ainda será analisada pelo Senado.