Para o ano letivo de 2017, a Secretaria Estadual da Educação (Seduc) cortou 2.256 turmas nas escolas estaduais – nos três níveis de ensino: Infantil, Fundamental e Médio. A redução de 5,3% foi motivada, segundo o governo do Estado, pela queda no número de alunos nos últimos 10 anos e tem objetivos econômicos e pedagógicos: diminuiria a necessidade de professores e aumentaria a "socialização" dos estudantes. Ainda é cedo para medir o impacto financeiro, mas o Cpers/Sindicato e educadores contestam os supostos benefícios para a qualidade em sala de aula.
Uma portaria do Piratini publicada em novembro de 2016 limitou em 16 o número mínimo de alunos para cada sala de aula. Na prática, criou uma regra que possibilitou extinguir turmas abaixo desse patamar, redistribuindo os estudantes em outras classes. Como consequência, também houve a supressão de pelo menos um turno de aula em 301 das 2,5 mil instituições de ensino gaúchas. Diretores temem que o próximo passo seja o fechamento de escolas.
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– Nós não fechamos nenhuma escola agora. Mas essa adequação poderá vir a ser feita. Não é o objetivo nesse momento. O que queremos é melhorar a qualidade, atendendo todos os alunos com essa otimização da oferta – diz a secretária adjunta da Educação, Iara Wortmann.
Responsável por coordenar a reestruturação, Iara diz que o mais importante do processo não são os cortes, até porque a economia só poderá ser medida quando for definido o orçamento para 2018, mas o ganho pedagógico com as mudanças:
– Não dá para se pensar em continuar com turmas muito pequenas, onde não ocorre nenhuma socialização do conhecimento entre os alunos. Esta reorganização visa otimizar os alunos e as turmas para que a gente tenha uma melhor qualidade de ensino.
O diretor do Cpers/Sindicato Enio Manica afirma que os professores não foram consultados sobre as mudanças e discorda quanto à qualificação do ensino:
– É bem ao contrário do que o governo diz. Turmas muito grandes causam prejuízo pedagógico porque o professor não consegue dar um atendimento mais individualizado aos estudantes.
O Cpers diz que o objetivo do governo é, na verdade, enxugar para evitar novas nomeações de professores.
– Faltam pelo menos 400 professores nas escolas. Há instituições onde os alunos ainda não tiveram aulas de algumas disciplinas – afirma Manica.
A diretora de Recursos Humanos da Seduc, Carmen Figueiró, confirma a redução de 2,7 mil professores em 2017, em um "movimento natural" de diminuição do quadro ao longo dos últimos anos por causa de aposentadorias e pedidos de exoneração.
Estudo do TCE embasou cortes
A hipótese de enxugamento foi apresentada em um estudo feito pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE-RS) no fim de 2015. No levantamento, auditores citam a crise financeira do governo e apontam o corte de turmas como uma das opções para reduzir gastos. O órgão sugeriu o encerramento de 811 turmas do Ensino Fundamental e do Ensino Médio, o que poderia gerar uma economia de R$ 777 mil mensais aos cofres públicos (só para comparar, em maio o governo gastou R$ 120,9 milhões em educação). O TCE frisa que o cálculo era apenas uma projeção, já que é difícil mensurar todos os componentes necessários para o funcionamento de uma turma, principalmente nas séries finais do Ensino Fundamental e no Ensino Médio, quando os alunos têm aulas com mais de um professor.
Pela reestruturação, ficou definido que, somente em casos especiais, serão aceitas turmas com menos de 16 alunos – como em escolas do campo, indígenas e quilombolas. O número máximo de estudantes por classe segue orientação do Conselho Estadual da Educação, com 25 alunos no 1º ano do Fundamental e até 50 no Ensino Médio.
Nos colégios impactados pelos cortes, professores reclamam das mudanças. A Escola Estadual de Ensino Fundamental Tito Marques Fernandes, localizada junto a um quartel do Exército no Morro Santa Tereza, na Capital, teve um turno encerrado. Em março deste ano, passou a funcionar apenas pela manhã, com 127 alunos atendidos em turmas do 1º ao 5º ano.
Professora do 1º ano, Camila Rodrigues afirma que se tornou difícil a tarefa de alfabetizar as crianças. Ela atende 30 alunos em uma sala, número acima do limite estabelecido:
– Não tem como garantir qualidade assim. São 30 alunos aprendendo de forma diferente, é difícil dar atenção a todos.
A diretora da escola, Itair Paranhos, afirma que a Seduc rejeitou o pedido para separar a turma em duas. Nas demais salas, a média é de 20 alunos do 2º ao 5º ano.
Segundo Maria Luiza de Moraes, da 1ª Coordenadoria Regional de Educação (CRE), a escola abriu um número de vagas acima da orientação dada. A coordenadora informou que uma equipe pedagógica irá ao colégio verificar a situação da turma.
Professores e funcionários se dividem entre duas escolas
Outra instituição de ensino da Capital que passou a funcionar apenas de manhã é a Escola Estadual de Ensino Fundamental Padre Balduíno Rambo, no Partenon, com 190 alunos. Além de prejuízos aos estudantes e aos pais, que agora não têm mais a opção de aulas à tarde, a diretora Natália Souza Silva afirma que as mudanças comprometeram o trabalho de professores e funcionários:
– Antes, os funcionários e alguns professores trabalhavam o dia inteiro na escola. Agora eles precisam ficar se deslocando para outras escolas para cumprir as 40 horas semanais (de jornada de trabalho).
Vice-diretora da Tito Fernandes, Jussara Carvalho trabalhava o dia inteiro na escola localizada no Morro Santa Tereza. Com o fechamento do turno da tarde, agora precisa se deslocar até a zona sul de Porto Alegre para completar a carga horária em outra instituição de ensino.
– Eu saio daqui meio-dia, almoço correndo para chegar a tempo na outra escola. É mais cansativo, sem contar com os gastos que aumentaram.
Estado perdeu 30% dos alunos em 10 anos
O governo do Estado tem usado a redução do número de crianças e adolescentes em idade escolar para justificar o corte de turmas nas escolas estaduais. As estimativas populacionais feitas pela Fundação de Economia e Estatística (FEE) apontam nesta direção, com queda de 16% na população até os 19 anos de idade desde 2001 no Estado. Embora esse movimento ocorra em todo o Brasil, é mais significativo no Rio Grande do Sul.
O economista da FEE Marcos Wink analisou os dados populacionais e as matrículas na educação básica regular registradas no Censo Escolar. A queda na taxa de natalidade tem reflexos nas escolas públicas, principalmente no Ensino Fundamental. Em um intervalo de 10 anos, de 2007 a 2016, a rede estadual perdeu 318 mil alunos – uma queda de quase 30%. No mesmo período, a rede particular conseguiu aumentar em quase 40 mil o número de alunos na educação básica – uma elevação de 16%.
O economista da FEE afirma que países ricos têm investimento maior por aluno em educação do que o Brasil e que a redução no número de matrículas deve servir como estímulo para se trabalhar a qualidade.
– Se não houver corte de recursos pelo governo, teremos mais dinheiro disponível por aluno. É uma boa oportunidade para a melhoria do ensino – afirma Wink.
ENTREVISTA
Responsável por coordenar a reestruturação, a secretária adjunta de Educação, Iara Wortmann, acredita que, com turmas maiores, é possível melhorar a qualidade de ensino. Confira a entrevista concedida a ZH.
Qual o objetivo dessa reorganização?
É importante a gente relembrar que a população vem diminuindo. Temos, a cada ano, um número menor de alunos, não só na rede estadual. O que estamos fazendo é uma adequação do número de turmas em relação ao número de alunos. Não dá para se pensar em continuar com turmas muito pequenas, onde não ocorre nenhuma socialização do conhecimento entre os alunos. Esta reorganização vai otimizar os alunos e as turmas para que a gente tenha uma melhor qualidade de ensino. Porque nós só temos um objetivo: melhorar a qualidade.
Como se melhora a qualidade com turmas maiores? Vai ter mais professor?
Não é isso. Eu sou professora há muitos anos e, para tu trabalhares a questão pedagógica, o número de alunos em sala de aula ajuda na melhoria da qualidade. Porque o próprio aluno socializa com seus colegas o seu conhecimento. Se tu tens uma turma muito pequena, essa socialização não é possibilitada.
Já se sabe o reflexo dessa reorganização no número de professores? Houve redução?
Ano a ano acontece isso, não vou te dizer que foi só agora por causa da reorganização. O nosso compromisso é fazer uma oferta de ensino de maneira que não tenha gordura sobrando. Não é que se diminuiu para não atender, tudo que está se fazendo é para atender o aluno da melhor maneira possível.
Qual o impacto financeiro?
Ainda estamos em processo. Com certeza vamos ter esses números, talvez no fim do ano quando vamos reprogramar o orçamento para o ano que vem. Mas, na verdade, estamos fazendo isso porque achamos que esse é o nosso papel. O poder público não pode rasgar dinheiro.
Como foi organizada a reestruturação?
Essa programação para 2017 estamos fazendo desde 2016. Discutimos com as 30 coordenadorias, não foi uma coisa de cima para baixo. Cada coordenadoria levou o conjunto das 2.561 escolas para pensar, repensar e ver qual seria a melhor forma de ofertar o ensino para os alunos sem deixar ninguém desassistido.
Existe a possibilidade de fechamento de escolas?
Nós não fechamos nenhuma escola agora. Mas essa adequação poderá vir a ser feita. Não é o objetivo nesse momento. O que queremos é melhorar a qualidade, atendendo todos os alunos com essa otimização da oferta.