Professores e estudantes fizeram um protesto na tarde desta sexta-feira (15) em frente à prefeitura de Porto Alegre contra uma proposta apresentada pela Secretaria Municipal de Educação (Smed) que provoca diversas alterações no currículo escolar das escolas municipais. Entre elas, a retirada da disciplina de Filosofia das séries finais do Ensino Fundamental e a inclusão de Ensino Religioso como matéria obrigatória. Segundo a pasta, os supervisores das escolas têm até a próxima terça-feira (19) para enviar suas sugestões.
A nova proposta de currículo escolar foi apresentada em reunião realizada na quinta-feira (14) entre a secretária de Educação, Janaina Audino, e representantes de instituições da rede municipal da Capital. Essa grade, segundo professores, desconsiderou observações levantadas pelos docentes nos últimos meses, em uma decisão definida como "autoritária".
— A Smed diz que a grade apresentada ontem (quinta) é resultado de um consenso, mas não houve consenso — reclama a professora Carla Cardarello, supervisora da Escola de Ensino Fundamental Professora Judith Macedo de Araújo.
A informação de que a Secretaria Municipal de Educação iria alterar a grade curricular foi dada em julho pela pasta, e os supervisores das escolas se organizaram em grupos de trabalho para apresentarem suas opiniões e sugestões. Alguns questionaram a intenção da Smed com o argumento de que, para mudar um currículo, é necessário realizar um congresso com ampla participação da comunidade escolar — incluindo pais e estudantes.
— Para mudar a concepção de educação de um município, a comunidade escolar precisa participar. A Smed entende que a alteração de matriz curricular não precisa de congresso, porque não é uma mudança de grande porte, e que depois pode se chamar um congresso para fazer adequações — observa a professora Aline Jesus, supervisora da Escola Municipal de Ensino Fundamental Mario Quintana.
Os grupos de trabalho entregaram suas sugestões, mas, segundo os participantes, nada foi contemplado na proposta de currículo apresentada na quinta-feira. A Smed informou, por meio de nota, que os supervisores têm cinco dias para enviar novas contribuições, e que a equipe técnica da pasta "verificará os pontos convergentes com a legislação vigente para posterior adequação do cenário e implementação com as escolas". Também reforçou que adaptou a proposta de nova grade com pontos discutidos nos grupos de trabalho, com o objetivo de "buscar um consenso".
Sai Filosofia, entra Ensino Religioso
Matéria que consta como obrigatória no currículo municipal de Porto Alegre desde 1997, a Filosofia ficaria reduzida, na nova proposta da Smed, a uma temática transversal que deve ser tratada em um momento chamado "Espaço Filosófico". A pasta não detalhou como será feita essa abordagem, mas informou, por meio de nota, que o "o professor trabalhará (a Filosofia) em parceria com os demais componentes curriculares, em diferentes etapas e anos escolares".
O argumento da Smed é de que a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), criada em 2017 pelo Ministério da Educação (MEC) para unificar propostas pedagógicas para os ensinos Infantil e Fundamental no Brasil, não inclui a Filosofia como disciplina obrigatória, e que somente Porto Alegre, em todo o Rio Grande do Sul, não havia feito essa adaptação. Na avaliação de educadores, a BNCC não diz que a Filosofia deve ser retirada, e que esse documento é apenas uma orientação para a estrutura de uma grade curricular, com liberdade para que Estados e municípios acrescentem outras disciplinas.
Para a professora de Filosofia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Priscilla Spinelli, a retirada da Filosofia como matéria obrigatória para jovens em formação é um retrocesso.
— O que a gente leva de mais importante tanto para crianças quanto para adolescentes? Argumentação lógica. É um dos pontos fundamentais da aula de Filosofia. Ensinar os alunos a olhar por dentro dos argumentos, analisar se as premissas são verdadeiras. Todos os valores morais estruturantes da nossa sociedade são trabalhados na Filosofia — diz ela.
Professora da rede municipal de ensino da Capital desde 2015, Aline entende que trazer a Filosofia para a sala de aula é uma oportunidade de os alunos irem mais fundo nas reflexões, o que pode ser potencialmente transformador para estudantes de escolas públicas.
— O pensar filosófico é muito particular, e isso não poderia ser privado de um público que é privado de tantas coisas. O objetivo maior da educação é dar conta da cidadania e do mundo do trabalho. A Filosofia pressupõe essas reflexões, entre tantas outras — avalia.
Além da Filosofia, o novo currículo proposto pela Smed também exclui a oferta de Língua Espanhola das séries iniciais do Ensino Fundamental, e inclui, como obrigatória, a oferta de Ensino Religioso. No documento que detalha como será a nova grade, a Smed reforça que, conforme o artigo 209 da Constituição do Estado do Rio Grande do Sul, o "componente curricular de Ensino Religioso possui caráter de oferta obrigatória e matrícula facultativa". Por causa disso, caso o aluno opte por não cursar a disciplina, ele deverá ser atendido em algum projeto temático da escola, de forma a completar a carga horária.
Veja a nota da Secretaria Municipal de Educação de Porto Alegre:
Em relação à Filosofia, a Base Nacional Comum Curricular consolidou sua retirada como componente curricular do Ensino Fundamental e Médio, tratando-a como uma temática que é transversal a todas as áreas do conhecimento, especialmente nas Ciências Humanas. Os pressupostos da Filosofia embasam e perpassam todos os componentes curriculares e não são considerados conteúdos fechados em si mesmo. Assim, a Filosofia torna-se uma temática transversal que, por meio de um “Espaço Filosófico”, o professor trabalhará em parceria com os demais componentes curriculares, em diferentes etapas e anos escolares.
Neste sentido, esta Secretaria adaptou o cenário inicial inserindo pontos que surgiram nas discussões do GT do Ensino Fundamental, a fim de buscar um consenso.
Desta forma, realizamos com os supervisores escolares uma reunião do GT do Ensino Fundamental, no dia 14/10/2021, às 15h30, para apresentação do novo cenário construído a partir dos pontos analisados. Após a reunião, enviamos o cenário de consenso para todas as escolas e professores, disponibilizando um novo período, até o dia 19/10/2021, para o envio de novas sugestões e contribuições.
A equipe técnica da SMED irá analisar as sugestões e contribuições encaminhadas e verificará os pontos convergentes com a legislação vigente, para posterior adequação do cenário e implementação com as escolas.