
Um ano antes de alcançar a maioridade e deixar a instituição onde foi acolhido desde os três anos de idade em Porto Alegre, Bruno Braga, hoje com 25 anos, realizou o sonho de passar no primeiro vestibular. Queria ser advogado. As altas mensalidades, porém, o fizeram abandonar aquele desejo guardado desde a infância. A possibilidade de voltar à universidade só veio cinco anos depois, quando Bruno foi um dos contemplados com bolsa de estudos obtida por meio de uma parceria entre o Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul (MP-RS) e o Ministério Público do Trabalho. Existente desde 2017, até agosto de 2021 a parceria já destinou quase R$ 11 milhões de multas e indenizações trabalhistas à iniciativa na Capital.
Bruno é, atualmente, um dos oito ex-acolhidos pelo Estado cursando graduação em universidades privadas que tinham um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com o Ministério Público do Trabalho (MPT). Em vez de pagarem a multa em dinheiro, as instituições ofereceram bolsas integrais de cursos de graduação aos jovens egressos do acolhimento. Outros quatro estudam com bolsas doadas por outras três universidades. Esta possibilidade é apenas uma das existentes dentro dos inúmeros projetos desenvolvidos via parceira do MP-RS com o MPT.
Outra ação conjunta, por meio de um termo de cooperação técnica entre os dois órgãos, é o Aprendizando Porto Alegre, criado pela promotora Cinara Vianna Dutra Braga, da 11ª Promotoria de Justiça da Infância e da Juventude de Porto Alegre, e pela procuradora do Trabalho Patricia de Mello Sanfelice Fleischmann. Inicialmente, a intenção era preparar os adolescentes para o mercado de trabalho formal, via contratos de aprendizagem profissional e cursos de qualificação. Os cursos seriam pagos a partir das multas e indenizações trabalhistas revertidas pelo MPT.
Logo no início, porém, explica a procuradora Patrícia Fleischmann, que na época da criação do projeto era coordenadora regional da Coordinfância da Procuradoria Regional do Trabalho da 4ª Região (PRT4) e foi uma das idealizadoras, percebeu-se que a simples oferta da vaga não traduzia o verdadeiro aproveitamento do jovem aprendiz. Segundo ela, adolescentes em situação de maior vulnerabilidade têm defasagens escolares importantes e questões pessoais que também trazem complicadores. Por isso, Cinara e Patrícia começaram a pensar em outras iniciativas que pudessem se associar à aprendizagem para potencializar o aproveitamento dela.
Ao todo, o Aprendizando contempla 12 iniciativas, que vão do cuidado interdisciplinar, com atendimento psicológico e psiquiátrico, a cursos de qualificação e aprendizagem profissional.
— As crianças e os adolescentes que estão em acolhimento não tiveram as mesmas oportunidades e as mesmas vivências daquelas que estão em família. Então, precisávamos providenciar isso para eles. Não podíamos esperar que superassem sozinhos — explica.
Obtidos pelo MPT em sua atuação pelo cumprimento da legislação trabalhista, os valores revertidos são pagos em dinheiro, bens ou serviços prestados às entidades pelas partes que descumpriram a lei. A fiscalização é feita pelo MP-RS e pela Organização Internacional do Trabalho (OIT). Outra parceira do projeto foi a auditora-fiscal do trabalho Denise Brambilla Gonzalez, da Superintendência Regional do Trabalho-RS.
O resultado são benefícios na profissionalização, educação e saúde dos acolhidos e nas condições dos 72 abrigos e casas lares da Capital, que podem realizar reformas e obter veículos, eletrodomésticos, cadeiras de rodas, instalação de painéis solares para energia fotovoltaica, entre outros. Hoje, Porto Alegre tem 709 crianças e adolescentes em acolhimento e 130 aptos à adoção vivendo nas 72 unidades.
— Graças a essa parceria, melhoramos significativamente os cuidados da criança e do adolescente em acolhimento institucional. Qualificamos a habitabilidade dos abrigos e casas lares, dando-lhes conforto, ofertamos atendimentos céleres e efetivos de saúde mental, educação para jovens adultos e profissionalização. É uma união de esforços pelo bem — justifica a promotora Cinara.
Para a procuradora Patrícia, saber que o projeto segue dando certo é a grande realização no trabalho desenvolvido por ela:
— Transformar vidas é o mote fundamental da existência do Ministério Público e do Ministério Público do Trabalho. É fazer com que a vida das pessoas que precisam dessas instituições possa melhorar por meio da nossa atitude e do nosso trabalho. Sinto que esse projeto tem essa resposta prática.

Reconhecimento
Em 2018, a parceria foi reconhecida pelo Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) como uma das mais inovadoras e relevantes cooperações entre ramos do Ministério Público. Nesta semana, o projeto Aprendizando Porto Alegre conquistou o terceiro lugar na categoria Sistema de Justiça da primeira edição do Prêmio Prioridade Absoluta, concedido Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
Antes da iniciativa, os valores arrecadados pelo MPT em processos judiciais eram repassados às instituições que se habilitavam diretamente na Procuradoria Regional do Trabalho da 4ª Região e também destinados ao Fundo de Amparo do Trabalhador (responsável pelo pagamento do seguro-desemprego à população brasileira). Com o início da parceria, os procuradores da Capital tiveram mais uma opção na hora de decidir o destino dos montantes.
O que é jornalismo de soluções, presente nesta reportagem?
É uma prática jornalística que abre espaço para o debate de saídas para problemas relevantes, com diferentes visões e aprofundamento dos temas. A ideia é, mais do que apresentar o assunto, focar na resolução das questões, visando ao desenvolvimento da sociedade.
O procurador Bernardo Mata Schuch, vice-coordenador regional da Coordenadoria Nacional de Combate à Exploração do Trabalho da Criança e do Adolescente (Coordinfância) do Ministério Público do Trabalho, por exemplo, procura fazer destinações que tenham relação direta com a sociedade onde atua. Numa ação civil pública, Bernardo destinou o valor de R$ 1 milhão a projetos do acolhimento institucional de Porto Alegre.
— O projeto tem sensibilizado bastante os colegas procuradores, pois sempre vimos a necessidade de qualificar esses jovens. Nos dá bastante alegria saber que um jovem que está sem condições de ficar na sua família original e sem oportunidades pode agora se colocar num ambiente mais organizado, conseguindo se qualificar, obtendo uma vaga de aprendiz e mudando completamente o rumo da sua vida — justifica o procurador.
Apesar da parceria iniciada na capital gaúcha ser considerada um sucesso, Schuch faz questão de destacar que o MPT ainda tem grande preocupação com a necessidade de concretização dos direitos do jovem aprendiz e da sua efetiva inserção no mercado de trabalho. Mas ele ressalta a felicidade de fazer parte da iniciativa gaúcha.
— Quando estudamos para sermos procurador do trabalho, temos também o ideal de ver a sociedade evoluir. De melhorar. Tem a questão social e a responsabilidade do nosso cargo. Então, quando percebemos um trabalho bem coeso, sem vaidades, fluindo em prol da sociedade, ficamos felizes — resume Schuch.
Saiba mais
As empresas e pessoas físicas também podem contribuir, mediante o apadrinhamento financeiro. Ele pode ser feito:
- Diretamente com o MP-RS pelo email pjij-acolhimento@mprs.mp.br ou pelo telefone (51) 3295-1909.
- Com doações para o Funcriança, do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (CMDCA) de Porto Alegre, sob a rubrica “acolhimento institucional”.
- Destinando valores diretamente ao projeto" Aprendizando Porto Alegre" por meio da OIT.
Alguns dos projetos contemplados pela parceria
PROJETO SALA DE ROBÓTICA - Centro de Promoção da Criança e do Adolescente São Francisco de Assis (CPCA)

Objetivo: destinação de recursos para o aparelhamento material de curso de capacitação profissional de robótica a adolescentes e jovens em situação de vulnerabilidade social (acolhidos institucionalmente, vítimas de violência, exploração de trabalho infantil, fora da escola, em cumprimento de medida socioeducativa, sem amparo da família, pobreza extrema, entre outros).
SAÚDE MENTAL/APRENDIZANDO - Comunidade Terapêutica Winnicott
Objetivo: prestar atendimento em psicoterapia semanal, psicopedagogia semanal, psiquiatria mensal, avaliação psicodiagnóstica e fonoterapia, simultaneamente para 40 adolescentes em situação de acolhimento institucional, preparando-os para a inserção profissional.
Resultados: desde o início do projeto, em março/20, foram realizados 1.883 atendimentos em saúde mental, sendo 1.467 psicológicos, 151 psiquiátricos, 226 psicopedagógicos e 39 avaliações psicodiagnósticas, beneficiando 65 adolescentes acolhidos. Atualmente, estão em atendimento, 40 acolhidos.
PROJETO APRENDIZAGEM PROFISSIONAL - CORTE E COSTURA SUSTENTÁVEL / FUNDAÇÃO PÃO DOS POBRES - Centro de Educação Profissional/Fundação O Pão dos Pobres de Santo Antônio
Objetivo: proporcionar a 30 adolescentes acolhidos e/ou em situação de extrema vulnerabilidade, aprendizagem profissional em corte e costura sustentável, viabilizando a inclusão no mercado de trabalho, estímulo ao empreendedorismo e geração de renda, no período de dois anos.
PROJETO CURSO PROFISSIONALIZANTE
Objetivo: disponibilizar curso profissionalizante para jovens oriundos do acolhimento institucional de Porto Alegre.
Destinação: 10 bolsas no curso profissional.
INFRAESTRUTURA DAS CASAS
Objetivo: aquisição de bens móveis, por 15 instituições de acolhimento institucional, a fim de qualificar a habitabilidade das casas-Lares e abrigos, beneficiando, aproximadamente, 850 crianças/adolescentes
PROJETO AR-CONDICIONADO
Objetivo: destinação de 70 aparelhos de ar-condicionado, beneficiando, em 27 abrigos e casas-Lares, aproximadamente, 320 crianças/adolescentes.
PROJETO CARROS
Objetivo: destinação de seis veículos automotores, visando a otimizar as atividades cotidianas de seis instituições de acolhimento, onde estão acolhidas, aproximadamente, 400 crianças/adolescentes.
PROJETO COZINHA
Objetivo: aquisição de bens móveis, eletrodomésticos e equipamentos para o aparelhamento e modernização dos 18 abrigos residenciais da Fundação de Proteção Especial/FPE, onde estão acolhidos, aproximadamente 150 crianças/adolescentes.