
Com o objetivo de apoiar o paraninfo vaiado em discurso de formatura da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), realizada no último sábado (7), os graduados do curso de Jornalismo naquela cerimônia preparam para esta segunda-feira (9) uma manifestação em apoio ao professor hostilizado. Eles planejam publicar nas redes sociais, a partir das 21h, fotos individuais vestindo a camiseta de formatura da turma, que contém os dizeres "não existe democracia sem jornalismo", além das hashtags #SomosTodosBoff e #NãoExisteDemocraciaSemJornalismo nas legendas.
O apoio dos jornalistas recém-formados é para o professor Felipe Boff, que durante seu discurso foi vaiado e xingado. Ele foi escoltado por um segurança quando foi conduzir os formandos para fora do palco.
Tudo ocorreu no Anfiteatro Padre Werner do campus São Leopoldo, na noite do último sábado, onde foi realizada a formatura conjunta de três cursos de Comunicação da Unisinos: Jornalismo, Fotografia e Comunicação Digital. Eleito padrinho dos 21 jornalistas formandos – turma mais numerosa da cerimônia –, Felipe Boff assumiu o microfone no fim da cerimônia. Em sua fala, ele criticou os ataques à imprensa proferidos pelo presidente Jair Bolsonaro, citando falas do governante, além de mencionar a propagação de informações falsas nas redes sociais. O discurso, no entanto, desagradou parte dos convidados.
– Logo no início do meu discurso, comecei a ser apupado por uma parte da audiência. No momento em que falei do levantamento da Fenaj ("No ano passado, o presidente da República atacou a imprensa 116 vezes em postagens nas suas redes sociais, pronunciamentos e entrevistas. Um ataque a cada 3 dias"), comecei a sofrer ataques da plateia. Mandaram eu calar a boca e gritaram para encerrar o discurso – conta Boff. – Foram manifestações virulentas e antidemocráticas, ainda mais em uma formatura de Jornalismo. Não souberam escutar uma defesa dos graduandos.
Um dos 21 formandos em jornalismo, João Rosa, 29 anos, assistiu sentado ao lado dos outros formandos ao discurso do paraninfo e ao momento em que o professor foi hostilizado. A cerimônia de colação de grau já havia ocorrido – ele já estava com seu diploma e o barrete na cabeça.
— Começamos a ouvir frases do tipo "não estou aqui para isso", "não paguei faculdade do meu filho para ouvir isso na formatura". Começaram a ofender gratuitamente o professor, com comentários os mais chulos possíveis — aponta João.
A formanda Natália Collor, 23 anos, classificou a atitude da plateia como uma falta de respeito. A jornalista, que recebeu seu diploma naquela noite, crê que as falas do presidente citadas no discurso deixaram o público incomodado.
— Acho que as pessoas ficaram mais indignadas ao ouvir uma frase do presidente atrás da outra, pois são falas muito fortes. Creio que pelo fardo, eu imagino, de ter eleito alguém que é difícil — avalia.

De acordo com João Rosa, os insultos partiram de familiares e demais convidados dos formandos, muitos situados na área VIP do saguão, em frente ao palco.
— Eram mais aplausos e apoio do que vaias, mas o clima estava muito hostil. Quando começaram as vaias, nós, todos os formandos de Jornalismo, nos levantamos e o apoiamos — relata.
Boff relatou que foi interrompido por duas ou três vezes durante seu discurso por conta das vaias, tendo que erguer o tom de voz. Professores e coordenadores se levantaram e se posicionaram ao lado do paraninfo para que ele prosseguisse com sua fala.
— Entendo que possa ter incomodado familiares e amigos dos formandos, mas era um discurso que precisava ser dito, principalmente, para mães e pais de formandos de Jornalismo — explica.
A reportagem tentou o contato de diferentes formas com pessoas que discordaram do discurso e vaiaram, mas não houve retorno.
Escolta
Boff conta que, na saída, a organização da cerimônia orientou que um segurança o acompanhasse, pois ele circularia no meio do auditório na tradicional condução dos alunos do palco para do auditório. O paraninfo passaria pelo meio do público, o mesmo que o xingou.
— Na hora, não achei necessário, mas entendi a parte da instituição — assente.
Na área externa do auditório, onde os formandos costumam recepcionar amigos e familiares, havia três seguranças ao redor de Boff, praticamente o escoltando de forma velada. Ele conta que costuma ter um contato com os formandos nessa área, parabenizá-los, mas dessa vez optou por não ficar por ali por muito tempo.
— Achei melhor ir embora, pois não queria causar nenhum transtorno ou gerar algum incômodo. Já estava satisfeito, meu recado já tava dado — diz o professor.
Mensagem
Para a formanda Natália Collor, era esperado que o discurso do paraninfo defendesse os direitos da profissão – até por conta da atuação acadêmica de Boff.
— O público dizia coisas como "Fala dos teus afilhados, não queremos ouvir sobre a politica", mas era justamente o que a gente esperava dele. Era o que aquelas pessoas precisavam ouvir. Era o que a minha mãe precisava ouvir, para saber onde eu estava entrando — destaca a jornalista.
Boff relatou em seu perfil no Facebook o episódio, além de anexar seu discurso. O texto circulou pela web e repercutiu nacionalmente, recebendo apoio de jornalistas de diferentes cantos do país.
Posicionamentos
Em comunicado, a Unisinos ressaltou a independência de expressão dos paraninfos nas cerimônias. Leia a nota na íntegra:
Como instituição suprapartidária e defensora dos princípios democráticos, a Unisinos, cumprindo seu papel de universidade, respeita as mais diversas posições, constituindo-se como um espaço em que se preserva e se estimula a pluralidade de ideias.
Sendo assim, a Universidade esclarece que, nas cerimônias de colação de grau, os professores escolhidos pelos alunos para representá-los como paraninfos têm o direito de fazer uso da palavra e liberdade para se expressarem conforme suas convicções pessoais.
O Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Rio Grande do Sul (Sindjors) e a Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ) manifestaram em comunicado solidariedade ao paraninfo:
"O Sindjors e a FENAJ repudiam toda e qualquer forma de ataque à liberdade de expressão e de pensamento, ainda mais dentro de uma instituição de ensino. A ação ocorrida na Unisinos representa uma intimidação à atividade profissional e é condenável", diz a nota.
No horário combinado, os formados tuitaram fotos e mensagens de apoio ao paraninfo: