Em entrevista ao programa Gaúcha+, o secretário estadual da Educação Faisal Karam avaliou o primeiro dia de volta às aulas no Estado nesta terça-feira (20). O retorno foi marcado pelo movimento tímido e pela pouca adesão nas instituições de ensino em Porto Alegre e em outras regiões do Estado — reflexo, entre outras questões, da falta de equipamentos de proteção individual (EPIs) e do material prometido pelo governo.
— A partir de quando se definiu o que era padrão (de protocolos), tivemos o agravante de conseguir recurso. Tínhamos estimado inicialmente quase R$ 500 milhões, com compra dos chromebooks (computadores) que já estão neste valor. O governo pediu para que revêssemos esses números mais próximo de realidade com menos alunos, com menos alunos retornando. Ajustamos todo o processo antes de adquirir, fizemos 50 registros de preços num tempo recorde. Tem empresas que entram com recurso, tem prazos, tudo aquilo que somos sabedores — afirma.
— Para o Estado do RS e qualquer máquina pública, fazer um volume de R$ 15 milhões, mais R$ 60 milhões em Chromebooks (computadores portáteis) que serão entregues no inicio de novembro, é um esforço gigantesco que se fez para chegar neste momento. — completa.
O governo afirma que fará 30 mil entregas com material em 2467 escolas de todo o Estado. Porém, segundo Karam, há ainda "alguns agravantes que estão criando alguns entraves internos dentro da secretaria". O secretário destaca decretos municipais como " pauta sensível" para o êxito no retorno.
— Alguns decretos de prefeitos que não permitem a retomada das aulas acabaram trazendo conflitos de interpretação a alguns diretores, por entenderem que nem regime de plantão seria feito. Pelo contrário, a escola tem que estar aberta durante aquele período de aula, como sempre funcionou, para que se receba os materiais e, quando possível, que receba os alunos. Onde existem restrições, que (a escola) receba os alunos que tem dificuldades para fazer correções, não como aula presencial, isso tem que ficar claro. Eles estão lá de plantão para tirar dúvida dos alunos até o momento que não se tem uma posição mais definida se os municípios irão manter esses decretos — enfatiza.
Ainda nesta semana, conforme o secretário, o governo deve se reunir com a Famurs (entidade que representa os municípios gaúchos) para tratar sobre o tema.
Confira a entrevista completa:
A realidade foi de poucos alunos em sala de aula nesta terça-feira . Qual é a avaliação e balanço de escolas?
Não temos ainda (o balanço). Pedimos hoje a partir das 9h um levantamento a 30 coordenadorias, para ter um diagnóstico até o final da tarde, porque a gente tem que repassar ao governador para avaliação do grupo de crise, que tem feito a gestão de ações relacionadas a covid-19. Devemos receber o relatório a partir das 17h. Nós sabemos e é uma expectativa tinhamos, que a partir do dia 20, tanto que sempre se colocou, que as escolas estariam autorizadas a voltar, a partir do momento que tivessem materiais de higiene e recursos humanos a disposição. Por isso voltamos dia 5, convocamos professores para a volta, no dia 5 até o dia 20, para reorganizar o espaço interno das escolas, ficarem em regime de plantão, receber os materiais. Mas mais do que isso: reorganizar a escola, reduzindo a capacidade das salas de aula para 50%, refazendo processo de limpeza, e assim por diante. Esses 15 dias seriam para isso.
Temos alguns agravantes que estão criando alguns entraves internos dentro da secretaria, que é a questão de alguns decretos de prefeitos que não permitem a retomada das aulas presenciais na sua rede
FAISAL KARAM
Como os materiais, e são 30 mil entregas que compõem o material de higiene e EPIs (equipamentos de proteção individual) em todo o Estado, em 2467 escolas, estamos tendo alguns atrasos porque são de vários fornecedores. O Estado fez uma compra por processos individuais de itens e tivemos vencedores. Por exemplo, alcool gel, tem mais que um fornecedor entregando no Estado.
E temos alguns agravantes que estão criando alguns entraves internos dentro da secretaria, que é a questão de alguns decretos de prefeitos que não permitem a retomada das aulas presenciais na sua rede, que acabou trazendo conflitos de interpretação a alguns diretores por entenderem que nem o regime de plantão seria feito. Pelo contrário, o regime de plantão é obrigatório, a escola tem que estar aberta durante aquele período de aula, como sempre funcionou, para que se receba os materiais e, quando possível, que receba os alunos. Onde existem restrições, que receba os alunos que tem dificuldades para fazer correções, não como aula presencial, isso tem que ficar claro. Eles estão lá de plantão para tirar dúvida dos alunos até o momento que não se tem uma posição mais definida se os municípios irão manter esses decretos. Teremos uma reunião essa semana, acho que amanhã, para conversar com a Famurs, daqui a pouco podemos ter mudança na posição de prefeitos.
O senhor citou uma série de pontos. A questão da logística, entraves internos, decreto de prefeitos. Vamos começar pela logística: são mais de 30 mil entregas? Não houve tempo hábil de fazer essa organização antes para que essa logística fosse realizada? Faltou organização?
Não. Essa é uma pergunta interessante. Quando estávamos em março e o governo fez um decreto suspendendo atividades das três redes, tínhamos previsão de voltar em abril, foi pra maio, para junho e foi se arrastando. Por que não foi feito antes? Porque, em primeiro lugar, quando fizemos uma estimativa de EPIs e materiais de higiene que precisávamos, tivemos que quantificar esses materiais, definir quais seriam os produtos, definidos pela Secretaria de Saúde para o retorno. Isso foi feito há quatro meses. Então, o que estamos entregando, desde a semana passada, é exatamente o que os protocolos determinavam, OMS (Organização Mundial da Saúde) e Conselho Nacional de Educação. A partir de quando se definiu o que era padrão (de protocolos), tivemos o agravante de conseguir o recurso. Tínhamos estimado inicialmente quase R$ 500 milhões, com compra dos chromebooks (computadores) que já estão neste valor. O governo pediu, através da secretária Leany, que revêssemos esses números (para) mais próximo da realidade, com menos alunos retornando. Ajustamos todo o processo antes de adquirir. Fizemos 50 registros de preços. Têm empresas que entram com recurso, têm prazos, tudo aquilo que somos sabedores. Então, num tempo recorde, eu não tenho medo de afirmar, pela primeira vez na história, o Estado conseguiu fazer 50 registros de preços, movendo uma máquina pública, porque não tinhamos recurso previsto para isso. Buscar recurso, governador autorizar montar processo de compras, a Selic criar licitação, realizar contratos, tudo isso foi feito em menos de dois meses. Para o Estado do RS e qualquer máquina pública, fazer um volume de R$ 15 milhõees, mais R$ 60 milhões em Chromebooks que serão entregues no inicio de novembro, é um esforço gigantesco que se fez para chegar neste momento.
É diferente da iniciativa privada. O serviço público exige uma série de protocolos para fazer a compra de um grampeador. Mas qual é o prazo para diretores que estão em escolas esperando o material que deve ser entregue?
E escola que não tiver recebido (material), não inicie. Se organize internamente. O que é inaceitável é o fornecedor chegar e as escolas estarem com cadeado na porta.
FAISAL KARAM
Só para complementar. Quando se fala em particular, a partir do momento que o diretor conta com quatro fornecedores, ele pega o dinheiro e compra. Só que temos um entrave: temos que tornar isso público, abrir prazo de 30 dias e fazer o processo. Por isso que eu digo, sempre agradeço pela agilidade que se deu. Mas tínhamos a grande dúvida em 15 dias. Seria praticamente inviável no Estado pela questão da distãncia. A rede particular tem no caixa, o Estado não. Temos que comprar em grandes volumes. São 2,3 milhões de máscaras. Então isso não foi tão rápido assim. Mas para o Estado, dentro de sua estrutura, foi algo admirável a resposta que o serviço público deu. Mas a lógica agora vai ser a distribuição, e a gente espera e acredita que até a metade da semana que vem já tenhamos todos os materiais nas escolas. Mas até lá, a escola que não tiver recebido, não inicie. Se organize internamente. O que é inaceitável é o fornecedor chegar e as escolas estarem com cadeado na porta, com faixas de "não teremos aula" e assim por diante.
Há um movimento que cria resistência sim, entendemos a agonia e angústia dos servidores, mas a gente tem que ter um bom senso. Praticamente toda a sociedade voltou a ter atividades, com raras exceções. Temos visto a manifestação de que as pessoas estão cansadas. Vamos voltar de forma gradual e responsável. Quem nao tiver isso, a escola não volta. Mas a escola tem que estar de plantão para reorganizar. Os pais que derem autorização para os alunos, (a escola) vai organizar o quadro dela de trabalho. Até semana que vem podemos ter normalidade. Teremos algumas dificuldades, mas também a gente coloca: a secretaria fará cobrança quanto a efetividade dessas escolas que estão fechadas.
Os decretos não permitem volta as aulas, mas o governo acredita que tem que ter plantão, é isso?
Exatamente isso. Essa interpretação não pode ser feita com olhar de quem não quer voltar. O que os prefeitos têm ditos é que não vai ter aula presencial. Bom, respeitamos. Isso é uma outra discussão que vai ter a partir de amanhã com o governo. Em cima disso, não cabe à direção da escola (decidir não retornar). A secretaria fez uma convocação para eles se organizarem, essa foi a determinação. Professor não está de férias. Isso tem que ficar muito claro. Mas não são todos os professores que estão remotos, alguns têm limitações, a gente entende isso. Ninguém estava preparado. Então, aquele professor que não pode e não tem capacidade de estar presencialmente, ele vai ficar no remoto. Estamos chamando os servidores de contratos temporários para suprir a necessidade de aula presencial. O que estamos fazendo aqui, e isso é um complicador, é ter que verificar cidade por cidade, verificar onde o prefeito disse que não volta, e não fornecermos recursos humanos se não vai ter aula presencial. Em cada cidade estão sendo trabalhadas de forma individual: essa o prefeito não quer, ok, mas abre em regime de plantão para fazerem as atividades pedagógicas.
A secretaria fez uma convocação para eles se organizarem, essa foi a determinação. Professor não está de ferias. Isso tem que ficar muito claro. Mas não são todos os professores que estão remotos, alguns têm limitações, a gente entende isso. Ninguém estava preparado.
FAISAL KARAM
O senhor falou que vai ter reunião virtual entre prefeitos para que se resolva esse impasse. O que o senhor espera desse diálogo?
Essa é uma pauta sensível. Na semana passada, já ouvimos 12 associações de prefeitos, e tem posicionamentos muito claros. Um exemplo é a Serra, o prefeito de Caxias (do Sul) diz que sua rede volta. Mas os demais prefeitos na Serra a princípio se mantêm contrários à volta. Tudo isso vai ter que ser discutido a partir de amanhã, porque também existe a alegação que a Famurs coloca de forma clara que nós governos estaríamos usando a liberação de outras atividades como forma de pressão para que estes também retornem às aulas da rede estadual. Eu não entendo que é uma forma de pressão, é uma questão lógica e racional.
A partir do momento que eu entenda que educação não é prioridade, eu tenho que discutir outras situações que não são prioridades. A questão de grandes eventos, torcida no estádio, eventos com concentração de pessoas no Litoral. Então eu também posso avaliar que temos que restringir essa volta, já que a escola, com todos os protocolos e materiais de higiene e com reduzido números de alunos, não tem condições de voltar. Então onde também tem concentração de pessoas também não pode. O governo não usa isso como pressão. Estamos colocando que dentro de um critério racional, uma escola que tem 500 alunos, está autorizada a voltar até no maximo 250 e, na outra semana, mais 250. Mas sabemos, a exemplo da prefeitura de Porto Alegre, que o número que voltou não ultrapassa 30% da atividade semanal. Então, teremos salas de aula ociosas. Nunca teremos uma concentração significativa, como nos grandes eventos.