Os impactos da chuva devem aparecer nos próximos dias nos preços e na oferta de alguns alimentos no Rio Grande do Sul. Nas Centrais de Abastecimento do Estado (Ceasa-RS), o mau tempo e a condição das estradas já diminuiu o fluxo de caminhões no local. O efeito tende a se repetir em supermercados do Interior nos próximos dias, a depender da condição de abastecimento nas regiões mais afetadas.
Os temporais que atingem o Estado desde o fim de semana já deixaram pelo menos 27 mortos, sendo 13 na contagem oficial da Defesa Civil. Ao menos 21 pessoas estão desaparecidas e 8,3 mil fora de casa. Trata-se de um dos eventos climáticos mais severos da história gaúcha, superando, inclusive, o episódio de enchentes de setembro do ano passado, que devastou a região do Vale do Taquari.
Neste contexto, a Ceasa-RS decidiu antecipar em duas horas e meia a abertura dos portões na manhã desta quinta-feira (2). De acordo com o presidente da Central, Carlos Siegle de Souza, a decisão foi tomada para que os clientes pudessem voltar às suas cidades mais cedo, enquanto as estradas ainda estão em condições de tráfego. O adiantamento será mantido nesta sexta (3), com abertura às 10h.
A dificuldade de escoamento de produtos devido às rodovias bloqueadas ou interditadas já altera o fluxo na central de abastecimento. Nas terças e quintas-feiras, são cerca de 200 caminhões "de fronteira" que chegam ao local para buscar produtos e levá-los ao Interior. Os clientes de fronteira são como são chamados os varejistas vindos de municípios distantes 200 quilômetros ou mais da Capital. Nesta quinta-feira, dia de maior movimento da semana na Ceasa, apenas 50 deles haviam cruzado os portões, conforme Souza.
— E a gente imagina que o produtor também não consiga chegar — diz o presidente.
A Ceasa frisa, no entanto, que ainda é cedo para estimar o tamanho do impacto no fornecimento dos produtos. Mas antecipa que os efeitos de falta ou de aumento de preço podem ser maiores que no ano passado, devido à abrangência do fenômeno:
— Tivemos no ano passado vários eventos menos graves, também de enchentes, mas em regiões específicas. E as outras regiões supriram (a demanda). Este evento de agora pega o RS inteiro, praticamente todas as vias de acesso à Capital estão bloqueadas.
Nos supermercados do Interior, o alerta se dá por questões de logística. Mesmo abastecidos de carga, muitos caminhões que partem das regiões produtoras não conseguem chegar aos destinos devido aos trechos de estrada interrompidos.
— É tudo uma questão de parar a chuva. Não é que não existe o produto, mas ele precisa chegar. E o perecível só dura 48 horas. O cliente tem de estar ciente que nem todas das marcas que ele consome poderão estar nas prateleiras — diz o presidente da Associação Gaúcha de Supermercados (Agas), Antonio Cesa Longo.
Perecíveis preocupam mais
Com base em pesquisa de estoque realizada junto aos produtores e atacadistas da Ceasa, o abastecimento está garantido pelo menos até o fim de semana. Para a semana que vem, a oferta vai depender do reestabelecimento dos acessos às rodovias, principalmente para o fornecimento de frutas em geral, ovos, hortaliças e legumes.
A projeção para as próximas semanas, porém, já considera o encarecimento de itens:
—A perspectiva é, no mínimo, de aumento de valor dos produtos. O período que isso vai durar vai depender do tempo com que serão restabelecidos os acessos — diz o presidente da Ceasa.
Conforme publicou a colunista Gisele Loeblein, a inviabilidade de acesso às propriedades rurais já traz impactos para o recolhimento de leite no Vale do Taquari. A dificuldade de escoamento deve impactar o fornecimento da bebida a supermercados. Na quarta-feira (1º), o rio Taquari atingiu a maior cheia da sua história em Lajeado e Estrela. A região é uma das mais importantes bacias de produção leiteira gaúcha.
Vice-presidente do Grupo Peruzzo, rede de supermercado presente em diversas regiões afetadas no interior do Estado, Júnior Peruzzo diz que a maior dificuldade é o fornecimento de perecíveis. Os hortifrutigranjeiros comercializados pela bandeira partem do centro de distribuição que fica em Cachoeirinha, na Região Metropolitana. Por causa dos desvios, os caminhões estão tendo de optar por rotas alternativas.
— Nossa mercadoria de hortifrutis está vindo por Camaquã e Rosário do Sul para chegar a Santa Maria. São 800 quilômetros de rota para os produtos chegarem às prateleiras, num trecho que seria de 300 quilômetros — diz o dirigente.
Outros produtos não perecíveis partem do centro de distribuição de Bagé. Mas o que sai diretamente de demais regiões produtoras, fica preso na estrada.
— Tudo o que sai do Vale do Taquari, por exemplo, não chega — relata Peruzzo.
Ao todo, o grupo possui 25 unidades no Interior do Estado, com lojas em Rio Grande, Pelotas, Candiota, Bagé, Dom Pedrito, Caçapava, Santa Maria, Santiago, São Borja, São Gabriel e Alegrete. Em Santa Maria e São Gabriel, locais onde a condição é extremamente severa, o mau tempo afeta também o deslocamento de funcionários.
Corrida aos súpers
Neste momento, os representantes do setor supermercadista ainda não falam em desabastecimento. Tudo dependerá das condições de escoamento nos próximos dias. A possiblidade de faltar produto, no entanto, já leva a uma corrida aos supermercados.
— Hoje, o dia começou forte de movimento nas lojas, uma herança da pandemia ainda, e isso vai reduzindo as opções — diz o vice-presidente da rede Peruzzo.