
O paranaense Adolfo Sachsida, 52 anos, é advogado e economista. Adepto das doutrinas econômicas liberais, Sachsida foi uma das principais atrações da 38ª edição do Fórum da Liberdade, que ocorreu entre os dias 3 e 4 de abril em Porto Alegre.
Entre janeiro de 2019 e fevereiro de 2022, Adolfo Sachsida foi secretário de Política Econômica do ministério da Economia, um dos cargos mais importantes da pasta então sob gestão de Paulo Guedes. Além disso, entre maio e dezembro de 2022, Sachsida exerceu o cargo de ministro de Minas e Energia, nomeado por Jair Bolsonaro.
Nesta entrevista exclusiva, Sachsida destaca pontos de sua atuação na gestão pública federal e comenta aspectos da situação macroeconômica atual do Brasil.
Você veio a Porto Alegre para participar, entre outros eventos, da 38ª edição do Fórum da Liberdade. Como avalia a importância desse evento?
O Fórum da Liberdade que acontece aqui em Porto Alegre é uma grande referência para eventos do campo liberal no Brasil inteiro, da defesa da liberdade, do livre-arbítrio. O Fórum da Liberdade nos propicia um palco para o debate de ideias, que é o que o país mais precisa hoje, um debate livre de ideias, mesmo de diferentes campos de pensamento, pois, quando você debate, ouve outras perspectivas e outros pontos de vista, você aprimora o seu próprio pensamento. Já acompanhava o evento há alguns anos, e essa foi a primeira vez que consegui participar presencialmente, o que me deixou muito satisfeito.
Como você acha que a agenda liberal e o debate de ideias liberais no Brasil estão hoje, em comparação ao que era há mais de três décadas, quando o evento teve início?
Acredito que teve um crescimento muito grande dessa agenda no Brasil nos últimos anos. Antes, essas ideias ficavam mais concentradas em nichos específicos, mas os princípios do pensamento liberal estão cada vez mais disseminados na população brasileira e mundial. No fundo, o que se busca é trazer um debate honesto de ideias, expor diferentes correntes de pensamentos, para que as pessoas, de posse das melhores informações possíveis, façam as suas escolhas. Nesse sentido, reforço, o Fórum da Liberdade tem cumprido papel fundamental, sendo um farol na defesa da importância da liberdade, notadamente da liberdade de pensamento do Brasil, e eu os parabenizo por isso.
Falando da macroeconomia no Brasil, como você enxerga esse cenário no país, que tem indicadores positivos, como crescimento do PIB e taxa de desemprego baixa, ao mesmo tempo em que vemos alta da inflação e taxa Selic em patamar elevado?
Eu tenho uma leitura um pouco diferente da maioria dos especialistas. Acho que muitos se esquecem de onde viemos, então, eu gostaria de frisar isso. O Brasil veio de seis anos de reformas macro e micro econômicas intensas. Quando você olha o período entre 2016 e 2022, posso citar a reforma trabalhista, a reforma da previdência, a autonomia do Banco Central, novo marco do gás, novo marco de cabotagem, novo marco de saneamento, novo marco de registros públicos, entre muitas outras ações. Então, você tem toda uma agenda muito ampla de reformas que estão mostrando o seu resultado. É por isso que o PIB tem surpreendido positivamente a maior parte dos analistas, mas confesso que sempre imaginei que o PIB viria forte em 2023, 2024, e agora em 2025. Ainda há algumas dúvidas quanto ao futuro, mas acho sempre importante reforçar que as reformas econômicas realizadas entre 2016 e 2022 foram muito fortes, e é importante levar isso em conta na hora de olhar o Brasil.
Olhando para onde nós vamos agora, acho que existe um problema fiscal muito sério, que precisa ser endereçado pelos formuladores de política econômica. A minha leitura é de que a política monetária e a política fiscal estão desalinhadas. De um lado, você tem o Banco Central aumentando a taxa de juro, aliás, nós retornamos ao patamar de 2015, com a taxa de juro muito elevada, mas é uma política monetária restritiva para combater a inflação. Por outro lado, você olha a política fiscal e ela está expansionista. Esse tipo de desalinhamento é o que eu considero o centro de todas as preocupações do momento. E se não for endereçada, pode nos levar a um problema macroeconômico muito sério, tanto no segundo semestre desse ano quanto a partir desse período, até que os reajustes e as adequações sejam realizadas.
Como você avalia o arcabouço fiscal estabelecido pelo atual governo?
Você tem várias teorias que competem sobre o que gera desenvolvimento econômico. Eu venho de um modelo teórico conhecido como liberal, e essa corrente ideológica prega que o setor privado gera crescimento econômico. Se é o setor privado que gera crescimento econômico, o que o formulador de política econômica precisa fazer? Precisa reduzir gastos, porque quando se reduz o gasto público, sobra espaço para abaixar impostos, e quando você abaixa impostos, sobra dinheiro na mão do setor privado, aí você fortalece os marcos legais da economia, e isso aumenta o investimento, porque dá mais previsibilidade, mais segurança para o investimento privado, gerando crescimento econômico.
Mas eu respeito quem pensa diferente. A atual equipe econômica vem de uma outra ideia de desenvolvimento econômico, de que o Estado é o grande propulsor do crescimento econômico. Quando você acredita nisso, o que você faz? Você aumenta o gasto público, o governo lidera o crescimento, e em seguida você aumenta os impostos para manter a situação econômica, a situação fiscal solvente. O arcabouço fiscal é justamente isso, aumenta o gasto público, mas também tenta o quê? Aumentar a arrecadação.
Verdade seja dita, o governo atual tem aumentado a arrecadação, tem tomado várias medidas para aumentar a arrecadação, mas eu acho que esse é o grande nó da política econômica hoje. O gasto público aumentou, mas o governo já tem dificuldade em aumentar impostos, e quando você olha a pauta legislativa hoje, o que o governo está querendo é diminuir impostos. Então, acho que isso está causando muito ruído na economia, esse descasamento entre o aumento de gastos que o governo atual está fazendo e a piora da situação fiscal.
Só para reforçar, eu respeito a escolha de política econômica do governo atual, mas respeitosamente prefiro um caminho onde é o setor privado que lidera o crescimento.
Quando a equipe econômica de vocês assumiu, em 2019, quais eram os principais objetivos que buscavam alcançar?
Quando chegamos no governo, tínhamos dois grandes desafios. Primeiro, havia uma situação fiscal claramente insustentável, e segundo, a produtividade da economia brasileira estava estagnada há 40 anos. Na minha visão, crescimento econômico de longo prazo deve-se ao aumento da produtividade, e o Brasil estava há 40 anos com a produtividade estagnada. A nossa política econômica pode ser resumida em um binômio econômico: consolidação fiscal via redução do gasto público e melhoria nos marcos legais para o aumento da produtividade. E foi isso que nós fizemos. A reforma da previdência e a manutenção do teto de gastos eram medidas para consolidar o lado fiscal.
Ao mesmo tempo, implementamos uma série de novos marcos legais para aumentar a produtividade da economia. Por exemplo, dando previsibilidade à política monetária, autonomia ao Banco Central, endereçando o problema do saneamento com o novo marco de saneamento, e assim por diante. Nós tínhamos uma preocupação muito grande com o mercado de crédito, capitais e garantias. Criamos 14 novos instrumentos financeiros, para que o setor privado pudesse, ele mesmo, se financiar, sem a necessidade de investimento ou financiamento público. Tudo isso eram medidas, primeiro, para consolidar o lado fiscal da economia, e segundo, para melhorar a alocação do investimento privado.
Você menciona que mantiveram o teto de gastos, mas esse teto foi furado algumas vezes durante a gestão do ministro Paulo Guedes, que também foi criticado na época. Como você avalia essa questão?
Eu respeito quem pensa dessa maneira, o bom do debate é isso, mas convido a um pensamento. Quando entramos, o governo gastava 19,4% do PIB. Nós saímos, o governo gastava 18% do PIB. A ideia do teto de gastos é reduzir o gasto do governo, e a nossa política econômica pregava uma consolidação fiscal via redução do gasto público. O governo atual tenta consolidar o lado fiscal via aumento de impostos. Nós, não, nós reduzimos impostos e reduzimos o gasto público. Então, eu respeito quem pensa diferente, entendo o que eles falam em relação a esse ponto, mas acho que, acima de tudo, nós temos que olhar o resultado. E o resultado é muito claro, nós fomos o primeiro e único governo, desde a redemocratização do país, que deixou a gestão gastando menos do que quando entrou.
Tem uma estatística sobre a dívida pública em 2019 e a dívida pública em 2021, para verificar o aumento do endividamento no mundo depois da pandemia. Você pega quanto os países deviam em 2019 e quanto deviam no final de 2021, e essa diferença é o efeito que a pandemia teve no endividamento. Quando você pega a média do endividamento das cem maiores economias do mundo nesse período, a dívida em relação ao PIB nesses países aumentou 11,1 pontos percentuais. Quando você olha o Brasil, caiu 0,1 ponto percentual. Entramos no governo, o governo devia 75,4% do PIB. Pegamos uma pandemia e, quando saímos, o governo gastava 72,7% do PIB. Não só nós reduzimos o gasto público, como reduzimos a dívida PIB em um período em que o mundo todo aumentou essa dívida PIB.
Outros marcos da gestão da equipe econômica da qual você fez parte bastante destacados durante o Fórum da Liberdade foram a Lei da Liberdade Econômica e o Marco das Startups. Como compreende a importância dessas medidas para melhorar o ambiente de negócios?
Foram fundamentais. A Lei da Liberdade Econômica é inclusive iniciativa de um gaúcho, o Paulo Uebel, com apoio do ministro Paulo Guedes. Foi uma medida fantástica, que se mostrou muito efetiva rapidamente. Em 2016, levavam-se quatro meses para abrir uma empresa no Brasil. Ao final de 2022, você conseguia abrir uma empresa em menos de 24 horas. Isso só ocorreu em decorrência direta da Lei de Liberdade Econômica, que desburocratizou esse processo. E o novo Marco das Startups também vem nessa esteira. O objetivo era dinamizar esse setor, dando mais autonomia e condições de desenvolvimento, principalmente naquela fase em que esse modelo de negócio estava se consolidando no país.
Você defende que a Petrobras seja privatizada? De que forma esse assunto foi encarado na sua gestão como ministro de Minas e Energia?
Assim que assumi o ministério, meu discurso de posse foi muito claro. Destaquei que era necessário iniciar os estudos para a privatização da PPSA, que é a estatal do pré-sal, e da Petrobras. E os estudos foram efetivamente iniciados. Agora, a questão da Petrobras é extremamente complexa. É uma empresa muito grande, e você não vai trocar um monopólio estatal por um monopólio privado. É natural que você tenha que fazer muitos estudos, tem que ouvir a sociedade. E nós começamos esse grande debate. Infelizmente, perdemos a eleição em 2022 e não pudemos prosseguir com ele, mas, na nossa visão, essa ideia deveria sim ter prosseguimento, para que se avance.
Tem uma corrente de liberais que critica a gestão de Paulo Guedes, dizendo que o ministro e sua equipe prometiam privatizar mais estatais do que de fato conseguiram fazer. Como você encara essa leitura?
Acho que existe um anseio por parte da população de ver essa agenda de privatizações avançar mais rápido, e eu entendo. Apenas convido novamente esses críticos a olharem os dados. Entre 2019 e 2022, 37% das empresas estatais federais foram vendidas ou fechadas. Além disso, o volume de recurso arrecadado com privatizações e concessões entre 2019 e 2022 é 12% maior do que tudo que foi arrecadado entre 1980 e 2018. Dizer que não houve um movimento forte de privatizações naquele período não encontra corroboração nos dados. E dizer que o nosso governo não privatizou é simplesmente uma incorreção.
Como foi sua experiência ao atuar em uma gestão pública federal, em comparação a uma atuação na iniciativa privada?
Foi uma experiência maravilhosa e muito enriquecedora, e não posso deixar de agradecer ao ministro Paulo Guedes e ao presidente Jair Bolsonaro pela oportunidade. Gostei muito de trabalhar naquele lado do balcão, foi uma experiência desafiadora mas que me ajudou a entender melhor muitas coisas. Particularmente, mais do que liberal, sou conservador. Então, essa ideia de você fazer mudanças muito grandes e muito rápidas me assusta um pouco, e numa democracia, se avança em consensos. É bom que seja assim, porque é melhor avançar passo a passo, na direção correta, do que dar grandes saltos no escuro. A mediação que ocorre com o Congresso é fundamental para que isso ocorra. Durante a minha atuação no ministério da Economia, tive o prazer de conversar com vários deputados e senadores extremamente competentes, extremamente focados em melhorar o país. Entendi melhor como funciona essa articulação, e também sua importância para que as coisas avancem a partir desse sistema de freios e contrapesos. Por isso, só tenho a agradecer por esse período.