O calendário de retomada das aulas presenciais nas escolas estaduais foi implementado, mas poucas são as instituições que, efetivamente, conseguiram se adequar a todas as exigências sanitárias exigidas pelos protocolos estaduais a tempo do recomeço dos trabalhos. A reportagem de GZH contatou 37 escolas distribuídas nas diversas regiões do mapa do distanciamento controlado que, em tese, poderiam ter aulas presenciais. Contudo, a imensa maioria das instituições enfrenta problemas de ordem política, de infraestrutura, de escassez de recurso humanos, entre outros fatores que as impendem de reabrir as portas.
De todos os 37 colégios contatados, 33 estão sem aula, o que resulta em um percentual de 89%. O principal impeditivo enfrentado pelas instituições é a falta de equipamentos de proteção individual (EPIs) e demais itens de segurança contra a covid-19 prometidos pelo governo do Estado, como termômetros, limpador multiuso, água sanitária, álcool 70%, além de tapete sanitizante. Esses produtos, segundo o próprio Piratini, são pré-requisitos para que as escolas possam receber estudantes novamente.
Ao todo, 26 escolas estão no aguardo do recebimento desses insumos, mas a Sceretaria Estadual de Educação (Seduc) não informa aos coordenadores quando a entrega ocorrerá. No site da pasta, consta apenas que "fica a cargo da direção das instituições de ensino a responsabilidade pelo recebimento dos materiais".
Giovana Dalcin, diretora da Escola Estadual de Ensino Fundamental Itauba, localizada em Estrela Velha, no Centro-Serra, afirma que todos os dias, das 8h até 17h, de segunda a sexta-feira, ela fica no aguardo dos materiais:
— Nós compramos máscaras, álcool e termômetro. O básico a escola tem, mas ainda estamos na espera dos kits da Seduc. Esta semana, eles enviaram três termômetros e 313 máscaras, mas precisamos dos outros insumos, caso contrário, não temos condições mínimas de reabertura.
A situação descrita pela coordenadora é comum a outras cinco escolas que compraram os materiais com recursos próprios. Esse foi o caso de Paulo Heinen, diretor da Escola Estadual Poncho Verde, de Mato Leitão, no Vale do Rio Pardo. Ele relata que havia recebido somente quatro termômetros do governo do Estado.
— Algumas coisas compramos por meio da nossa autonomia financeira. Não deu para comprar tudo que era necessário, conseguimos adquirir somente 200 máscaras descartáveis, faltam os produtos de limpeza, álcool, enfim. Além disso, nosso orçamento é apertado, fica complicado comprar itens além do básico que a escola já adquiria. Estamos preocupados porque temos pouco material, a Seduc não enviou os kits ainda e temos um perceptual grande de interesse na volta às aulas. Nos anos iniciais do Ensino Fundamental, por exemplo, chega a 75% — afirma.
O básico a escola tem, mas ainda estamos na espera dos kits da Seduc. Esta semana, eles enviaram três termômetros e 313 máscaras, mas precisamos dos outros insumos, caso contrário, não temos condições mínimas de reabertura
GIOVANA DALCIN
Diretora da Escola Estadual de Ensino Fundamental Itauba, em Estrela Velha
Outra questão vivida pelas instituições é que, apesar de estarem localizadas em regiões em que está liberado o retorno às aulas, decretos municipais proíbem a retomada dos trabalhos em escolas municipais e estaduais. Essa é a situação de nove instituições. De acordo com levantamento feito pelo Cpers-Sindicato – atualizado no último dia 27 – 207 cidades gaúchas não permitem a reabertura dos portões escolares em função destes pareceres dos prefeitos.
Um desses casos é o da cidade de Três Passos, no Norte. Lá, a Vigilância Sanitária local realizou a vistoria em todas as escolas estaduais e constatou que nenhuma tem condições de ser reaberta, seja por falta de EPIs ou inadequação dos espaços físicos.
Somam-se a isso fatores como a falta de recursos humanos, principalmente de pessoas para ficarem responsáveis pela faxina da escola e pelo monitoramento das crianças para que elas cumpram os protocolos sanitários. Três colégios relataram esse déficit de funcionários.
Falhas de comunicação
Por meio de nota, o Cpers-Sindicato informa que desde março "dados parciais já mostravam a falta de milhares de educadores(as) nos quadros de recursos humanos, bem como graves problemas estruturais e centenas de obras pendentes. Mas o Estado desperdiçou estes sete meses, que poderiam ter sido utilizados para planejar, equipar e preparar as escolas para uma retomada segura". A entidade afirma ainda que "o retorno foi imposto sem que o governo conseguisse sequer cumprir o próprio calendário de entrega de equipamentos. A falta de escuta à comunidade, amplamente contrária à volta, também refletiu na baixa adesão. Já a disputa judicial em torno das vistorias sanitárias é mais um indício de que a rede estadual não está preparada para voltar".
A falta de um plano de contingência, elaborado com o Centro de Operações de Emergência em Saúde para a Educação (COE), é outro problema apontado. Muitos educadores afirmam que enviaram o plano, mas seguem no aguardo para saber se o documento foi aprovado ou se precisa de alterações.
Ainda sobre o COE, uma pesquisa revelou que somente 3% das escolas estaduais contam com esse centro. O levantamento foi feito pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) a partir das publicações do Diário Oficial do Estado em 22 e 23 de outubro e divulgado pelo Cpers-Sindicato.
Vale destacar que o próprio governo do Estado aponta como requisito obrigatório a criação dos COEs. No site do Piratini consta que "as escolas que não tiverem recebido os equipamentos de proteção individual (EPIs) e itens de higienização e que não tenham seu Planos de Contingência previamente elaborados, juntamente com os Centros de Operações de Emergência em Saúde para a Educação (COEs), não terão autorização para recebimento dos estudantes para aulas presenciais".
O governo do Estado precisa ter claro que há desigualdade de condições entre as próprias escolas, então nem todas têm a mesma capacidade de fazer a retomada no calendário apresentado
MARIA BEATRIZ LUCE
Professora de Política e Gestão da Educação na UFRGS
Em Porto Alegre, por exemplo, a Escola Estadual Mané Garrincha, no bairro Menino Deus, não retornou às aulas presenciais. Estudam no local 386 alunos do Ensino Fundamental. A comunidade escolar votou em permanecer em ensino remoto até o final do ano letivo e não teve nenhum interessado em formar o COE, informou a instituição. A GZH, a instituição respondeu ainda que tem não recebeu todos os EPIs, somente álcool, produtos de limpeza e termômetros. A escola também não tem plano de contingência para o coronavírus. Conforme relatos, também há falta de pessoal, principalmente para limpeza.
Na avaliação da professora de Política e Gestão da Educação na Universidade Federal do RS (UFRGS), Maria Beatriz Luce, tem havido falhas na comunicação neste processo de reabertura, em que as escolas recebem apenas parcialmente as orientações e também não conseguem esclarecer os protocolos aos pais e alunos. Ela avalia que não houve tempo para que as instituições implementassem as propostas do governo e preparassem suas estruturas para o distanciamento e os protocolos de higiene. Com isso, a reabertura não saiu como planejado.
— O governo do Estado precisa ter claro que há desigualdade de condições entre as próprias escolas, então nem todas têm a mesma capacidade de fazer a retomada no calendário apresentado — analisa Beatriz. — É preciso melhorar esse diálogo e construir uma proposta efetiva de retomada em conjunto com escolas e comunidades.
Por meio de nota, a Seduc se manifestou sobre a situação:
"Os equipamentos de proteção individual (EPIs) e materiais de higienização são obrigatórios para o retorno das aulas presenciais e adequação aos protocolos sanitários estabelecidos na portaria conjunta 01/2020 publicada por Seduc e SES. Desde o período de convocação dos professores para a preparação do retorno das aulas presenciais, iniciado no dia 5 de outubro, as escolas realizam a aquisição de materiais para esse período, por meio da Autonomia Financeira (valor que é repassado mensalmente às direções das instituições de ensino do Estado).
Desta maneira, as escolas puderam adquirir máscaras, álcool em gel e produtos de limpeza, por exemplo, de modo a garantir a segurança de professores e equipes diretivas enquanto a entrega dos materiais comprados pelo Estado está em curso.
Os EPIs e materiais de higienização que serão utilizados por alunos e professores, ao longo das aulas presenciais, foram adquiridos pelo Estado em um investimento de R$15,3 milhões e estão em processo de entrega com previsão de finalização em todas as escolas até a metade do mês de novembro.
Além disso, para o retorno das aulas presenciais, o Estado irá dispor de um investimento extra na ordem de R$ 270 milhões ao todo para aprendizagem, capacitação, aquisição de equipamentos de proteção e materiais de desinfecção e contratação de professores e profissionais de apoio (serventes e merendeiras). Sobre a contratação de profissionais, a Seduc orienta as escolas para que solicitem junto à respectiva Coordenadoria Regional de Ensino as necessidades de RH para reposição.
Ainda, a Seduc reforça que as instituições de ensino da Rede Estadual, localizadas em cidades com decretos que proíbem aulas presenciais, devem estar abertas em regime de plantão, com revezamento de servidores, para que possam receber os EPIs e materiais de higienização e atender os alunos sem acesso à internet.
No total, até o momento, são 185 municípios gaúchos que possuem decretos que proíbem as aulas presenciais.
A Secretaria Estadual da Educação reforça que as escolas que não tiverem recebido os Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) e itens de higienização, não estiverem adaptadas aos protocolos sanitários, e que não tenham seu Planos de Contingência previamente elaborados juntamente aos Centros de Operações de Emergência em Saúde para a Educação (COEs), não terão a abertura autorizada para recebimento dos estudantes para aulas presenciais e permanecerão no ensino remoto
Todos os protocolos e práticas a serem adotados para o retorno presencial das aulas foram publicados na portaria conjunta da Seduc e Secretaria Estadual da Saúde (Nº01/2020). A medida estabelece a criação de Centros de Operações de Emergência em Saúde para a Educação (COEs) nas instituições de ensino da Rede Estadual. Estes são responsáveis pelo monitoramento dos estudantes, professores e servidores no ambiente escolar.
A estrutura é constituída por: COE Local (na escola), o COE Municipal (ampliado com a Saúde), COE Regional (ampliado com a Saúde) e COE Estadual.
Sobre a constituição dos Centros de Operação em Emergência (COEs) nas escolas estaduais, 2.267 instituições de ensino já tiveram as devidas documentações publicadas em Diário Oficial."
Colaboraram: Erik Farina e Paloma Fleck