As patas curtas andam ligeiro para abrir passagem. Como se fossem cães de pastoreio, os viralatas Fred e Frida tomam a frente do grupo troteando com propriedade pelos caminhos rurais de Morro Reuter, no Vale do Sinos. Logo atrás da dupla peluda, o agricultor Pedro Paulo Deimling puxa a corda que guia as duas carroças tracionadas por Segredo e Mineiro. Na carona, duas turmas de alunos da Escola Municipal de Educação Infantil (Emei) Dom Bosco, com idades entre três e quatro anos, fazem um passeio incomum pelo interior do município. A atividade foi um dos marcos da volta às aulas dos pequenos.
— Oi, vacas! — acenou um menino.
— Oi, natureza! — disse outro ao passar por uma plantação de milho.
— Oi, carro! — disparou um terceiro ao cruzar com um veículo.
Com pouco mais de 6,4 mil habitantes, Morro Reuter ainda mantém alguns hábitos peculiares às regiões interioranas, como cumprimentar a vizinhança. Foi assim, aos poucos, por meio de passeios pelo entorno na escola, que a criançada foi conquistando os moradores da região, que começaram a abrir suas portas para recebê-los.
Há três anos, depois de observarem uma carroça em sua propriedade, os professores da instituição de ensino perguntaram a Deimling se ele poderia fazer um passeio com os alunos. O convite foi aceito e, de lá para cá, a atividade passou a ser repetida, sempre buscando fazer um resgate histórico do meio de transporte.
— Um dos objetivos é fazer as crianças compreenderem que os avós usavam a carroça para ir à escola, além de ela ser uma ferramenta de trabalho no campo — disse Márcia Machry Philippsen, diretora da Dom Bosco.
Um dos objetivos é fazer as crianças compreenderem que os avós usavam a carroça para ir à escola, além de ela ser uma ferramenta de trabalho no campo.
MÁRCIA MACHRY PHILIPPSEN
diretora da Dom Bosco
Além da localização privilegiada, encravada em meio à área rural do município, a escola ainda se beneficia do carinho da comunidade, que participa ativamente da rotina das crianças.
— A gente tem o privilégio de criar laços com os vizinhos, então, eles permitem que a gente brinque no pátio deles — comemorou a professora Cleunice de Fátima Sobieski.
Acostumado a ir para o colégio de ônibus, o pequeno Arthur Henrique Rohr, quatro anos, aguardava ansioso pelo passeio inusitado. Mesmo sem nunca ter andado de carroça, o menino sabia na ponta da língua qual a função do veículo:
— Carregar o pasto!
Com um pouco mais de conversa, o guri, que adora leite, confessou o que desejava encontrar no caminho:
— Vacas, vacas!
Na lista de interesse das crianças, ainda constavam "borboletas" e "tartarugas".
— Elas andam na água e na terra. Têm um casco que é a casinha delas — explicou Arthur.
Paixão pela terra
Embora singela, a experiência é repleta de significado, especialmente para o guia, o aposentado que virou agricultor. Criado na roça, Deimling trabalhou como pedreiro, pintor e na indústria metalúrgica. Quando se aposentou, voltou para a lida com a terra e, hoje, com o gesto simples de passear com as crianças em carroças, compartilha um pouco mais da sua paixão. Ele diz que os pequenos pouco sabem sobre a origem do que comem e, menos ainda, sobre a rotina do campo.
— Quem aqui quer trabalhar na roça? — questiona no meio do passeio.
Como esperava, nenhuma mãozinha se levantou.
— Ninguém quer ser colono, que decepção! — brincou.
Após circular por cerca de 40 minutos, a turminha voltou para a sala de aula cheia de sorrisos no rosto e gostinho de quero mais. O próximo passo, organizam os professores, deve ser um café colonial nas terras de Deimling, com direito a leite tirado na hora das vacas.